Curas distorcidas

                      Esta é uma reflexão acerca do que se faz para se evitar o inevitável.                               – O quê? Pergunta o leitor.

                      Fazer o que nos tempos actuais a sociedade ensina para evitar a dor.                  De entre as receitas que prometem curar e/ou controlar o que não se quer, tal              como, ficar deprimido, ter ansiedade, ficar “em baixo”, doente, ou ser infeliz; elegi:             Fazer meditação, ter pensamentos positivos, e ser uma boa pessoa.

Estas são receitas que algumas pessoas trazem para a terapia e que, paradoxalmente, estão associadas a confusão, frustração e ansiedade. Carlos Drummond de Andrade já nos tinha dito que “A dor é inevitável. O sofrimento é opcional.” E sabemos o quanto isto nos dá trabalho. O ponto de partida costuma ser “fazer por se evitar”, mas DEVERIA ser “fazer para se lidar”.

Fazer meditação é amplamente divulgado como ferramenta essencial de cura mas para ser eficaz requer uma relação entre corpo, coração e cabeça. A meditação funciona quando somos capazes de direccionar a atenção para uma parte dolorosa, abri-la e, posteriormente, criar uma nova consciência acerca de nós com esta experiência. Para isto é preciso estar totalmente (corpo+coração+cabeça) presente no momento e receber a auto-compaixão associada do momento de sofrimento recordado. Se não conseguir usar a informação do corpo para a traduzir e enquadrar com a cabeça será uma experiência incompleta de cura. Também pode acontecer que não saiba distinguir o que são as suas emoções e o que é a sua pessoa. Por exemplo, escutar partes internas críticas e de julgamento é, com frequência, a primeira adversidade que se encontra quando se começa a meditar. Às vezes, a primeira e última, porque o resultado de encontrar-se com um lado julgador sem ter o seu lado autêntico presente será mais ou menos como ser atirado aos lobos sem protecção. Provavelmente não vai querer repetir a experiência e talvez até queira mesmo passar a evitá-la porque tornou em medo, confusão e divisão uma experiência que se pretendia ser de alívio, clareza e de reunificação.

Os pensamentos positivos têm a capacidade de nos dinamizar, aumentar a nossa confiança e prontificar para a acção. Podem ser poções mágicas de realização porque tocam no acreditar que é possível. Relembrando Osho, os pensamentos positivos ganham poder quando se colocam no mesmo patamar que os negativos e não quando os renegam e se faz de conta que não existem. Não podem ser usados para ler estados emocionais desagradáveis; por exemplo, se acorda de manhã e não se sente animado não poderá pensar que se sente animado. Conseguir aceitar a forma como se sente e deixar correr o dia pode ser uma boa opção. Ou seja, tolerar a incerteza de como será o passar do dia quando não acorda animado pode ser surpreendentemente positivo. Se distorcer e negar a sua verdadeira realidade (do momento) estará a ser desonesto consigo e, se o fizer por sistema, poderá perder a  oportunidade de ficar disponível para encontrar o que o torna verdadeiramente animado. Contar mentiras a si próprio, acerca de si próprio, contribuirá apenas para se desligar do sentimento de si e desviar-se do seu projecto de cura.

Diria que ser uma “boa pessoa” é um princípio orientador de conduta associado ao que está certo e é bom nas pessoas. A desorientação surge quando as pessoas não sabem o quanto boa tem que ser para ser considerada uma boa pessoa e perdem-se, por exemplo, a fazer coisas pelos outros ou a evitar dores inevitáveis. Colocam sistematicamente os outros à sua frente porque ganham a aceitação (intermitente) que não têm em relação a si mesmas e, com isto, não sabem separar-se do que é informar os outros daquilo que lhes causa dor, do que é a satisfação associada à afirmação da sua defesa, do que é ter prazer em infligir dor ao outro. Uma boa pessoa tem a clareza da posição que ocupa em relação aos outros e ao mundo. Pode sentir, pensar e agir contra a vontade dos outros e continua a ser boa pessoa porque isto só significa que é diferente do outro e que está a defender valores como respeito, confiança, amizade, compaixão, gratidão, etc. Uma boa pessoa por instrução racional e sem consciência dos seus próprios valores estará muito desviada do seu auto-conhecimento e do que nos torna realmente bons. Deixar de ser boa pessoa porque já não serve as necessidades do outro é, no mínimo, perverso e não representa nenhum tipo de cura, nem pessoal, nem, e muito menos, para a humanidade.

Sabemos que é importante criar a oportunidade de nos separarmos de partes dolorosas para funcionarmos no dia-a-dia mas também que a verdadeira libertação acontece quando as curamos. Curar não é esquecer a dor, é integrar em nós de forma mais harmoniosa aquilo que nos dói. A melhor terapia usa a consciência para curar o coração (Kornfield, 2012) e isto implica alívio do medo de se ligar a si e aos outros com a benesse de conseguir transformar experiências dolorosas. A conexão estabelecida numa relação terapêutica ensina-lhe como a dor contém verdades que abrem o seu coração à alegria e à vida. É que do outro lado da dor está a força e a confiança, e, acredite, não vai querer perder esta parte. Porque depois de dizermos adeus aos demónios, precisamos aprender a viver com os nossos anjos, chama-se a isto capacidade para uma vida plena (Russel, 2015).

