“Christmas Blues” A tristeza que vem com o frio

Christmas blues

Alguns estudos referem que cerca de 20 a 30 % da população ocidental sofre de depressão de natal ou “Christmas Blues”, sentindo nesta altura de festas alguma angústia, desamparo e ansiedade que se assemelham a um quadro depressivo. 

As razões podem ser várias e diversas, desde uma maior pressão para o consumo, ao reavivar de saudades de entes queridos já falecidos, ou mesmo solidão.

De facto, nesta época, as famílias são tremendamente pressionadas para maiores gastos financeiros em prendas e na preparação de festas que em qualquer outra época do ano.

As “exigências” interiorizadas pelas pessoas e que advêm da pressão do marketing mediático obrigam-nas a um périplo por várias e diferentes lojas na busca da prenda ideal para cada familiar ou amigo, para o filho deste e para a sobrinha daquele. Fazem-se listas compras e calculam-se orçamentos, planeiam-se dias com roteiros para determinadas compras e reservam-se outros para tantas outras. O suposto espírito altruísta do Natal transforma-se numa azáfama stressante e cansativa para cumprir um determinado roteiro de compras intermináveis em lojas apinhadas de gente igualmente impaciente que a noite de Natal chegue, as lojas fechem e as compras acabem.

Em momentos de lucidez acabamos por parar e perceber que o espirito do Natal foi subvertido, que o propósito do Natal não é esta vertigem consumista, e a consciência disto pode trazer-nos sentimentos de tristeza e culpa imediatamente após uma corrida desenfreada, esgotante e cheia de boas intenções às últimas compras.

Por outro lado, a época de Natal é tipificada como a festa em que a família se reúne, se revê e confraterniza, mas se você tiver perdido um ente querido há pouco tempo, é natural que esta época reavive os seus sentimentos de luto e de saudade e que, dependendo do caso, podem ser avassaladores.

Devemos ainda recordar-nos que, num mundo que se “globalizou”, não é raro que hajam familiares emigrados em países longínquos e que não podem estar presentes, e essa ausência pode ser antecipada e sentida com tristeza e saudade.

Sabemos também que uma parte significativa da população idosa vive sozinha, muitas vezes sem grande apoio familiar e em situações de desamparo em que os sentimentos de solidão física e afectiva que se tornam mais evidentes nesta época festiva em que seria suposto sentirem-se mais amados e apoiados.

Frequentemente, os sentimentos de tristeza, culpa e ansiedade que são sentidos nesta época têm a ver com um desfasamento entre as expectativas que interiorizámos do que deveria ser o Natal – enquanto festa religiosa e de comunhão de afectos – e aquilo que muitas vezes acabamos por vivenciar.

De facto, ninguém deseja que o Natal se transforme em dias de stress financeiro e fúria consumista, ninguém espera que uma época universalmente festiva traga um reviver da mágoa dos lutos mais difíceis ou uma consciência ainda mais aguda duma situação de solidão e de desamparo.

As expectativas depositadas são frequentemente melhores do que muitas vezes a vida nos traz e este desfasamento pode trazer sentimentos legítimos de dor e frustração.

 

Os dados do National Institute of Health, nos Estados Unidos da América, apontam o Natal como o período do ano no qual há uma incidência maior de depressão.

Mas, de facto, não é claro para todos os investigadores que exista um aumento da incidência de Depressão no Natal ou se este aumento da incidência resulta de um certo número de factores que nem sempre são levados em conta.

Além da maior frequência de episódios depressivos no contexto da Doença Afectiva Sazonal (*), é nos meses de inverno que ocorrem mais intercorrências infecciosas, o que condiciona com uma maior morbilidade e mortalidade em pessoas idosas com outras patologias orgânicas associadas, nomeadamente diabetes e/ou doenças cardiovasculares.

Estes episódios de agravamento clínico podem despoletar quadros depressivos ou agravar depressões pré-existentes.

Por outro lado, sabe-se que a incidência de suicídio diminui nos meses de inverno e aumenta com a chegada da primavera.

Os dados que existem sobre o “Christmas blues”, essa tristeza sazonal por altura do Natal, são vagos e pouco precisos, sobretudo porque não está propriamente catalogado como uma patologia mental.

Mas esta tristeza de Natal, apesar de ter sintomas sobreponíveis aos de uma depressão, não significa necessariamente que se trate de um quadro depressivo.

O “Christmas blues” é habitualmente passageiro e não tende a evoluir para um quadro clínico de depressão.

         Passada a época festiva e com o retomar das rotinas habituais do dia-a-dia, estes sentimentos de tristeza tendem a desvanecer-se e a remitir naturalmente.

No entanto, o “Christmas Blues” pode mimetizar uma depressão suave, além de que ocorre na mesma época da Doença Afectiva Sazonal. (*)

No “Christmas Blues”, tipicamente, os sintomas de tristeza e ansiedade não se intensificam ou agravam, e não se prolongam no tempo.

