Doença Bipolar: a doença dos humores – Mitos e crenças.

Parte IV 

(Última parte)

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Mitos e Crenças

Felizmente, nos últimos anos, tem havido uma divulgação mais ampla acerca das doenças psiquiátricas, e isto é também válido para a Doença Bipolar. Há algumas perguntas, quase invariáveis, que as pessoas me fazem quando as informo, depois de uma avaliação, que têm uma doença bipolar: “Será que sou louco? É uma doença incurável? Vou ter que tomar medicamentos para o resto da minha vida?”

A loucura é um termo sem correspondência no mundo da ciência. Assim, você é tão louco como os inúmeros talentos que tanto nos deram nas mais variadas áreas criativas do ser humano, como p. ex., Florbela Espanca, Mark Twain, Virginia Woolf, Van Gogh, Peter Gabriel, Winston Churchill, Theodore Roosevelt, Kay Redfield Jamison. Todos estes tinham Doença Bipolar, entre dezenas de muitos mais que não é possível aqui citar.

É também importante realçar que a esmagadora maioria das doenças humanas é crónica e incurável, desde as alergias, à asma, diabetes, hipertensão, Lúpus, miopia e até mesmo algumas infecções. As doenças plenamente curáveis são infelizmente muito raras. Assim, há que aprender a conviver com a doença com o menor número possível de limitações. Para além disso, se é verdade que pode ser necessário fazer medicação por tempo indeterminado, isso não acontece apenas com a Doença Bipolar, mas com a grande maioria das doenças crónicas do ser humano.

Há que ponderar o custo-benefício de qualquer tratamento. Deve esperar uns meses após ter estabilizado e perguntar-se: A minha qualidade de vida melhorou? Estou melhor agora que antes do tratamento?

Deve conferenciar abertamente com o seu médico acerca dos seus medos, dos seus receios, das suas dúvidas, do que lê na internet e do que ouviu dizer acerca da doença.

Por outro lado, muitas pessoas vêm à consulta com o receio infundado de terem a Doença Bipolar : “Eu tenho muitas variações do humor, às vezes no próprio dia! Será que sou doente bipolar?” Ao que respondo: “Ainda bem que tem essas variações de humor. Significa que você tem sensibilidade e vibra com o mundo em seu redor.”

De facto, a doença bipolar requer que haja um padrão de depressão que se repete no tempo (depressão recorrente) em que a pessoa fica comprometida no seu bem-estar e na sua capacidade para desempenhar adequadamente o seu papel profissional e familiar. Flutuações de humor são inerentes à condição humana. Já depressões repetidas merecem uma outra atenção.

Há também o mito de que para se ter uma Doença Bipolar, não basta ter depressão – é preciso ter fases de euforia. Mas isso não é, de todo, verdade. Numa grande percentagem das doenças bipolares não existem sintomas de mania ou de hipomania, ou seja, não existem fases de elevação do humor ou de euforia.

São frequentes os casos de pacientes que chegam à consulta já com vários anos de doença, frequentemente com depressões com episódios mistos, ou seja, quadros de depressão com tristeza, ansiedade muito intensa, grande irritabilidade, comportamentos de explosividade, muitas vezes com crises de raiva que lhes parece injustificada e insónias repetidas, que passaram por diversos médicos e a quem foram receitados sistematicamente antidepressivos, os quais estão, nestes casos, contra-indicados, já que podem agravar a ansiedade, a irritabilidade, a explosividade e a insónia.

Os antidepressivos, regra geral, não se devem usar na Doença Bipolar. Se a um paciente bipolar, com uma crise depressiva, for dado um antidepressivo, pode acontecer, entre outras coisas: Ineficácia – o paciente não melhora ou pode melhorar nos primeiros meses mas logo de seguida voltar ao estado depressivo em que estava, mesmo sem ter deixado de tomar o antidepressivo; Agravamento – o paciente pode ficar mais ansioso, deixar de dormir, ficar muito irritado; Viragem – o paciente pode passar duma fase depressiva para uma fase maníaca.

Há uma percentagem muito pequena de pacientes com Doença Bipolar que melhoram com antidepressivos, mas estes só devem ser dados se o paciente já estiver previamente medicado com um estabilizador de humor.

João Parente – Médico Psiquiatra e Psicoterapeuta

Doença Bipolar: a doença dos humores – As causas e os tipos

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Parte II – As causas e os tipos de Doença Bipolar

Os produtos químicos responsáveis por controlar as funções do cérebro são chamados de neurotransmissores, cujos exemplos incluem noradrenalina, serotonina e dopamina, entre outros. A Doença Bipolar resulta do desequilíbrio destes neurotransmissores no cérebro. Um desequilíbrio nos níveis de um ou mais neurotransmissores pode conduzir ao aparecimento dos sintomas da doença bipolar.

Por exemplo, os episódios de mania podem ocorrer quando os níveis de dopamina são demasiado elevados, e episódios de depressão podem ser o resultado de níveis de dopamina muito baixos. Sabe-se, no entanto, que desequilíbrios noutros neurotransmissores (serotonina, GABA, p. ex.) para além da dopamina estão envolvidos na Doença Bipolar.

As causas para este desequilíbrio são genéticas e ambientais. Estudos de doentes bipolares e seus familiares, demonstram que pode existir predisposição genética para a doença bipolar, sendo que a probabilidade de contrair doença bipolar está claramente relacionada com a existência de laços genéticos com indivíduos com doença bipolar. Assim, a probabilidade de vir a desenvolver uma doença bipolar está aumentada se ambos os pais também tiverem esta doença, sendo menor se apenas um dos pais a apresentar, e ainda menor se apenas um irmão estiver afectado.

Por outro lado, no que diz respeito às causas ambientais, os acontecimentos stressantes parecem ter um papel importante no desencadear da Doença Bipolar (p. ex., uma morte na família, perda do emprego, o nascimento duma criança).

Existem diferentes tipos de Doença Bipolar de acordo com a apresentação dos sintomas. Uma característica comum aos diferentes tipo de Doença Bipolar é a existência de um padrão de depressão recorrente, isto é, que se repete no tempo e, muitas vezes, sem que haja um acontecimento de vida a que se possa identificar como desencadeante do episódio depressivo.

Assim, na Doença Bipolar tipo I existe um padrão de depressão major que é recorrente, e também episódios de mania, menos frequentes que os episódios de depressão. Na Doença Bipolar tipo II existe um padrão de depressão major que é recorrente, e ainda, episódios de hipomania, menos frequentes que os episódios de depressão. Em qualquer destes dois tipos de depressão podem ocorrer episódios mistos (acima descritos).

A Ciclotimia é um outro tipo de Doença Bipolar, em que alternam episódios minor de depressão recorrente e episódios de hipomania que, apesar de menos grave que os tipos anteriores de Doença Bipolar, pode ser também incapacitante e gerador de muito sofrimento.

Por fim, é muito importante realçar que existe um tipo de Doença Bipolar, no qual não ocorrem episódios de hipomania ou mania, os quais se apresentam como episódios de depressão recorrentes, muito frequentemente episódios depressivos mistos, em que coexistem sintomas do pólo depressivo e do pólo maníaco, que são muitas vezes erradamente medicados com antidepressivos e em que pode existir um risco significativo de suicídio.

Este tipo de Doença Bipolar não se enquadra no tipo I, nem no tipo II ou na Ciclotimia, e são agrupados numa categoria a que os médicos psiquiatras designam como Doença Bipolar não especificada, por não se enquadrar em nenhum dos tipos mencionados.

 (CONTINUA…)

João Parente – Médico Psiquiatra e Psicoterapeuta