Rita dos Santos Duarte – Psicoterapeuta

Histórias de (in)verosimilhança: O maior cego é mesmo aquele que não quer ver?

A Anormalidade já não é o que era – II

Histórias de (in)verosimilhança: O maior cego é mesmo aquele que não quer ver?

A reflexão de hoje surge após ter lido a seguinte notícia publicada em Outubro passado (ver links abaixo):

Concretizou sonho de se tornar cega

Woman who dreamed about being blind had DRAIN CLEANER poured in her eyes by a sympathetic psychologist to fulfil her lifelong wish – and now she’s never been happier

eye

Será que é “normal” o que para quase todos os seres humanos é absolutamente incompreensível?

Um dos aspectos que torna a experiência humana compreensível à generalidade dos seres humanos é a verosimilhança.

É fácil de empatizar com alguém que acabou de ter uma experiência de luto, com alguém que desenvolve uma ansiedade fóbica à condução após um acidente de viação, com alguém que faz um surto psicótico após uma situação de stress intenso ou mesmo com um anti-social que viveu a infância num ambiente desestruturado e violento.

É a verosimilhança destas experiências que nos permite empatizar com as pessoas que as vivenciaram.

Mas como “calçar os sapatos” de alguém de deseja cegar para encontrar conforto?

Como empatizar com o inverosímil?

O que seria mais adequado fazer face a este desejo de cegar?

Tentar convencer esta pessoa que o seu desejo de se privar da visão é uma anormalidade que precisa de tratamento?

Mesmo que todo o seu ser vibre de dor enquanto não for efectivamente privada de ver?

E quem define este desejo de privação como uma anormalidade?

Não conseguindo “calçar os sapatos de quem deseja cegar” conseguiremos empatizar com a dor de quem sofre por conseguir ver (a ponto de desejar cegar)?

Durante muitos anos a homossexualidade era considerada uma doença, um desvio aberrante, e hoje aberrante é aquele que discrimina pela orientação sexual.

Para podermos evoluir, acabámos por nos focar na verosimilhança da dor que advinha da discriminação, incompreensão e indiferença.

Será que foi também esse o foco do terapeuta neste caso?

Qual a (in)verosimilhança que se segue? A eutanásia activa? O suicídio assistido?

De facto, este tema deixou-me com mais interrogações que respostas e não creio sequer que caiba apenas à Medicina ou à Psicologia a resposta a estas perguntas.

Mas fica a inquietação (provocatória):

Se você fosse o terapeuta, como decidiria?

João Parente – Médico Psiquiatra e Psicoterapeuta

O bem que o mal nos faz

falha e sucsso

Não são raras as vezes que me perguntam “porquê?”.

Aqui incluem-se variantes como o “porque é que eu sou assim?”, o “porque é que isto me acontece a mim?”, o “porque é que não resulta o que tento fazer para mudar?”.

Inerente a esta frustração e desespero está um passado de tentativas da pessoa se libertar das antigas formas de fazer, pensar, sentir e estar. Está uma sucessiva narrativa de coligir recursos e estendê-los na direcção que se achou a mais adequada … sem sucesso. Está uma repetição de fracassos.

Este fracasso até pode ser bom, desde que bem aproveitado, penso e digo muitas vezes. Quando devolvo este desafio, a surpresa de quem me escuta acompanha um incrédulo “como assim?”. Thomas Edison falhou diversas vezes até ser bem sucedido. Não é o ter conseguido inventar a lâmpada (e outros diversas engenhocas) que eleva Thomas Edison, mas sim a sua extraordinária capacidade de persistir e inovar perante o erro.

O movimento IFF, intelligent fast failure, traduz esta ideia de uma forma bastante concisa. Falhar é humano e é uma aprendizagem em potential. O erro não está em falhar, mas sim em não aprender com o erro. Assim, quem erra mais tem mais oportunidade de testar, afinar e adaptar as suas estratégias … ou seja, falhar a curto prazo tem o paradoxal efeito de nos poder tornar mais bem sucedidos a longo prazo! Desde que tenhamos a capacidade de analisarmos a situação e reconhecermos o que poderia ter sido diferente, o que poderia ter sido melhor. O conceito não se esgota no fracasso, mas sim na forma inteligente de lidarmos e aprendermos com ele.

Esta pequena e quase irrisória mudança de perspectiva tem um potencial de aceitação e mudança bastante impactante. Retira algum do desconforto e do sofrimento na medida em que atribui à pessoa o poder (e a responsabilidade) de continuar a tentar.

Este são dois dos grandes desafios da psicoterapia: a promoção da esperança da possibilidade de mudança e a responsabilização da pessoa em mudar, não necessariamente apenas as circunstâncias externas mas também (sobretudo) a forma como lida com estas circunstâncias.

Aqui parece-me relevante voltar a uma das minha distinções favoritas. De facto, será assim tão importante perceber o porquê de algo? Talvez seja mais enriquecedor compreender o para quê de certas situações. Qual a necessidade que cumpre? Qual o papel que desempenha no teatro da nossa vivência? O que haverá de positivo ou apaziguador nas situações que nos magoam e fazem sofrer? Se não houver a compreensão do papel que determinada relação ou mesmo um comportamento tem na nossa vida, não o poderemos mudar.

