Os dias da Pandemia – II

Andrà tutto bene

“Tudo vai ficar bem”

 

Uma espera estóica no hospital, os enfermeiros vêem-na quando entram de serviço ou saem de vela, arranjaram-lhe um cantinho num corredor de acesso à Unidade de Cuidados Intensivos, porque a sala de espera ia ser demasiado perigosa para quem decidiu ir a casa apenas para tomar banho e trazer um farnel, e volta todos os dias para aquela cadeira de plástico, para aquele corredor, ermo e impessoal, e ali fica à espera de notícias do marido.

“Há uma semana ele estava bem, teve uma febrícula – mas nada de especial – e foi fazer a análise que deu positiva e voltou para casa porque não tinha mais que uma febrícula.”

“Ao 3º dia começou com tosse, uma tosse persistente, mas pelo telefone disseram-lhe que esperasse. Nessa noite acordei a ouvi-lo respirar, sentado na cama, parecia que não havia ar que chegasse, parecia que o ar todo do mundo não entrava por mais esforço que ele fizesse.”

“Chegámos ao hospital e vieram dizer-me que tiveram que o pôr em coma para que ele se adaptasse à máquina que o faz respirar…”

Celeste e Alberto não tiveram filhos. Ela não podia.

Hoje estava sozinha no mundo.

Alberto, que nunca a deixara nem a tinha traído, estava lá dentro, atrás daquelas portas verdes claras com janelas foscas, a alma entregue a Deus, enquanto os médicos e enfermeiros tentavam salvar-lhe o corpo.

Celeste não cultivara o hábito de rezar, mas pedia a Deus em pensamento e coração.

Não tinha telemóvel e, se tivesse, não tinha a quem telefonar.

Limitava-se a olhar para o corredor e suspirava fundo.

Um dia uma enfermeira puxou uma cadeira, sentou-se perto dela e começaram a conversar.

De imediato, Celeste perguntou:

– Como está ele? Acha que ele vai salvar-se?

– Olhe, não sei. Não quero dizer-lhe nem que sim, nem que não. Já está com o ventilador vai para 4 dias e até agora nada. Vamos ver o que vai acontecer…

– Eu sei que ele vai sair dali pelo seu próprio pé! – respondeu ela quase zangada com a enfermeira.

Celeste ficou subitamente com os olhos marejados de emoção e voltou-se para a enfermeira num rompante de raiva:

– Você não pode fazer isso, ouviu?!

 A enfermeira olhou-a surpreendida.

– Você não pode vir aqui e tentar roubar-me a única coisa que eu tenho agora que é a esperança que ele recupere! É a única coisa que me faz respirar! É a única coisa que me conforta à noite quando tento dormir! Tudo desmoronou à minha volta em menos de um mês! Ele teve que fechar a pastelaria, eu que o ajudava também passei a ficar em casa, ele andava aflito a dizer que só nos íamos aguentar uns dois meses, foi ao banco pedir um empréstimo e dizem-lhe que só lhe vão dar metade do que ele pediu e é se derem, faz quase um mês e ainda não tivemos resposta do banco, há uma semana começa com febre e três dias depois entrou aqui e aqui ficou. Eu não tenho mais ninguém! Você está a ouvir-me?! – e desatou a chorar num pranto incontrolável – “Sra. Enfermeira, eu não tenho mais nada! Só tenho este banquinho que por sinal é vosso, e imagino o médico ou um de vocês sair por ali com um sorriso e dizer-me que ele já está a respirar por ele próprio.”

A enfermeira pusera-se de pé e agora abraçava-a com força e pensava para ela própria que passamos pelas pessoas e não fazemos a mais pequena ideia do que vai na alma de cada um.

E tomou a decisão de não tirar a Celeste a única coisa que ainda lhe restava:

– Olhe, Dona Celeste. Eu não disse que estava a correr mal… Já vi pessoas ficarem duas semanas em coma induzido e recuperam completamente. A procissão ainda vai no adro! Não há nada que nos diga que ele não possa melhorar! Ele vai melhorar! Tenha calma! Estamos a fazer tudo por isso! Ele vai melhorar!

Celeste tentava abrir a sua bolsa para tirar um lenço de papel, as suas mãos tremiam de medo, de angústia, de coragem, mas também de esperança.

A enfermeira resgatou-lhe a bolsa das mãos, abriu-a, tirou um lenço de papel e quando ia tentar limpar-lhe as lágrimas Celeste reagiu e disse-lhe:

– Eu faço isso! – respondeu tirando-lhe o lenço das mãos – Não me leve a mal. Eu não sei o que me deu… Sei que vocês saem daqui estoirados e eu ainda me fui zangar consigo.

A enfermeira sorriu e disse:

– Vai ficar tudo bem.

– Sim – rematou Celeste – E desculpe. Às vezes temos que nos zangar com os anjos para que Deus nos dê ouvidos.

Naquele momento, a Esperança uniu as duas.

Era um sentimento mais poderoso do que a simples ideia de que Alberto iria melhorar. Era a certeza de que isso iria acontecer conquanto ambas continuassem a lutar por isso.

Por vezes, o que faz com que consigamos continuar com as nossas vidas, é encontrar um significado que justifique continuarmos a lutar por sobreviver.

Quando encontramos um significado para a nossa vida, para os nossos objectivos, para os nossos sonhos, esse significado irá legitimar o nosso caminho e torná-lo possível, mesmo que todas as circunstâncias que nos rodeiam afirmem o contrário.

É este encontrar de significado que faz com que as pessoas se superem em momentos de enorme adversidade.

No caso de Celeste, a Esperança foi o instrumento que encontrou para se agarrar à vida, para não desmoronar perante a possibilidade do seu marido não se salvar. Enquanto Alberto respirar, ela não só não se afoga na antecipação da dor duma possível perda, como mantém inquebrantável a força interior necessária para obliterar da sua consciência o luto enquanto este não for inevitável.

