Equilibradamente em desequilíbrio

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Sometimes to loose balance is part of living a balanced life.

Quando pensamos no que é que queremos para a nossa vida, do que é que precisamos para a nossa saúde mental, cada vez mais reconhecemos que precisamos é de equilíbrio, em contraponto a uma busca utópica de um estado permanente de felicidade e bem-estar.

Apesar deste reconhecimento, velhos hábitos são difíceis de deixar, e o risco é desejarmos sim equilíbrio, mas deturparmos o conceito e rigidificarmo-nos numa postura de não nos permitirmos nem grandes desânimos nem grandes entusiasmos, contentarmos-nos com o mediano, como se equilíbrio fosse sinónimo de meio-termo,  nem muito nem pouco, assim-assim.

Clarifiquemos então a ideia de equilíbrio:
Equilíbrio é um “estado” dinâmico de compensação de forças em que, quando puxo para um lado, activo em consequência uma força contrária que puxa para o outro, no sentido de não permitir a queda ou a destruição. Equilíbrio não é portanto um estado estático mas implica um movimento oscilatório entre pólos opostos, sempre com duas forças contrárias e compensatórias a puxar. Equilíbrio não é uma coisa que se adquire mas um processo que se vive.

Paradoxal que possa parecer, estar em equilíbrio implica portanto estar disponível para para o perder aqui e ali.
Neste sentido, talvez a pergunta-chave não seja como é que me equilibro mas como é que me disponibilizo para me desequilibrar.
E disponibilizo-me para me desequilibrar quando me permito sentir o que estou a sentir, seja agradável ou doloroso, quando arrisco experimentar coisas novas, diferentes, quando me permito depender momentaneamente dos outros quando preciso de colo e afastar-me momentaneamente quando preciso de dar os meus passos sozinho… Quando confio que posso dar qualquer passo porque sei que tenho a capacidade de analisar os erros, de analisar o risco, e confio que quando necessário consigo mobilizar recursos num sentido compensatório e recuperar o equilíbrio ou transformá-lo num equilíbrio diferente, mais adequado às novas necessidades ou exigências.

Preciso confiar que consigo estar próximo da queda sem cair. Preciso disponibilizar-me para o desequilíbrio para viver equilibradamente.

Não esqueça: não se atinge o equilíbrio, vive-se equilibradamente em desequilíbrio.

Joana Fojo Ferreira – Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta

Mutilados emocionalmente

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Hoje não quero falar de psicoterapia.

            Na vida dum terapeuta há inúmeras situações em que nos comovemos com o que os pacientes nos contam.

            É natural e mesmo saudável, até certo ponto, nos comovermos.

Etimologicamente falando, “comover” significa “emocionarmos-nos” (movere) “com” alguém – empatia significa isto mesmo – colocarmos-nos na pele do outro, tentarmos sentir o que o outro sente e emocionarmos-nos com o que nos conta, para que possamos apreender, tanto quanto nos é permitido e razoável, a vivência do paciente, também na sua dimensão emocional e existencial.

Mas outras alturas há em que as emoções desencadeadas não são apenas de dor, de tristeza e desespero – outras alturas há em que são despertadas em nós emoções como a raiva e indignação profunda.

De vez em quando, e não tão raramente como seria desejável, somos confrontados nas consultas com situações extremas de maus-tratos, de sadismo psicológico, de humilhações repetidas e abusos continuados no tempo.

Estas pessoas chegam-nos à consulta derrotadas, destruídas, humilhadas, autênticos farrapos humanos cujas vidas são um testemunho de dor infligida por vezes pelas pessoas que eram supostas terem-nas protegido quando ainda não se sabiam defender.

Numa consulta recente atendi um paciente.

Chegou à consulta ansioso, tenso e muito auto-consciente de si próprio.

A sua face transbordava emoções de intenso sofrimento, da tristeza à ansiedade intensa, de expressões de profunda dor a gritos surdos de raiva que tudo fazia para conter.

Descreveu-me uma mãe sádica e abusadora, que o despia à frente das amigas para que pudessem ver o quão pequeno era o pénis do filho ainda criança, e que nos parques infantis se escondia dele e do irmão e só aparecia quando percebia que eles estavam em pânico, a rir, sorrindo e dizendo: “Vocês já estavam a ficar aflitos, não é?”

Falou-me de como sentia que em cada dez vezes, a mãe tinha 9 interacções de maus tratos e de abuso e uma em que mudava diametralmente de registo e lhe dava “uma festa” e “era esta festa que me destruía, percebe, Sr. Dr.?!”

Ou outra paciente, que foi abusada sexualmente durante 2 anos quando tinha apenas 5 pelo irmão da sua ama que era o seu catequista, e ainda que o pai a fechou em casa, sozinha, para a esconder da sua mãe, para fazer “pirraça à mãe” de quem tinha acabado de se divorciar.

Ou outra ainda, cuja mãe se se fechava na casa de banho a gritar que ia morrer, enquanto a filha desesperava em culpa e angústia.

Estas pessoas foram privadas de amor e protecção, negados os seus direitos humanos mais elementares enquanto crianças, e mutiladas emocionalmente.

Deveriam já existir planos psicossociais preventivos mais eficazes, com meios humanos competentes e capazes para acautelar a ocorrência destes maus-tratos e para tratar os pais quando estes não são de todo responsabilizáveis.

E, não sendo isso possível, deveria haver uma justiça capaz de responsabilizar criminalmente os pais que foram dolosamente negligentes ou maltratantes.

João Parente – Médico Psiquiatra e Psicoterapia