Aparentemente, à primeira vista, nada de “bom” parece vir do sofrimento. Mas na verdade, a aparência pode tantas vezes ser ilusória. A experiência mostra-nos como o fracasso e a dor podem ser bem superados e dar origem a uma vivência interior mais rica, com uma nitidez mais verdadeira. Torna-se central o papel activo da pessoa, para que não se caia no erro (pelo menos, não repetidamente) de achar que o sofrimento é bom. Sofrer não é bom, mas paralisar na indefinição de alternativas também não…

A psicoterapia não se trata de desenvolver super poderes. Apenas de exercitar competências que nos tornem mais felizes.

 

Ana Baptista Oliveira – Psicóloga e Psicoterapeuta

Reconstruir Significados

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Há um livro que às vezes costumo recomendar em psicoterapia. Trata-se de “O homem em busca de um sentido” escrito por Viktor Frankl e narra as suas vivências no campo de concentração em Auschwitz. Frankl já era um reputado terapeuta antes destes acontecimentos, mas acredito que a sua forma de encarar as perdas que sofreu foi determinante para se tornar num marco incontornável (para mim) no contexto terapêutico.

Frankl afirma, e cito apenas de memória, que uma pessoa é capaz de aguentar quase tudo a partir do momento em que atribui um significado ou sentido a tal vivência. Esta atribuição de significado não desresponsabiliza a pessoa, não a resigna ou torna agente incapaz ou passivo perante as circunstâncias. Precisamente o oposto sucede, pois a partir do momento em que a pessoa assume um significado, torna-se menos paralisada e paralisável, menos assustável e assustada, uma presa menos fácil para as angústias, pequenas e grandes, desta vida.

Dezelic apresentou recentemente (em 2014) diversas fontes para construção e extracção de significado para que, perante situações inicialmente avaliadas como potencialmente trágicas, possamos pavimentar um percurso em direcção ao triunfo face às dificuldades. De forma a facilitar a sua recordação e implementação, agrupou tais fontes no modelo REACH. Assim, cada potencial fonte assume-se também como possível foco de intervenção e promoção de resiliência.

• Responsabilidade (consciência de si e dos outros, responsabilidades para consigo e para com outros, auto-descoberta, etc..)
• Experiencial (relação com os outros, com a natureza, com a arte, fé, etc..)
• Atitudinal (atitudes e concomitantes limitações face a circunstâncias e situações)
• Criativa (dons e talentos transformados e projectos, conquistados e promotores de empenho e acção)
• Histórica (legado dos passados já decorridos, legados dos presentes vividos no agora e legados a construir face aos potenciais futuros)

Este enfoque existencial alberga aspectos do famoso triângulo do significado, conjugando criatividade, experiência e atitude.
Às vezes é preciso exercitarmos um pouco mais um ou mais destes componentes, harmonizarmos, de forma responsável, o que está em desalinho. A terapia pode ser o espaço para tal, e é-o tantas vezes.

Ao terapeuta cumpre, como sempre, a função de, nas sombras, deixar o cliente brilhar. Afinal, é da sua existência, da sua responsabilidade e da sua espiritualidade (sim, assumamos!) que tratamos nestas linhas. E é na forma como o terapeuta e o cliente moldam cada um dos componentes e elementos do processo, no tempo e no conteúdo em que o fazem, que esta se torna uma partilha construída a dois, numa relação irrepetível para cada cliente e para cada terapeuta.

Ana Baptista de Oliveira – psicóloga e psicoterapeuta

Dificuldades na intervenção na Depressão

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Portugal é o país europeu e o segundo do mundo com maior taxa de depressão na ordem dos 25%, pelo que, apesar das variáveis com melhor predição no sucesso terapêutico serem as carcterísticas do próprio paciente e a relação terapêutica em vez do correcto dignóstico de Eixo I, é urgente compreendê-la e antecipar dificuldades específicas.

Na maior parte das vezes, a depressão tem na sua base uma vivência de abandono ou perda, que face a um deteminado acontecimento de vida, activa crenças de incapacidade, falha, culpabilidade invadindo o funcionamento relacional, profississional e social de quem a sofre e aniquilando uma vivência tranquila do aqui e agora. Parafraseando o Professor Coimbra de Matos “nada ou pouco interessa no presente real e pouco ou nada é imaginado como bom ou apetecível no amanhã”.

A lentificação e a falta de prazer poderão constituir dificuldades ao terapeuta, nomeadamente, impaciência face à sua genuína vontade de ajudar o paciente. É também necessário que o clínico se sinta confortável para lidar com a temática da morte, tantas vezes presente, quer em pensamentos quer em acção, na depressão. Face à tristeza, é natural sentir compaixão, e por vezes,  um impulso de tirar a pessoa do seu “buraco negro”, que deveremos refrear. A validação e a empatia assumem aqui um papel fundamental. Deveremos “ver” a sua história na sua prespectiva, sem julgamento, reconhecendo o seu sofrimento, e mostrando que estaremos ao lado dele, sem pressa. Só assim, este poderá reescrevê-la, aceitá-la e, mais tarde, implementar as mudanças necessárias para recuperar o contacto consigo e com o mundo. Qualquer ganho, por mais pequeno que seja, como por exemplo, ficar na cama 14 horas e 45 minutos por dia em vez das15 horas habituaus deverá ser reforçado.