Sem Esperança, talvez Celeste não aguentasse mais do que algumas horas.

Freidrich Nietzsche dizia que “aquele que tem uma razão para viver, consegue suportar quase tudo”, uma frase que o pioneiro psiquiatra existencialista Viktor Frankl repetia com frequência.

Viktor Frankl acreditava que “o amor é o objectivo maior e mais alto a que o Homem pode aspirar”.

Mas o que lhe permitiu a ele, Viktor Frankl, que passou anos intermináveis em campos de concentração nazis, agarrar-se a essa crença com tanto fervor no meio da deformidade moral do Holocausto?

Na “Busca do Homem por Significado” ([1]), o testamento autobiográfico de Frankl sobre o seu tempo em Auschwitz, ele oferece a seguinte explicação: “Aqueles que sabem o quão próxima é a conexão entre o estado de espírito de um homem, a coragem e a esperança, ou a falta deles, entenderá que a súbita perda da esperança e da coragem pode ter um efeito mortal”.

Para ilustrar este ponto, Frankl detalha a sua teoria sobre a alta taxa de mortalidade em Auschwitz durante o Natal de 1944 e o Ano Novo de 1945: “Os prisioneiros que morreram nessa altura, não sobreviveram porque esperavam estar em casa antes do Natal. Quando perceberam que isso não iria acontecer, perderam completamente a esperança na vida para além do campo de concentração”.

 

É tema de canções inspiradoras que nos dizem que “vai ficar tudo bem”.

Que Viktor Frankl nos inspire a acreditar firmemente nisso.

João Parente – Médico Psiquiatra e Psicoterapeuta

 

(A música é da autoria de Cristóvam e o vídeo é de Pedro Varela,

dois amigos portugueses que, à distância – um nos Açores, outro e

desta quarentena, partilhado através do Instagram.

Chama-se Andrà Tutto Bene em italiano, ou seja, “Vai Ficar Tudo Bem”).

 

Todo o mundo tem medo do que sopra no vento

Os planos que todos nós tínhamos

Todos foram pelo ralo

As nossas vidas foram adiadas

Mas eu sei que no final ficaremos bem

Estamos juntos como um só

As pessoas estão alinhadas nos supermercados

O silêncio está gritando o medo nos seus corações

Não desista da sua fé, não,

Não deixe sua luz desaparecer

Juntos, vamos atravessar a escuridão destes dias

Dois ou três meses

Eles estão dizendo na TV

Estejam seguros nos vossos abrigos e em breve estaremos livres

Um dia nos lembraremos dos tempos mais difíceis

Quando a distância significava amor e nos mantinha vivos

Andrà tutto bene

Vai ficar tudo bem

Tudo ficará bem

Andrà tutto bene

Tout ira bien

Tudo ficará bem

Para os médicos e enfermeiros

E todos aqueles que lutam

Os heróis que nos salvam

Arriscando suas vidas

Vamos dar a eles nosso amor, sim,

Vamos gritar para o céu

Irmãos e irmãs

Estamos aqui ao vosso lado

Cuidem dos que nos são queridos

Sejam fortes e corajosos

A vossa bondade é algo que não pode ser paga

E quando isto acabar, as memórias brilharão

Daqueles que faleceram e daqueles que arriscaram

a sua vida por todos nós

Mais alguns meses

Disse o apresentador

Divididos lutamos, mas unidos permanecemos

Um dia nos lembraremos os tempos mais difíceis

Quando a distância significava amor e nos mantinha vivos

Andrà tutto bene

Vai ficar tudo bem

Tudo ficará bem

Andrà tutto bene

Tout ira bien

Tudo ficará bem

Andrà tutto bene

Alles wird gut

Tudo ficará bem

Andrà tutto bene

Todo irá bien

Tudo ficará bem

____________________________________________________________________________________________

[1] https://pt.wikipedia.org/wiki/Viktor_Frankl#Panorama_de_sua_obra

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Doença Bipolar: a doença dos humores – Mitos e crenças.

Parte IV 

(Última parte)

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Mitos e Crenças

Felizmente, nos últimos anos, tem havido uma divulgação mais ampla acerca das doenças psiquiátricas, e isto é também válido para a Doença Bipolar. Há algumas perguntas, quase invariáveis, que as pessoas me fazem quando as informo, depois de uma avaliação, que têm uma doença bipolar: “Será que sou louco? É uma doença incurável? Vou ter que tomar medicamentos para o resto da minha vida?”

A loucura é um termo sem correspondência no mundo da ciência. Assim, você é tão louco como os inúmeros talentos que tanto nos deram nas mais variadas áreas criativas do ser humano, como p. ex., Florbela Espanca, Mark Twain, Virginia Woolf, Van Gogh, Peter Gabriel, Winston Churchill, Theodore Roosevelt, Kay Redfield Jamison. Todos estes tinham Doença Bipolar, entre dezenas de muitos mais que não é possível aqui citar.

É também importante realçar que a esmagadora maioria das doenças humanas é crónica e incurável, desde as alergias, à asma, diabetes, hipertensão, Lúpus, miopia e até mesmo algumas infecções. As doenças plenamente curáveis são infelizmente muito raras. Assim, há que aprender a conviver com a doença com o menor número possível de limitações. Para além disso, se é verdade que pode ser necessário fazer medicação por tempo indeterminado, isso não acontece apenas com a Doença Bipolar, mas com a grande maioria das doenças crónicas do ser humano.

Há que ponderar o custo-benefício de qualquer tratamento. Deve esperar uns meses após ter estabilizado e perguntar-se: A minha qualidade de vida melhorou? Estou melhor agora que antes do tratamento?

