Quando a ansiedade deixa de ser normal

A palavra “ansiedade” provoca, desde logo, em nós uma certa tensão, como se a mesma representasse algo de muito mau. Quantos de nós já ouviu alguém dizer “Sou muito ansioso!” ou “Tenho problemas de ansiedade”? A verdade é que vemos constantemente a palavra ansiedade associada a uma série de outras palavras cuja conotação é negativa, como por exemplo, a palavra “problema”. Bom, mas palavras à parte, o que significa realmente a ansiedade?

Em primeiro lugar, interessa olharmos para a ansiedade como uma emoção, pois é exatamente o que ela é. Perante a antecipação ou expectativa de um acontecimento futuro, a ansiedade surge como resposta, fazendo-nos implementar recursos no sentido de ultrapassarmos determinado desafio ou prepararmo-nos para o mesmo. Imagine, por exemplo, que tem um trabalho importante para fazer e que este tem que estar pronto até daqui a duas semanas. É natural que se sinta ansioso (quanto mais não seja pelo medo que não conseguir entregar o trabalho a tempo), o que vai fazer com que se libertem uma série de neurotransmissores no cérebro, como o cortisol ou a adrenalina, gerando uma série de mudanças físicas como o coração a bater mais acelerado ou aumento da pressão sanguínea que vão fazer com que se movimente em direção à realização e conclusão do trabalho. Provavelmente se não existisse este estado emocional perante o alerta de um prazo para um trabalho, o mesmo nem seria feito! Seja pela antecipação de um prazo apertado de trabalho (trabalho esse que existe mesmo) ou da ideia de poder acontecer algo mau a alguém de quem gosta (que não passa de uma ideia, não havendo nada concreto que o justifique), a todos nós nos toca um pouco desta ansiedade. Assim, a ansiedade que sentimos pode ser normal e surgir em vários contextos, como no trabalho ou nas relações com os outros.

Em segundo lugar, e relacionado com o primeiro, por representar a expectativa ou antecipação de algo, a ansiedade pode ser frequente no nosso dia-a-dia quanto maior for a nossa antecipação em relação ao que está para vir. Como tal, a partir do momento que essa antecipação se torna constante, influenciando a forma como nos sentimos diariamente, essa ansiedade, dita normal, pode deixar de sê-lo. Imagine que deixa de antecipar apenas aquele trabalho que tem um prazo apertado, mas passa a fazê-lo com quase tudo. “E se eu for fazer análises e descobrir que tenho uma doença?”, “O meu amigo não me atendeu o telefone, de certeza que lhe aconteceu algo grave e eu não vou aguentar!”, “E se eu nunca conseguir trabalhar naquilo que quero?”. Repare como a seguir a estes pensamentos, vêm uma data de outros pensamentos que se tornam autênticas histórias de terror na sua cabeça. Como se de repente visse todo um filme sobre a sua vida a acontecer e isso o fosse deixando cada vez mais nervoso, com o coração a palpitar cada vez mais e todo uma sensação de descontrolo a passar-lhe pelo corpo. Repare ainda como todos esses filmes mentais e sensações corporais que deles advêm o deixam desconcentrado, com um medo crescente do que aí vem, com a necessidade de evitar certas coisas para não ter que enfrentar o medo que tem delas, entre muitas outras consequências. Provavelmente o seu dia-a-dia acaba por ficar bastante condicionado por estes sintomas, retirando-lhe a possibilidade de prazer que poderia ter e aumentando os seus níveis de cansaço e mal-estar. Ora é a partir daqui que se torna clara a diferença entre a ansiedade dita normal e a ansiedade patológica.

Como acabamos por perceber, a ansiedade patológica, ou perturbação de ansiedade, seja de que tipo for (pânico, ansiedade generalizada, ansiedade social, entre outras) alimenta-se por si só, como se de um círculo vicioso de tratasse. Quanto mais nos focamos em determinada coisa, mais ansiosos ficamos e maior dimensão ganha tudo aquilo que antecipamos. Assim sendo, a partir do momento que notamos que este círculo vicioso afeta o nosso dia-a-dia, na forma como trabalhamos ou como nos comportamos com os outros, torna-se importante procurar ajuda de um profissional de saúde especializado. A aprendizagem de estratégias para regular a ansiedade faz toda a diferença no aumento da nossa qualidade de vida!