Assim, deveremos ser responsivos na nossa intervenção, ou seja, o processo terapêutico deverá ser como uma dança, cujo ritmo é dado pelo paciente, com o objectivo comum de melhoria do seu bem-estar.

Catarina Barra Vaz – Psicoterapeuta e Neuropsicóloga

 

 

 

 

 

Discriminação na nossa era

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Na semana passada ouvi a seguinte notícia: “Um jovem homossexual de 21 anos atirou-se do 11º andar de um prédio”.

            Não é a primeira vez que ouço um anúncio deste tipo, mas desta vez, não me foi possível ficar indiferente a uma notícia tão violenta.

            Como disse o autor Dostoïevski: “Todos os homens são responsáveis, e eu mais que os outros”. Considerando que escrever sobre o assunto é uma forma de responsabilização, decidi fazê-lo debruçando-me sobre a questão da homossexualidade.

            Enquanto psicoterapeuta, a minha contribuição é tentar perceber a pessoa na situação e, em seguida, propor algumas ferramentas úteis e simples para evitar que um jovem sofra tanto, ao ponto de pôr fim à sua vida.

            Neste sentido, pretendo ajudar também a esclarecer qualquer pessoa interessada pelo assunto, como por um exemplo, um familiar ou um amigo.

            A definição etimológica de homossexual é a seguinte:

  • Homo: quer dizer igual, semelhante, do mesmo modo, (em grego antigo, “μός “, homos).
  • Sexual: referente ao sexo, (em latim “Sexu”, quer dizer sexo).

            No dicionário da Porto Editora, a definição de homossexualidade é a “atracção sexual entre indivíduos do mesmo sexo”. A definição no Wikipedia acrescenta que é também “o que sente atracção física, estética e ou emocional para outro ser do mesmo sexo ou género”. Aliás, também menciona que a homossexualidade faz parte da sexualidade humana e que estes comportamentos se encontram igualmente no reino animal nomeadamente nalguns mamíferos.

            A homossexualidade é uma das quatro categorias de orientação sexual: heterossexualidade, bissexualidade, homossexualidade e assexualidade. Dentro da categoria da homossexualidade, existem vários tipos de homossexuais: lésbicas, gays, transexuais, intersexuais.

Ao tentar categorizar os comportamentos de orientação sexual de uma pessoa, estas categorizações podem tornar-se confusas. Pois, o comportamento depende não só da forma de pensar e sentir a vida como também do padrão transmitido pelos pais, pela sociedade e ainda da cultura em que se enquadra. O comportamento pode até alterar ao longo da vida.

            Na tentativa de compreender o comportamento sexual dos humanos, o investigador Kinsey pesquisou e apresentou 2 relatórios relacionados com o comportamento sexual humano; um sobre o homem em 1948, e, outro sobre a mulher em 1953. Estes resultados salientaram que os hábitos sexuais dos americanos eram muito mais liberais do que se imaginava na época.

            Relativamente ao comportamento sexual do homem, os estudos demonstraram que 10% dos homens americanos eram predominantemente homossexuais independentemente dos tipos de profissões e dos níveis sociais.

            Com objectivo de avaliar o comportamento sexual do homem, o Kinsey criou uma escala de avaliação homossexual e heterossexual de 6 níveis. A grande novidade da escala de Kinsey é de ter estimado que a homossexualidade existia num continuum mais do que na separação entre os homossexuais e os heterossexuais. Alias, é desta forma introduzido o conceito da bissexualidade.

Esta escala de avaliação da sexualidade evita a categorização de uma pessoa num grupo específico de orientação sexual, dando a possibilidade de traduzir melhor a realidade, com uma maior variedade de possibilidades de orientação sexual.

            Em 1952, a Associação Americana de Psiquiatria (AAP) considerou a homossexualidade como uma desordem patológica. Os profissionais de medicina e da saúde mental evidenciaram que o facto de ser homossexual não constituía obstáculo nem para trabalhar, nem para estabelecer relações interpessoais, nem para obter uma vida saudável e feliz. Em 1973, a associação (AAP) retirou a homossexualidade do DSM (Manual de Diagnostico e estatística de Doenças Mentais). No entanto, só em 1990, é que a OMS (Organização Mundial da Saúde) retirou a homossexualidade da classificação internacional de doenças. A homossexualidade deixou então de ser considerada como uma doença. O facto de ter sido retirada a homossexualidade do DSM e da lista OMS reforça a ideia de que uma pessoa atraída pelo mesmo sexo não pertence a um grupo diferente dos outros seres humanos.

            No que diz respeito à legislação em Portugal, a homossexualidade foi descriminalizada em 1982. Em 2001, as Uniões de Facto são estendidas a casais de pessoas de mesmo sexo.