Deve conferenciar abertamente com o seu médico acerca dos seus medos, dos seus receios, das suas dúvidas, do que lê na internet e do que ouviu dizer acerca da doença.

Por outro lado, muitas pessoas vêm à consulta com o receio infundado de terem a Doença Bipolar : “Eu tenho muitas variações do humor, às vezes no próprio dia! Será que sou doente bipolar?” Ao que respondo: “Ainda bem que tem essas variações de humor. Significa que você tem sensibilidade e vibra com o mundo em seu redor.”

De facto, a doença bipolar requer que haja um padrão de depressão que se repete no tempo (depressão recorrente) em que a pessoa fica comprometida no seu bem-estar e na sua capacidade para desempenhar adequadamente o seu papel profissional e familiar. Flutuações de humor são inerentes à condição humana. Já depressões repetidas merecem uma outra atenção.

Há também o mito de que para se ter uma Doença Bipolar, não basta ter depressão – é preciso ter fases de euforia. Mas isso não é, de todo, verdade. Numa grande percentagem das doenças bipolares não existem sintomas de mania ou de hipomania, ou seja, não existem fases de elevação do humor ou de euforia.

São frequentes os casos de pacientes que chegam à consulta já com vários anos de doença, frequentemente com depressões com episódios mistos, ou seja, quadros de depressão com tristeza, ansiedade muito intensa, grande irritabilidade, comportamentos de explosividade, muitas vezes com crises de raiva que lhes parece injustificada e insónias repetidas, que passaram por diversos médicos e a quem foram receitados sistematicamente antidepressivos, os quais estão, nestes casos, contra-indicados, já que podem agravar a ansiedade, a irritabilidade, a explosividade e a insónia.

Os antidepressivos, regra geral, não se devem usar na Doença Bipolar. Se a um paciente bipolar, com uma crise depressiva, for dado um antidepressivo, pode acontecer, entre outras coisas: Ineficácia – o paciente não melhora ou pode melhorar nos primeiros meses mas logo de seguida voltar ao estado depressivo em que estava, mesmo sem ter deixado de tomar o antidepressivo; Agravamento – o paciente pode ficar mais ansioso, deixar de dormir, ficar muito irritado; Viragem – o paciente pode passar duma fase depressiva para uma fase maníaca.

Há uma percentagem muito pequena de pacientes com Doença Bipolar que melhoram com antidepressivos, mas estes só devem ser dados se o paciente já estiver previamente medicado com um estabilizador de humor.

João Parente – Médico Psiquiatra e Psicoterapeuta

Doença Bipolar: a doença dos humores – Quais os tratamentos disponíveis? É possível prever as crises?

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Parte III

Quais os tratamentos disponíveis ?

 

O tratamento da Doença Bipolar é essencialmente farmacológico e estão indicados, como tratamento de eleição, os estabilizadores do humor.

No tratamento de fase aguda são usados medicamentos que podem, no curto prazo, aliviar os sintomas, tanto do pólo maníaco como do pólo depressivo.

Na fase aguda podem usar-se medicamentos chamados de antipsicóticos. Estes medicamentos são também anti-maníacos, isto é, são medicamentos que combatem sintomas psicóticos quando estes existem, mas também reduzem sintomas do pólo maníaco, ou seja, melhoram rapidamente os estados de euforia, ansiedade, irritabilidade e insónia.

Existem também medicamentos que podem combater os sintomas depressivos, os quais, curiosamente, nem sempre respondem à medicação antidepressiva clássica. É mandatória a introdução de estabilizadores de humor em qualquer tipo e fase de Doença Bipolar que, embora menos eficazes na fase aguda serão de importância primordial na fase de manutenção, em que se pretende evitar, tanto quanto possível, o fenómeno da recorrência, ou seja, as recaídas.

Por vezes existem formas de Doença Bipolar muito graves, que não melhoram com os medicamentos e que, em casos muito seleccionados podem melhorar muito com a terapia por estimulação eléctrica do cérebro, conhecida por Electroconvulsivoterapia. Há inúmeros mitos e preconceitos acerca deste tratamento, como sendo muito violento e até desumano! Trata-se de facto de um tratamento muito seguro, feito com anestesia geral, que tem menos efeitos secundários que o tratamento com medicamentos, e que se pode traduzir numa grande melhoria clínica de pacientes que, de outra forma, não teriam qualquer tratamento eficaz disponível.

Por outro lado, além dos tratamentos médicos acima descritos, pode ser extremamente útil um tratamento psicológico ou Psicoterapia, a qual pode abordar diferentes problemas. Pode ser útil para ajudar a pessoa a quem foi diagnosticada Doença Bipolar a reorganizar a sua vida, a adaptar-se à sua doença e a reconstruir uma vida funcional e produtiva. Por outro lado, muitos pacientes mantêm sintomas depressivos, mais suaves, apesar do tratamento médico adequado, e a Psicoterapia pode ser muito benéfica nestes casos. Pode ainda ajudar os pacientes a desenvolver formas eficazes de gerir o stress e resolver problemas stressantes.

De salientar também a importância de implementar uma estratégia educacional, em que se promove a adesão do paciente ao tratamento médico e se ajuda o paciente a identificar precocemente os sinais de recaída.

É possível prever as crises?

Não é possível prever uma crise de Doença Bipolar. No entanto, sabe-se que existem factores que podem desencadear um episódio de Doença Bipolar, sendo assim possível diminuir o risco duma recaída, com base no conhecimento desses mesmos factores precipitantes. Sabe-se que o abuso de álcool e de certas substâncias ilícitas (vulgo, drogas) pode desencadear quer uma crise depressiva, quer uma crise maníaca. Também acontecimentos de vida stressantes (perda do emprego, luto na família) podem desencadear recaídas depressivas.