Inês Chiote Rodrigues – Psicóloga Clínica

…DEAD MAN WALKING… Quando o desespero mata a Esperança.

NOTICIA

Imagino-o em casa, depois de ter ido visitar a sua companheira de sempre aos cuidados intensivos.

Imagino-o só, a tentar dar algum sentido à angústia que sentiu quando a viu entubada e com suporte ventilatório.

“Porque é que ela tem que sofrer tanto?” – ter-se-á perguntado.

De vez em quando os alarmes das máquinas disparam e depois calam-se novamente, mas não está lá ninguém para as ouvir senão ele.

De início corria a chamar as enfermeiras, mas estas iam-lhe dizendo que era normal, que as máquinas eram hipersensíveis e disparavam por tudo e por nada.

“Melhor as máquinas com a sua hipersensibilidade… Sempre lhe fazem alguma companhia…” – pensou ele – e deixou de incomodar as enfermeiras. Passou até a gostar que as máquinas apitassem, mas condoía-o o facto de se ir embora e então a esposa ficar completamente só, alheada até da sensibilidade das máquinas.

E essa solidão era-lhe extensível a ele.

Sentado no sofá da sala, era como se um buraco negro se abrisse no chão à sua frente:

        “- Que farei quando ela partir…?  E se calhar já partiu mesmo…”

Por vezes tentava recordar-se da face da sua amada e não conseguia e isso deixava-o ainda mais desesperado: “-Se ela se for eu nem me vou conseguir recordar da face dela!”

Estava confuso, baralhado, ele sabia que “todos teríamos que morrer um dia”, mas nunca sonhara que fosse tão difícil.

Olhava para a sua frente e não conseguia vislumbrar um futuro sem ela. Era como se verdadeiramente lhe amputassem a alma. Iria transformar-se numa alma errante e fugidia – um “dead man walking” – à espera da sua hora para se juntar a ela definitivamente.

Toda a esperança lhe escapava entre os dedos e o buraco negro aumentava e engolia-o numa angústia insuportável.

Não conseguia antever nada de bom senão o inferno na Terra.

Foi ao seu quarto e abriu a única gaveta do armário que estava sempre fechada.

Tirou a seu revólver 38 e foi direito ao hospital, repetindo para si mesmo:

“- Não vou deixar a minha mulher morrer sozinha…”

Casos como este são bem mais frequentes que o noticiado.

Decidi escrever acerca desta notícia sobretudo para exemplificar um fenómeno frequente na Depressão e que não acontece em nenhuma outra doença orgânica: A Depressão tem esta particularidade de “atacar” o ser humano na última coisa a morrer – A Esperança.

Como diz o meu colega António Sampaio, mais nenhuma doença faz isso, nem mesmo o cancro.

É como se um vírus infectasse a alma e lhe retirasse esta arma que nos dá resiliência e alguma imunidade contra as adversidades, porque sem esperança baixamos os braços e desistimos.

É preciso estarmos atentos porque muitas vezes as depressões são silenciosas e a desesperança e as ideias suicidas dos nossos mais queridos podem estar a desfilar à frente deles sem que tenhamos a mínima noção disso.

O que fazer?

Perguntar.

Perguntar sem medo, sem qualquer receio de ser mal interpretado.

“- O que se passa? Anda a pensar em quê?”

E explicitamente tentar saber: “Tem tido pensamentos de fazer mal a si próprio? Não tenha medo de me dizer. Eu preciso de saber porque me preocupo consigo.”

Temos que lidar com a Depressão com a mesma falta de piedade com que ela mata, mas com o dobro da dose em carinho para quem está a sofrer com ela.

 

João Parente – Médico Psiquiatra e Psicoterapeuta