            Em 2004, a orientação sexual é incluída na Constituição Portuguesa como um princípio de igualdade. O artigo 240 do novo Código Penal de Setembro de 2007 considera crime qualquer forma de discriminação de orientação sexual.

            Desde Março 2011, depois de muitos anos de violações de Direitos Humanos, as pessoas transexuais têm finalmente direito à escolha da sua identidade sexual.

            Importa referir que ainda no nosso século a persecução da homossexualidade é punida em 80 países e condenada à morte em 9 países.

O livro chamado “Parler de l’homosexualité”, escrito pelo pastor Philippe Auzenet, descreve o comportamento homossexual demonstrando que não existe uma única homossexualidade mas vários tipos de homossexualidades. Porém, o autor ao tentar encontrar as razões que tornaram a pessoa homossexual, como por exemplo a disfunção familiar, acaba por reduzir a pessoa a uma causa e discrimina-a. Logo, a caracterização da causa é tão discriminatória quanto o categorizar das diferentes orientações sexuais.

A maioria dos estudos realizados neste domínio tenta categorizar as pessoas segundo as suas orientações sexuais. O problema da discriminação por grupos leva a que uma pessoa não se sinta não integrada e consequentemente rejeitada, além de traduzir dificilmente a realidade vivida.

            Contudo, a autora Marina Castaneda que escreveu um livro, “Comprendre l’homosexualité”, salienta sobre a identidade homossexual que o mais importante não é a pessoa se definir como homossexual ou heterossexual, mas antes deixar que a pessoa se identifique como ela própria o sente e pense. Essa abordagem acentua que a pessoa tem que se encontrar e identificar em função dela mesma independentemente das suas orientações.

            A escala de Kinsey proporciona uma solução por evitar a discriminação uma vez que não existe um limite que separa um grupo de outro.

            No sentido de intervir por forma a evitar a discriminação é fundamental que uma pessoa que possua uma atracção por alguém do mesmo sexo, não se sinta diferente dos outros, sobretudo quando se fala na adolescência que é a fase em que a integração nos grupos se torna elementar para a construção da identidade do futuro adulto. O “coming out”, ou seja, deixar de esconder a sua orientação sexual na época da adolescência, é uma fase muito vulnerável para a pessoa porque está fragilizada com a eventual hostilidade de colegas especialmente em meios escolares, ou ainda, com o medo da reacção dos pais.

            A vulnerabilidade da pessoa pode rapidamente transformar-se em depressão e até pode levar a comportamentos de risco como o uso de substâncias ilícitas. A notícia mostra quanto o risco pode ser elevado para uma pessoa que se sente discriminada. Muitas organizações homossexuais, lésbicas, bissexuais, transexuais e intersexuais afirmam que o risco de suicídio é muito mais elevado para pessoas com orientações sexuais não heterossexuais por estas serem mais usualmente rejeitadas.

            O presidente dos Estado Unidos de América, Barack Obama apoia uma campanha contra o bullying e fez um discurso em 2010, relativo a perseguição de jovens homossexuais nas escolas. Neste discurso diz, “não estás sozinho, não fizestes nada de mal, não mereces ser mal tratado e tens o mundo inteiro à tua espera, cheio de possibilidades”.

O discurso do presidente Obama transmite a ideia de que qualquer jovem tem o direito de pensar e sentir livremente, não devendo ser a sexualidade uma razão para se ser ou se sentir rejeitado. Ao mesmo tempo, realça a importância de se sentir integrado na sociedade. É uma mensagem de esperança com compreensão da situação por um lado e, por outro lado, um sentido de não discriminação. Desta forma, apoia os jovens que se sentem diferentes, rejeitados e abandonados. A forma de abordar a problemática, que foi mostrando compreensão, é uma maneira de prevenir o sofrimento.

O psicoterapeuta humanista, Carl Rogers, (1902-1987) – autor da terapia centrada na pessoa – destaca que o papel do psicoterapeuta é de ajudar a pessoa a encontrar o seu caminho. Para este efeito, ele valoriza a cooperação no processo psicoterapêutico cujo objectivo é tornar a pessoa ela mesma, libertando-se deste modo de sofrimento. Este método é também eficaz em qualquer tipo de relacionamento: na educação entre professor e aluno, no trabalho, na família, nas relações interpessoais.

No âmbito de facilitar o relacionamento de ajuda, o psicoterapeuta intervém segundo 3 dimensões que são definidas por Carl Rogers da seguinte maneira: a consideração positiva incondicional, a empatia e a congruência.

  • A consideração positiva incondicional é aceitar a pessoa tal como ela é no aqui e agora. É igualmente exprimir uma apreciação positiva sobre ela. Desta forma, a pessoa sente-se um ser humano como os outros o que lhe traz afecto e, igulamente, incentivo para continuar.
  •  A empatia consiste na capacidade de se colocar no lugar do outro, utilizando a reformulação ou a repetição dos elementos chaves da situação.
  • A congruência refere-se a coerência interna do próprio psicoterapeuta no sentido do outro sentir a autenticidade e sinceridade de outra pessoa.

Ao usar estas 3 dimensões de cooperação, qualquer pessoa pode aliviar alguém em sofrimento.

Igualmente é importante intervir junto destas pessoas, desenvolvendo uma relação de confiança para facilitar que a pessoa se abra e que se encontre.