Por outro lado, a supressão do sono (voo de longo curso em que não foi possível dormir) e/ou alterações drásticas do ritmo de sono-vigilia podem precipitar episódios maníacos.

Há ainda factores orgânicos que podem favorecer a ocorrência dum episódio maníaco (hipertiroidismo, níveis de ácido úrico aumentados no sangue, traumatismo craniano, deficiência em Vitamina B 12, entre outros). Certos medicamentos ou substâncias podem também desencadear crises depressivas (medicamentos para a hipertensão, para o colesterol, alguns antibióticos, p. ex.) ou episódios maníacos (cafeína, cocaína, estimulantes, álcool, antidepressivos, broncodilatadores, entre outros).

Por fim, um dos desencadeantes mais frequentes de recaídas da Doença Bipolar é o não cumprimento rigoroso da medicação prescrita pelo médico psiquiatra.

Com base no conhecimento destes factores, é possível elaborar um plano de vida mais saudável que permita evitar ou prevenir a ocorrência e/ou influência destes desencadeantes, sendo que a Psicoterapia pode ajudar a pessoa a desenvolver estratégias de redução do stress e aptidões para a solução de problemas stressantes.

No entanto, não sendo possível antecipar ou prever uma crise de Doença Bipolar pode, no entanto, estar-se atento aos primeiros sinais de uma crise: por exemplo, a perda de sono é um dos mais importantes sinais de recaída de Doença Bipolar, tanto num episódio maníaco como num episódio misto, bem como o aparecimento de grande irritabilidade.

Por outro lado, a sensação interna de “aceleração”, de ter os pensamentos a “mil à hora”, o discurso mais acelerado, a menor capacidade de concentração, o iniciar várias tarefas que ficam por terminar, podem também ser sinais precoces de descompensação. Nestes casos, antecipe imediatamente a consulta com o seu médico. Um ajuste na sua medicação pode “abortar” uma crise ou atenuar a sua intensidade.

Se for familiar do paciente, o que pode fazer?

Deve encorajá-lo a recorrer ao médico logo que possível. Por vezes, quer as recaídas depressivas, quer as recaídas maníacas, podem apresentar sintomas que sugerem um corte com a realidade. Frequentemente, os pacientes com sintomas psicóticos perdem a capacidade para compreenderem que estão doentes e podem até recusar assistência médica.

Nestes casos, os familiares devem contactar o médico psiquiatra assistente ou, caso o paciente não tenha já seguimento médico, poderão recorrer ao Serviço de Urgência do hospital da sua residência e pedir para falar com o médico psiquiatra de serviço, que os aconselhará sobre os passos a tomar para conseguir que o paciente receba assistência.

Nos casos mais graves, em que haja uma situação de risco grave para o paciente ou para terceiros, ou recusa em aceitar tratamento médico, pode ser necessário um internamento compulsivo. Nestes casos, pode promover-se o internamento do paciente contra sua vontade, quando este recusa terminantemente qualquer assistência médica.

A família do paciente deve ser incluída neste trabalho de informação e esclarecimento, na medida em que vão ser as primeiras pessoas a poder ajudá-lo quando tiver uma recaída.

Se você tiver um familiar com Doença Bipolar e não souber como ajudar, acompanhe o paciente a uma consulta e, com o consentimento do paciente, coloque as suas questões ao médico.

 

João Parente – Médico Psiquiatra e Psicoterapeuta

Doença Bipolar: a doença dos humores – As causas e os tipos

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Parte II – As causas e os tipos de Doença Bipolar

Os produtos químicos responsáveis por controlar as funções do cérebro são chamados de neurotransmissores, cujos exemplos incluem noradrenalina, serotonina e dopamina, entre outros. A Doença Bipolar resulta do desequilíbrio destes neurotransmissores no cérebro. Um desequilíbrio nos níveis de um ou mais neurotransmissores pode conduzir ao aparecimento dos sintomas da doença bipolar.

Por exemplo, os episódios de mania podem ocorrer quando os níveis de dopamina são demasiado elevados, e episódios de depressão podem ser o resultado de níveis de dopamina muito baixos. Sabe-se, no entanto, que desequilíbrios noutros neurotransmissores (serotonina, GABA, p. ex.) para além da dopamina estão envolvidos na Doença Bipolar.

As causas para este desequilíbrio são genéticas e ambientais. Estudos de doentes bipolares e seus familiares, demonstram que pode existir predisposição genética para a doença bipolar, sendo que a probabilidade de contrair doença bipolar está claramente relacionada com a existência de laços genéticos com indivíduos com doença bipolar. Assim, a probabilidade de vir a desenvolver uma doença bipolar está aumentada se ambos os pais também tiverem esta doença, sendo menor se apenas um dos pais a apresentar, e ainda menor se apenas um irmão estiver afectado.

Por outro lado, no que diz respeito às causas ambientais, os acontecimentos stressantes parecem ter um papel importante no desencadear da Doença Bipolar (p. ex., uma morte na família, perda do emprego, o nascimento duma criança).

Existem diferentes tipos de Doença Bipolar de acordo com a apresentação dos sintomas. Uma característica comum aos diferentes tipo de Doença Bipolar é a existência de um padrão de depressão recorrente, isto é, que se repete no tempo e, muitas vezes, sem que haja um acontecimento de vida a que se possa identificar como desencadeante do episódio depressivo.

Assim, na Doença Bipolar tipo I existe um padrão de depressão major que é recorrente, e também episódios de mania, menos frequentes que os episódios de depressão. Na Doença Bipolar tipo II existe um padrão de depressão major que é recorrente, e ainda, episódios de hipomania, menos frequentes que os episódios de depressão. Em qualquer destes dois tipos de depressão podem ocorrer episódios mistos (acima descritos).