Assim, se a tristeza e a ansiedade se intensificarem ou se prolongarem no tempo deverá consultar o seu médico de família e expor a situação. De facto, pode então tratar-se dum episódio de Doença Afectiva Sazonal ou pode a época natalícia ter contribuído como factor desencadeante, entre outros acontecimentos de vida, para o despoletar de um quadro depressivo que pode merecer cuidados médicos e/ou um acompanhamento psicoterapêutico adequado.

 

(*) Doença Afectiva Sazonal – Tipo de Depressão na qual os episódios depressivos recorrem anualmente, geralmente durante os meses de inverno, e em cujo tratamento está a indicada a Fototerapia.

 

João Parente – Médico Psiquiatra e Psicoterapeuta

Doença Bipolar: a doença dos humores – Mitos e crenças.

Parte IV 

(Última parte)

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Mitos e Crenças

Felizmente, nos últimos anos, tem havido uma divulgação mais ampla acerca das doenças psiquiátricas, e isto é também válido para a Doença Bipolar. Há algumas perguntas, quase invariáveis, que as pessoas me fazem quando as informo, depois de uma avaliação, que têm uma doença bipolar: “Será que sou louco? É uma doença incurável? Vou ter que tomar medicamentos para o resto da minha vida?”

A loucura é um termo sem correspondência no mundo da ciência. Assim, você é tão louco como os inúmeros talentos que tanto nos deram nas mais variadas áreas criativas do ser humano, como p. ex., Florbela Espanca, Mark Twain, Virginia Woolf, Van Gogh, Peter Gabriel, Winston Churchill, Theodore Roosevelt, Kay Redfield Jamison. Todos estes tinham Doença Bipolar, entre dezenas de muitos mais que não é possível aqui citar.

É também importante realçar que a esmagadora maioria das doenças humanas é crónica e incurável, desde as alergias, à asma, diabetes, hipertensão, Lúpus, miopia e até mesmo algumas infecções. As doenças plenamente curáveis são infelizmente muito raras. Assim, há que aprender a conviver com a doença com o menor número possível de limitações. Para além disso, se é verdade que pode ser necessário fazer medicação por tempo indeterminado, isso não acontece apenas com a Doença Bipolar, mas com a grande maioria das doenças crónicas do ser humano.

Há que ponderar o custo-benefício de qualquer tratamento. Deve esperar uns meses após ter estabilizado e perguntar-se: A minha qualidade de vida melhorou? Estou melhor agora que antes do tratamento?

Deve conferenciar abertamente com o seu médico acerca dos seus medos, dos seus receios, das suas dúvidas, do que lê na internet e do que ouviu dizer acerca da doença.

Por outro lado, muitas pessoas vêm à consulta com o receio infundado de terem a Doença Bipolar : “Eu tenho muitas variações do humor, às vezes no próprio dia! Será que sou doente bipolar?” Ao que respondo: “Ainda bem que tem essas variações de humor. Significa que você tem sensibilidade e vibra com o mundo em seu redor.”

De facto, a doença bipolar requer que haja um padrão de depressão que se repete no tempo (depressão recorrente) em que a pessoa fica comprometida no seu bem-estar e na sua capacidade para desempenhar adequadamente o seu papel profissional e familiar. Flutuações de humor são inerentes à condição humana. Já depressões repetidas merecem uma outra atenção.

Há também o mito de que para se ter uma Doença Bipolar, não basta ter depressão – é preciso ter fases de euforia. Mas isso não é, de todo, verdade. Numa grande percentagem das doenças bipolares não existem sintomas de mania ou de hipomania, ou seja, não existem fases de elevação do humor ou de euforia.

São frequentes os casos de pacientes que chegam à consulta já com vários anos de doença, frequentemente com depressões com episódios mistos, ou seja, quadros de depressão com tristeza, ansiedade muito intensa, grande irritabilidade, comportamentos de explosividade, muitas vezes com crises de raiva que lhes parece injustificada e insónias repetidas, que passaram por diversos médicos e a quem foram receitados sistematicamente antidepressivos, os quais estão, nestes casos, contra-indicados, já que podem agravar a ansiedade, a irritabilidade, a explosividade e a insónia.

Os antidepressivos, regra geral, não se devem usar na Doença Bipolar. Se a um paciente bipolar, com uma crise depressiva, for dado um antidepressivo, pode acontecer, entre outras coisas: Ineficácia – o paciente não melhora ou pode melhorar nos primeiros meses mas logo de seguida voltar ao estado depressivo em que estava, mesmo sem ter deixado de tomar o antidepressivo; Agravamento – o paciente pode ficar mais ansioso, deixar de dormir, ficar muito irritado; Viragem – o paciente pode passar duma fase depressiva para uma fase maníaca.

Há uma percentagem muito pequena de pacientes com Doença Bipolar que melhoram com antidepressivos, mas estes só devem ser dados se o paciente já estiver previamente medicado com um estabilizador de humor.

João Parente – Médico Psiquiatra e Psicoterapeuta