É extremamente importante que as pessoas mais próximas, tais como pais e amigos, não neguem, nem rejeitem os sentimentos e pensamentos da pessoa, que normalmente já se sente rejeitada e discriminada. Desta forma contribuem para um sentimento de reconhecimento da pessoa, desenvolvem a auto-confiança e evitam o aumento do sofrimento da pessoa.

Convém também intervir no sentimento de vergonha que a pessoa sente pelo mau estar da sua identidade. O apoio é no sentido de transformá-lo num sentimento de orgulho. Ao libertar-se do sentimento de vergonha, a pessoa cresce com um sentimento de auto-confiança e desta forma afasta-se do sentimento de discriminação.

            O objectivo principal é o de conseguir aceitar-se a si próprio tal como se é, viver a vida amorosa e sexual de forma saudável.

            A frase de Neitzsche “Torne-se em quem você é” é o objectivo principal da ajuda para os jovens que se sentem discriminados.

Magali Stobbaerts – Psicóloga Clínica  e Psicoterapeuta

Sobre a dor – I

Descartes dor

A dor é uma sensação desagradável que se pode tornar insuportável ou mesmo incapacitante para a pessoa que a sente. Quem tem uma dor, apercebe-se da importância da saúde. Só se tem consciência do corpo quando este dói. É o paradoxo do ser humano: ter consciência do seu corpo só quando este não tem saúde.

Em si, a dor não é má, é um sinal de alarme que nos protege de estímulos agressores. Ao tocarmos numa chama com a mão, a sensação de dor permite-nos retirar a mão do lume e não nos queimarmos. Esta reacção permite protecção e sobrevivência do ser humano. O antropólogo, David Le Breton, escreveu sobre a dor o seguinte: “a dor age como uma sensação que imprime um sentido e dá um sentido e uma informação útil à conduta do homem”. Assim, a dor é física e sensorial.

A medicina classifica a dor basicamente em duas categorias: a dor nociceptiva e a dor neuropática.A dor nociceptiva refere-se a uma função biológica uma vez que alerta o organismo do perigo. A dor neuropática advém de uma lesão ou de uma disfunção no sistema nervoso.

Distinguem-se ainda a dor aguda da dor crónica. A dor aguda é repentina e localizada, por exemplo sentir uma dor de queimadura na mão ao se ter aproximado do fogo. Por outro lado, a dor é crónica quando persiste no tempo e não é facilmente aliviada. A dor crónica pode ir e voltar ou mesmo ser constante. É o caso de quem tem dores de cabeças desde da sua adolescência ou de pessoas mais velhas que possuem dores de coluna. A maior parte das dores agudas duram pouco tempo e têm habitualmente tratamentos eficazes. Mas quando subsistem no tempo, geralmente com menor intensidade, tornam-se crónicas e, muitas vezes, resistentes aos tratamentos farmacológicos – é nessa altura que os médicos aconselham os doentes a aprender a viver com a dor.

No último século, numa cultura que registou um progresso tecnológico vertiginoso em que proliferam analgésicos, antidepressivos e técnicas cirúrgicas cada vez mais apuradas, a dor foi cada vez mais demonizada e desaprenderam-se as estratégias de “coping” (lidar) com a dor. A nossa sociedade vive a dor com aversão, como se o ser humano fosse de todo incapaz de a tolerar. Esta aversão é, em si própria, um obstáculo para quem procura adaptar-se a uma situação de dor crónica.

A dor crónica carece de valor biológico sendo destrutiva do ponto de vista físico, psicológico e social. Só por si, a dor pode causar na pessoa perturbações do sono, torná-la mais irritável, depressiva, desesperada, impotente ou capaz de gerar um sentimento de perda de controlo sobre o seu corpo ou mesmo criar ansiedade. Desta forma, a dor crónica afecta de forma determinante a qualidade de vida.

A dor é um conceito que procura a sua definição desde há muitos séculos. Com Descartes, a dor era definida como a sensação da maquinaria corporal. Aliás, o desenho acima, realizado por ele, mostra o percurso da dor sentida na mão até ao cérebro e a volta da decisão de retirar a mão. Este conceito evoluiu dando nascimento a outros conceitos sobre a dor.

Nos anos 70, o conceito de dor é definido pela Associação Internacional para o Estudo da Dor (International Association for Study of Pain – IASP) da seguinte forma: “A dor é uma experiência sensorial e emocional desagradável associada ou não a lesão real ou potencial dos tecidos, ou descrita em função dessa lesão. A dor é subjectiva. Cada individuo aprende a aplicar o conceito dor a partir das suas experiências traumáticas infantis. Ainda que se trata de uma sensação em uma ou mais partes do corpo, ao ser sempre de carácter desagradável pressupõe uma vivência emocional associada.” Esta definição decreta que a dor é subjectiva.

Já Aristóteles definiu a dor como uma forma de emoção. O autor do “Miniatlas sobre a dor” (2007), Dr. Luis Raúl Lépori, refere que “a dor caracteriza-se não só com os aspectos físicos como psicológicos. Trata-se de uma experiência que não é reprodutível, uma vez que é íntima e intransmissível embora comunicável. Portanto é uma experiência multidimensional, somato-sensitiva, psicológica e sócio-cultural. “ Assim, embora a dor seja um conceito essencialmente fisiológico, ela possui uma noção psicológica.