A Ciclotimia é um outro tipo de Doença Bipolar, em que alternam episódios minor de depressão recorrente e episódios de hipomania que, apesar de menos grave que os tipos anteriores de Doença Bipolar, pode ser também incapacitante e gerador de muito sofrimento.

Por fim, é muito importante realçar que existe um tipo de Doença Bipolar, no qual não ocorrem episódios de hipomania ou mania, os quais se apresentam como episódios de depressão recorrentes, muito frequentemente episódios depressivos mistos, em que coexistem sintomas do pólo depressivo e do pólo maníaco, que são muitas vezes erradamente medicados com antidepressivos e em que pode existir um risco significativo de suicídio.

Este tipo de Doença Bipolar não se enquadra no tipo I, nem no tipo II ou na Ciclotimia, e são agrupados numa categoria a que os médicos psiquiatras designam como Doença Bipolar não especificada, por não se enquadrar em nenhum dos tipos mencionados.

 (CONTINUA…)

João Parente – Médico Psiquiatra e Psicoterapeuta

Histórias de (in)verosimilhança: O maior cego é mesmo aquele que não quer ver?

A Anormalidade já não é o que era – II

Histórias de (in)verosimilhança: O maior cego é mesmo aquele que não quer ver?

A reflexão de hoje surge após ter lido a seguinte notícia publicada em Outubro passado (ver links abaixo):

Concretizou sonho de se tornar cega

Woman who dreamed about being blind had DRAIN CLEANER poured in her eyes by a sympathetic psychologist to fulfil her lifelong wish – and now she’s never been happier

eye

Será que é “normal” o que para quase todos os seres humanos é absolutamente incompreensível?

Um dos aspectos que torna a experiência humana compreensível à generalidade dos seres humanos é a verosimilhança.

É fácil de empatizar com alguém que acabou de ter uma experiência de luto, com alguém que desenvolve uma ansiedade fóbica à condução após um acidente de viação, com alguém que faz um surto psicótico após uma situação de stress intenso ou mesmo com um anti-social que viveu a infância num ambiente desestruturado e violento.

É a verosimilhança destas experiências que nos permite empatizar com as pessoas que as vivenciaram.

Mas como “calçar os sapatos” de alguém de deseja cegar para encontrar conforto?

Como empatizar com o inverosímil?

O que seria mais adequado fazer face a este desejo de cegar?

Tentar convencer esta pessoa que o seu desejo de se privar da visão é uma anormalidade que precisa de tratamento?

Mesmo que todo o seu ser vibre de dor enquanto não for efectivamente privada de ver?

E quem define este desejo de privação como uma anormalidade?

Não conseguindo “calçar os sapatos de quem deseja cegar” conseguiremos empatizar com a dor de quem sofre por conseguir ver (a ponto de desejar cegar)?

Durante muitos anos a homossexualidade era considerada uma doença, um desvio aberrante, e hoje aberrante é aquele que discrimina pela orientação sexual.

Para podermos evoluir, acabámos por nos focar na verosimilhança da dor que advinha da discriminação, incompreensão e indiferença.

Será que foi também esse o foco do terapeuta neste caso?

Qual a (in)verosimilhança que se segue? A eutanásia activa? O suicídio assistido?

De facto, este tema deixou-me com mais interrogações que respostas e não creio sequer que caiba apenas à Medicina ou à Psicologia a resposta a estas perguntas.

Mas fica a inquietação (provocatória):

Se você fosse o terapeuta, como decidiria?

João Parente – Médico Psiquiatra e Psicoterapeuta

O homem que recusou morrer mais cedo

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– Sabe, eu tenho 65 anos, estou no meu 3º casamento, estou casado vai para 20 anos, mas não me sinto realizado, a nossa relação já não é o que era, quando fazemos amor eu percebo que para ela já é um sacrifício. Ela é uma ótima pessoa, tenho um enorme carinho por ela, mas a relação já não funciona, ela quer passar o tempo todo em casa e eu gosto de sair, meti-me num grupo que organiza caminhadas pela serra, eu gosto de estar com outras pessoas, gosto de conviver e ela acaba por sair comigo mas vejo que é sempre um esforço para ela, que por ela ficávamos sempre em casa.

– Eu percebi que já não sou feliz com ela e pedi a separação. Nem eu sou feliz nem ela.

– Mas tomei todas as medidas para que não lhe falte nada, se ela permitir eu quero manter uma relação de amizade com ela, quero que ela não se sinta desapoiada, que vou estar sempre ali quando ela precisar de alguma coisa.

– Isto é o que se passa. Pedi o divórcio porque sinto que a nossa vida como casal tinha estagnado e já não era boa nem para mim nem para ela.

– Mas a maioria dos nossos amigos diz que não é normal, um tipo chegar aos 65 anos e tomar uma atitude destas, dizem que eu não devo estar bem, que devo estar com um problema qualquer. E então decidi marcar consulta consigo.

– Venho aqui para saber a sua opinião.

– Eu não acho que você seja apenas “normal”. – respondi – Mais ainda, acho que tudo o que se está a passar consigo é saudável. Porque senão vejamos: o que seria então “normal”? Chegar aos 60 anos e decidir que a partir dessa idade uma pessoa deverá desistir de seguir o seu coração? Que deverá conformar-se com o que tem na sua vida, com a forma como vive a sua vida, mesmo que o que tem e vive seja sofrível e medíocre? Ou seja, a partir de que idade é que um ser humano deve decidir que o resto da sua vida deve passar a ser um exercício constante de conformação com a frustração de nada poder fazer para poder melhorar a sua vida e vivê-la como realmente desejaria? A partir de que idade é que uma pessoa deve decidir que tudo o que lhe resta é encostar-se a um canto e esperar pela morte? Que “normalidade” é essa que determina como “normal” uma morte antecipada?

Consultas como esta não são de todo frequentes, mas permitem-nos perceber que, muitas vezes, conceitos interiorizados socialmente como “normais” traduzem padrões de vida disfuncionais, geradores de uma imensa frustração e sofrimento, sendo também espectável – no mesmo registo “normal social” – que os seres humanos acatem como inevitável e aceitável essa mesma frustração e sofrimento.

E assim, muitos seres humanos aceitam morrer mais cedo, abdicando de viver a sua vida como genuinamente deveriam viver – um dia de cada vez – a abraçar com entusiasmo o que a vida lhes trás a cada momento, sem certeza alguma senão a de se recusaram trair-se a si próprios, sabendo que a vida vai continuar a dar-lhes momentos de sofrimento e frustração mas que estes terão resultado de escolhas conscientes – genuinamente suas – e não da agonia duma resignação imposta e “normal”.

No final da sessão, acrescentou:

– Quero perguntar-lhe só mais uma coisa: apaixonei-me por uma mulher que tem só 41 anos e ela correspondeu-me. Mas agora estou com algum receio de não saber como lidar com esta situação, percebe?”

– E… ? – Instei-o a continuar.

– Como devo eu fazer?

– Você sabe muito bem como deve fazer ou o que deve fazer, mas como me pergunta a minha opinião deixe-me recordar-lhe que você deve ser genuinamente você, com os seus talentos e as suas limitações, aliás como sucederia com qualquer outra pessoa de qualquer outra idade. Tente ser você mesmo e nada mais que você mesmo. Se reparar com atenção, é impossível ser diferente de você mesmo. Pode tentar mas não vai conseguir. Seja genuíno. Se você tem sido genuíno com a sua namorada, lembre-se que foi por você que ela se apaixonou. Se tentar ser outra pessoa não só não vai conseguir como vai estar a privá-la da pessoa por quem ela se apaixonou.

E com um sorriso genuíno – como só as crianças sabem sorrir – despediu-se e, espero eu, foi viver a sua vida com a coragem de quem se recusou trair-se a si próprio, calar o seu coração ou abdicar de ser o autor e único responsável pelas suas escolhas e pela sua própria vida.

 

João Parente – Médico Psiquiatra e Psicoterapeuta

A Paz, às vezes, chega mais tarde…

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– Eu estava mais que bem até receber este telefonema – disse, enquanto olhava para as unhas como que verificando nervosamente se estavam bem pintadas.

Falava do tio paterno que tinha telefonado ao fim de 30 anos, pedindo-lhe para se encontrarem, que queria vê-la, que queria fazer as pazes com ela antes de morrer.

– Ele agiu muito mal com os meus pais e eles cortaram relações com ele e desde essa altura nunca mais ouvi falar dele. Ele deixou de fazer parte da minha vida quando eu era ainda adolescente, ele esqueceu-me e eu esqueci-me dele. Ele desapareceu da minha vida, mas para lhe ser sincera – da forma como eu sinto isto – ele nunca fez parte dela sequer. Ele desapareceu quando eu era ainda muito nova. Para lhe ser sincera, ele é-me completamente indiferente e agora cai aos trambolhões, vindo dum passado que eu já tinha esquecido, para pedir a minha bênção antes de morrer?

Voltou a olhar para as unhas, a esticar os dedos e rodar as mãos como se este interminável exercício pudesse aliviar o turbilhão de emoções que a assaltava.

– Pelos vistos, ele não lhe é completamente indiferente? – acentuei.

Parou, olhou-me fixamente e disse-me:

– É, sim. Ele é-me completamente indiferente. Se eu soubesse que ele iria novamente desaparecer e ficar mais 30 anos ou a eternidade sem dar mais notícias isso não me incomodaria absolutamente nada. O que me incomoda é que há uma parte de mim que apetece encontrar-se com ele e dizer-lhe que não perdoa, o quanto eu ainda me sinto magoada pela forma como ele fez sofrer os meus pais. Mas há também uma outra parte de mim que acha tudo isto irrelevante, que todos os seres humanos cometem erros – nomeadamente eu – e que errar é inerente à condição humana. Sabe, eu não tenho sequer que o perdoar, compreendo que ele tenha feito as escolhas que achou mais certas mas não concordo com essas escolhas e as escolhas que ele fez revelam um carácter e uma estatura moral – ou a ausência dela – que eu não apreciaria em ninguém e que eu nunca aceitaria num amigo meu, quanto mais num familiar. Eu quero-o longe de mim – como sempre esteve – mas não acho que tenha que o perdoar de nada. Mais ainda, eu não quero esse poder de o perdoar ou não, eu não aceito esse poder, eu nem sequer pedi esse poder.

– Mas o que me diz é que há uma parte de si que não quer perdoar…

– Sim. Há uma parte de mim que gostaria de lhe dizer que a minha mágoa por ter feito os meus pais sofrer não desapareceu e não vai desaparecer por ele cair do céu aos trambolhões a pedir para fazer as pazes comigo.

– Ele disse mesmo isso? “Fazer as pazes”? – perguntei.

– Exactamente. Fazer as pazes. – repetiu – Mas ele não entende que a paz que ele procura só poderá encontra-la dentro dele? Que acima de tudo ele tem que perdoar-se a si próprio? Que por muito que eu não o perdoe ou que lhe repita cem vezes que está perdoado ou que nada tenho que lhe perdoar, ele só vai encontrar a paz que deseja quando, bem no coração da alma dele, ele se perdoar a si próprio?

– Acho que você chegou a uma conclusão importante: você não é nem nunca poderá ser responsável pela paz ou ausência de paz de outro ser humano.

– Nem quero esse poder, compreende? Não pedi, não quero, nem acho justo que me seja delegado – logo por ele – esse poder. Cabe-lhe a ele perdoar-se ou não, independentemente do que eu sinta em relação a isso.