De facto, a intensidade da vivência dolorosa depende, em muito, da forma como se vive a dor. A dor diferencia de intensidades conforme as circunstâncias. Se decidirmos focar a nossa atenção na dor, se dramatizarmos a vivência da dor, esta torna-se mais intensa. Assim a dor pode ser ínfima ou trágica independentemente da lesão.

Segundo Le Breton, não existe dor sem sofrimento. Uma pequena dor pode gerar grande sofrimento. No sofrimento estão subjacentes os pensamentos e as emoções associados à vivência da dor. Pode apresentar-se sob várias formas: condenação daquilo que se fez, falta de confiança em si próprio, culpabilidade, remorsos, ansiedade, perda, luto, humilhação ou desespero, para citar algumas.

Frequentemente a pessoa chegou ao fim da linha das suas estratégias de “coping” e das intervenções farmacológicas eficazes – já experimentou tudo que está ao seu alcance e nada mais funciona. Está como que bloqueado, centrado unicamente na vivência da dor, incapaz de dar valor às restantes dimensões satisfatórias e realizadoras da sua vida.

São todas estas razões que levam uma pessoa a fazer uma psicoterapia.

Um dos principais objectivos da psicoterapia é o de promover uma integração adequada das dimensões físicas e psíquicas da dor.

Não perca tempo e peça ajuda em caso de dor física ou em caso de sofrimento.

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               (Continua…)

 Magali Stobbaerts – Psicoterapeuta

MINDFULNESS – BUDISMO E PSICOTERAPIA – IV

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A descoberta do “mindfulness” pelo mundo psi – Considerações finais

Assim, o mindfulness pode ser encarado como um instrumento
à disposição de qualquer orientação psicoterapêutica.

Mas no sentido mais puro, mindfulness é um objectivo a alcançar e não um meio para atingir um fim.

No sentido último, mindfulness é tudo menos terapia, já que a terapia trata a mente com o objectivo de a adequar, enquanto instrumento, ao seu portador – adequar a mente para que este possa, com o devido treino – psicoterapia – torná-lo um instrumento valioso e adequado para que a sua vivência do mundo e de si próprio aconteça sem sofrimento desnecessário ou, havendo sofrimento, haja adquirido as competências psicológicas para o vivenciar de forma adaptativa.

No sentido budista, mindfulness é um instrumento de desidentificação com toda e qualquer vivência, interna ou externa.

Assim, a meditação budista – centrada no mindfulness – serve para a descoberta de si próprio e para a superação da identificação das vivências do Ser com o mundo externo ou interno, já que é enquanto o Ser vive convencido da realidade e substância do seu ego, identificado e iludido – é nessa ignorância de Si próprio – que reside todo o sofrimento.

Um dia um Mestre Zen foi em visita ao mosteiro de outro Mestre Zen.

Chovia muito e depois de chegar ao Mosteiro foi recebido pelo seu homónimo com esta questão:

“- Quando você chegou ao Mosteiro chovia muito?”

“-Sim, chovia bastante.”

“-Arrumou as suas sandálias e o seu guarda-chuva quando chegou?”

“-Sim, arrumei.”

“-E arrumou o guarda-chuva do lado esquerdo ou do lado direito das sandálias?”

O Mestre que havia acabado de chegar não soube responder e reza a história que ficou mais dez anos a aprender com o Mestre que o acolheu e lhe fez aquela pergunta desconcertante.

Este é um koan Zen que ouvi pela primeira vez numa aula de meditação na União Budista e a interpretação que me ocorreu é o quão pouco nós habitamos no Aqui e no Agora, o quanto passamos a maior parte do nosso tempo vigil com uma limitada consciência da nossa vivência no presente.

Frequentemente oiço dizer (e oiço-me dizer): “O tempo voa.” “Ainda ontem fiz (isto ou aquilo que aconteceu há 20 anos)”; “Parece que foi ontem (há 10 ou 20 anos) que aquilo aconteceu”.

Se é verdade que a vivência do tempo é tremendamente relativa, também é um facto que a sensação de “desperdício” é tanto mais significativa quando ganhamos consciência que vivemos a nossa vida longe do Aqui e do Agora, porque quanto mais longe do Aqui e do Agora menos intensa e habitada à a experiência humana.

Por outro lado, quando se vive com intensidade uma determinada experiência pode também acontecer esta noção de ausência de vivência temporal. Se estivermos absortos num determinado espectáculo e a viver intensamente todas as incidências do mesmo por vezes temos a percepção que o tempo “passou num ápice”.

O que aconteceria se nos dispuséssemos a aprender a viver a maior parte da nossa vida intensamente? A habitar conscientemente cada pequeno momento? A viver cada segundo com a sofreguidão de quem vai morrer amanhã?

Será que a nossa história seria a mesma?

O que seria que nos disporíamos a escrever?