– Portanto, você não tem que se confrontar com ele para o perdoar ou não. Mas há uma parte de si que não o perdoa…

– Há uma parte de mim que ainda está magoada com ele.

– E que não o perdoa.

– Há uma parte de mim que gostava de fazer-lhe ver que a minha absolvição não faz desaparecer a minha mágoa.

– E que por isso não o perdoa.

Parou por alguns segundos e disse:

– Está fora de questão esse assunto do perdão. Não me reconheço esse direito nem esse poder. Só ele pode encontrar a paz dentro dele. Eu não sou tida nem achada, nem me acho tida ou achada para o que só ele pode fazer, dele para com ele.

– Muito bem, você conseguiu responsabilizá-lo pela inquietude dele e pela responsabilidade de encontrar nele mesmo a paz que ele procurava através do seu perdão, mas isso não me parece deixá-la a si em paz consigo própria…

– Talvez eu não me perdoe por não conseguir ultrapassar a mágoa que sinto em relação a ele. Porque eu gostava que fosse como ele pensa, que por uma arte de mágica eu pudesse estalar os dedos e fazer desaparecer toda a mágoa dentro de mim. Eu gostaria que fosse assim, mas a mágoa que eu sinto não desaparece só porque eu gostaria que desaparecesse.

– Mas a condição para se sentir em paz consigo própria é fazer desaparecer toda a mágoa num estalar de dedos, num passe de mágica?

– Isso não é simplesmente possível. Eu não consigo fazer isso acontecer assim dessa forma.

– Claro que não consegue. Nem é suposto que consiga. Você não é nenhum robô com um botão “on” e “off”. Não é assim que funciona a mente humana, não é assim que funciona a Natureza.

– Mas perdoar – para mim e para comigo mesma – é também ultrapassar esta mágoa, este ressentimento. E eu quero perdoar, entende? Eu quero ultrapassar isto.

– O primeiro passo você já o fez. Foi admitir para si própria que está ressentida e que a sua intenção genuína para consigo mesma é que este ressentimento desapareça. Que você conscientemente não quer sentir esta emoção em relação a esta pessoa. No fundo, o que me está a dizer é: eu estarei em paz comigo mesma quando eu não sentir qualquer ressentimento em relação a esta pessoa.

– Então aí o perdão será completo – rematou.

– Para si – acrescentei.

– Para mim?

– Sim. Para si, como você mesma disse. Mas isso pode não acontecer tão cedo, não acontecerá certamente amanhã, nem por nenhuma arte de mágica.

– E até lá? Que faço eu quando me der conta que este ressentimento ainda não desapareceu, mesmo que eu deseje que ele desapareça?

– Até lá você tem que aceitar essa sua limitação. Tem que aceitar que a mente humana lida com as emoções como pode, guarda-as na memória e que pode revivê-las vinte anos mais tarde com a mesma intensidade arrebatadora. Que as suas aspirações actuais podem já nem concordar com essas emoções que isso não as vai fazer desaparecer por magia. Tem que aceitar a sua condição humana e, se quiser, tem que se perdoar pela sua humanidade, na sua humanidade.

Ficou em silêncio por alguns instantes, as mãos repousando, desta vez em paz, sobre os joelhos.

E disse:

– Mas sabe? Mesmo assim eu não quero esta pessoa na minha vida.

– É uma pessoa que você não escolheria para o seu círculo de amizades?

– Nem para minha família, se pudesse escolher quem pertenceria ou não à minha família.

– Entendo. E isso é totalmente legítimo. Você pode e deve escolher quem você deseja que faça parte da sua vida e excluir quem você não deseja que faça parte dela.

Este foi um resumo de um conjunto de sessões com uma paciente e com esta paciente, entre outras coisas que aprendi, retive que:

Perdoar não é esquecer.

            Perdoar é muito mais que absolver.

            Perdoar pode ter que passar por nos perdoarmos a nós mesmos por não conseguirmos perdoar como desejaríamos.

            Perdoamos o quanto somos capazes, conscientes de que a Paz poderá tardar. Aceitarmos a nossa condição humana permite-nos viver em Paz com as limitações inerentes à nossa humanidade.

            Perdoar não implica recebermos nas nossas vidas quem não desejamos que faça parte dela.

            Nunca conseguiremos perdoar de coração se não formos completamente honestos connosco mesmos. O que, aliás, nem vale a pena tentar.

João Parente – Médico Psiquiatra e Psicoterapeuta

A “Cinderela” improvável…

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Alexandre, engenheiro de electrónica e telecomunicações, um jovem de 32 anos, profissionalmente bem sucedido, inteligente, articulado, dizia-me:

            – É isto que eu não entendo em mim, compreende? Posso achar uma mulher muito interessante, começo a sair com ela, de início corre tudo muito bem e depois lá dou por mim a pensar que seria melhor se ela ganhasse tão bem como eu, senão depois vamos ter chatices porque vai haver esta diferença de ordenados o que vai gerar problemas porque, bem ou mal, quem ficar a ganhar menos vai sentir-se menos bem que aquele que ficar a ganhar melhor, mas depois, no meio destes raciocínios, percebo que não faz sentido nenhum e que é ridículo pensar assim!

            – O que você procura é uma companheira…

            – Sim, exatamente! Mas se não for isto é outra coisa qualquer! No outro dia, quando estava com a Vera comecei a pensar na impressão que ela causaria nos meus amigos e nas mulheres deles. E se eles não gostarem dela? Que figura vou eu fazer? A Vera nem sequer licenciada…

            – E as mulheres dos seus amigos são todas licenciadas?

            – É aqui que se torna outra vez ridículo: De todos os meus amigos mais próximos só um é licenciado e só a mulher dum outro é que é também licenciada! Mas, mais uma vez, nada disto é realmente importante!