João Parente – Médico Psiquiatra e Psicoterapeuta

A vivência saudável do luto (ou quando chorar faz bem)…

O luto é sofrimento, é a dor que uma pessoa sente na perda de alguém ou de alguma coisa que é fundamental para sua estabilidade. Esta perda pode corresponder não só à perda de um parente, de um cônjuge, um filho, um amigo, ou também uma doença, um trabalho, uma casa. É um choque no qual a pessoa perde a vontade de trabalhar, ou mesmo, de viver. O mundo de cores esmorece-se, como se o tempo parasse e se fixasse naquele acontecimento. O Luto, tal como outros traumatismos, pode ser vivido como algo insuperável, com a impressão de que o mundo vai desabar e um sentimento de grande desnorte.

Num luto, aparecem sentimentos tais como a tristeza, a raiva, a culpa, a ansiedade, a solidão, a fadiga e o desamparo.

Estes sentimentos não são sinais de doença.

O luto é uma reacção normal e adaptativa a uma situação de perda.

Segundo o investigador Bowlby, aqueles que evitam vivenciar o luto conscientemente, sucumbem à depressão ou pode desenvolver doenças psicossomáticas como eczemas, asmas, úlceras, dores de costas ou enxaquecas.

O registo cultural da sociedade ocidental não favorece a expressão dos sentimentos de dor. Antes estimula a pessoa voltar a vida normal o mais rápido possível. Ensina igualmente o controlo de si e a sofrer em silêncio sem mostrar os sentimentos.

Antigamente, existiam muitos mais rituais de luto. Os mais próximos reuniam-se, vestiam-se de preto e organizavam refeições de convívio. As pessoas falavam assim do desaparecido e em conjunto lembravam-se dos bons momentos passados juntos. Esses rituais possibilitavam voltar à vida social, profissional e afectiva de forma menos dolorosa, por terem tido a oportunidade de assimilar e evoluir na emoção da dor.

Na realidade, o luto não é um estado, mas um processo.

“Estar de luto” é estar fechado no sentimento de dor e de sofrimento, ou seja, é como viver na dor unicamente.

Mas, “fazer o luto” é estar num processo emocional que leva à aceitação de emoções.

Neste sentido, o autor John William Worden define 4 etapas de luto saudável que podem se tornar patológicas quando a pessoa em luto não as ultrapassa.

A primeira etapa é “aceitar a realidade da perda”. Muito frequentemente a dor é muito intensa e pode levar à entrada num estado de “negação”, em que há uma recusa da pessoa em acreditar no que está a acontecer. Neste caso, a psicoterapia ajuda a ultrapassar o estado de negação, aceitando o acontecimento.

Depois aparece a segunda etapa que é “elaborar a dor da perda”. Ora, nem todos vivem a dor com a mesma intensidade e pode se tornar difícil se a pessoa não a consegue identificar. Neste caso, a pessoa em luto usa estratégias como por exemplo parar o pensamento para não sentir, desenvolver pensamentos de desprazeres sobre a pessoa que morreu, ou mesmo, idealizar a pessoa que faleceu. A psicoterapia permite a pessoa aperceber-se da dificuldade em sentir. A pessoa consegue passar ao passo seguinte quando identifica a dor do luto que não é só emocional, mas também física e comportamental.

Na terceira etapa, a pessoa em luto tem que “se adaptar e ajustar ao meio ambiente”. Por ter perdido com a morte certos papéis que tinha anteriormente, a pessoa necessita de recriar um novo papel diante da sociedade. A pessoa pode desenvolver muitas dificuldades de adaptação e de ajuste ao novo meio ambiente. Para certos casos de lutos, a pessoa precisa igualmente de se ajustar aos valores fundamentais da vida. Todas estas dificuldades são trabalhadas na psicoterapia de forma que a pessoa possa passar para uma nova fase.

A última etapa é “deslocar a emoção”. Nesta fase, quando atingida, a pessoa consegue pensar e falar da pessoa que morreu sem dor. É um sinal que terminou o luto, não significando que a pessoa deixe de ter sentimentos de tristeza ou que tenha esquecido a pessoa que faleceu. Esta fase é igualmente trabalhada numa psicoterapia. O objectivo de ajudar a fazer o luto é que a pessoa não carregue esta dor para o resto da vida.

Por fim, uma nota acerca de como falar com uma pessoa que acabou de perder alguém.

Devem-se evitar comentários como; “vais ver, vais conseguir ultrapassar”, “vais voltar a fazer a tua vida”, “com o tempo tudo voltara ao normal”, “teve o seu tempo na terra”, “faz outra criança e vais ver que vais esquecer”. Estes comentários não ajudam, porque estão em contracorrente com a tristeza avassaladora que a pessoa em luto está a sentir.

Muitas vezes é melhor ficar em silêncio. A simples presença da família e dos amigos é já por si muito reconfortante. Se escolher falar, pode usar uma forma mais apoiante, em que opte por validar os sentimentos que estão a ser vividos: “É tão catastrófico que não tenho palavras, mas gosto muito de ti”.

A psicoterapia é de grande ajuda para a pessoa em luto.Esta tem a oportunidade aceitar a sua perda, entrar em contacto com a sua dor, elaborar acerca dela e redescobrir o seu lugar no mundo, em relação a si mesma e aos outros.

Magali Stobbaerts