            – Alguma importância há-de ter ou estes pensamentos não lhe ocorriam sequer…

            – Mas também não quero uma “tótó” do meu lado, quero uma mulher que saiba falar, que seja divertida, que saiba comunicar…

            – Então, e resumindo, ela tem que ganhar mais ou menos o mesmo, tem que ser licenciada e extrovertida?

            – Já viu o ridículo destes pensamentos?

            – São filtros que você impõe a si próprio – acrescentei.

            – Mas com tantos filtros, uns atrás dos outros, nunca vou encontrar quem quer que seja!

            – Já pensou que pode bem ser essa a função desses filtros todos?

            Alexandre apenas sentia que existia conquanto os outros lhe confirmassem a sua existência, sentia-se aceite na mesma medida da aprovação externa e conduzia a sua vida, bem como a sua auto-estima, na dependência da evidência de ser ou não validado por terceiros.

            Desta forma, atormentava-o a ideia de ficar só porque a solidão significava a vivência de um arrebatador vazio existencial onde Alexandre não conseguia ver-se nem sentir-se, existir ou ser.

            Não compreendia, Alexandre, que não eram os outros que não o viam, que não o aprovavam ou não o aceitavam, mas antes que era ele que não se via a si próprio, não se aprovava ou aceitava senão na lógica, não do que os outros pudessem pensar dele, mas antes do que ele supunha e conjecturava fosse aceitável e aprovável aos olhos dos outros.

            Alexandre vivia cego para si próprio no pressuposto de que só existia se outros reconhecessem essa mesma existência.

            Assim, havia que fugir a todo o custo da experiência de quase morte que representava a solidão.

            Era urgente encontrar uma companheira que o resgatasse desta solidão, que o resgatasse da sua cegueira – e era aí que tudo se tornava mais difícil.

            Alexandre alicerçava a sua incapacidade para um relacionamento mais profundo numa miríade de requisitos que as candidatas deveriam ter.

            Frequentemente iniciava um relacionamento que estaria condenado a acabar pouco tempo depois por um qualquer motivo menos óbvio.

            E assim, convencido de que mais valia esperar pela “mulher certa”, repetia-se a história do príncipe à procura da sua improvável Cinderela.

            E enquanto esperava, abatia-se sobre ele o tão intolerável quanto familiar sentimento ensurdecedor de solidão e abandono: “Com a minha idade, a maioria dos meus amigos já estão todos casados!”

            Enquanto o príncipe se entretinha a comparar as “cinderelas” dos seus pares às suas candidatas, enquanto cedia aos motivos mais tortuosos para as excluir do seu universo afectivo, não tinha que se encarar a ele mesmo, ao seu sentimento de profunda inadequação e incompetência afectiva – o pavor da intimidade não era senão o pavor que alguém descobrisse a sua humanidade e falibilidade por detrás de todas as suas irrazoáveis exigências de perfeição – e descobrindo-o, o devolvesse a ele próprio, falho, imperfeito, humano, mas porventura amado.

(NOTA – O nomes, a idade do paciente e a sua profissão são fictícios.)

João Parente – Médico Psiquiatra e Psicoterapeuta

Doença Bipolar – Desmistificando certos mitos

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“- Você tem uma doença bipolar e vamos ver como se vai dar com esta nova medicação.” – disse-lhe.

          A doente encarou-me como se eu lhe tivesse pronunciado uma sentença de morte.

            – Eu tenho “essa” doença?

            – Sim – respondi.

            – Mas isso é para o resto da vida, não é?!

            – Sim. É para o resto da vida.

            – Quer dizer que vou ficar dependente destes medicamentos até morrer?

            – Não vai ficar dependente de nada. Estamos a falar de medicamentos e não de cocaína ou heroína.

            – Isso quer dizer que sou “louca”?

            – Não! Claro que não!

            – Mas posso ficar louca? Pode-me dar um “amok”? Um acto de loucura?

            Estas são perguntas muito frequentes dos meus pacientes quando lhes é diagnosticada uma doença bipolar.

            E este pequeno diálogo, tantas vezes repetido em várias consultas, expressa os inúmeros e legítimos receios dos pacientes em relação à sua doença e que, na grande maioria das vezes, são infundados.

            Costumo responder que a esmagadora maioria das doenças humanas são doenças crónicas, ou seja, “para o resto da vida”, desde a diabetes, hipertensão, alergias, miopia, artrites, artroses, úlcera péptica e por aí adiante – costumo dizer-lhes que 98 % (*) de todas as doenças humanas são crónicas e incuráveis, à excepção de algumas doenças infecciosas e, mesmo assim, não todas – as infecções por HIV, hepatite C e, por vezes, hepatite B também são incuráveis.

            Por outro lado, há que desmistificar a ideia de “dependência dos medicamentos”.

            De facto, os medicamentos habitualmente usados no controlo da Doença Bipolar, não induzem dependência química porque não são aditivos.

            Se é verdade que existem forma de doença bipolar muito graves e incapacitantes, estas não são a regra. Os medicamentos na doença bipolar permitem, na maior parte dos casos, restituir ao paciente a sua qualidade de vida e funcionalidade: “Não se trata de você não conseguir viver sem tomar medicamentos. Trata-se de viver com maior qualidade de vida.”

             Por fim, tantas vezes, entre outras interrogações, vem a “pergunta da loucura”:

            “Será que sou louca? Poderei ficar louca? Pode dar-me um “amok” e cometer um acto de loucura?”

            Chegados aqui, entramos também no território nebuloso do estigma – mais do que não querer ter uma doença bipolar, o que mais assusta o paciente é a possibilidade de ser “louco”.

            Geralmente, devolvo a pergunta com outra pergunta:

            – O que significa para si “ser louco”?

            E, não surpreendentemente, a maior parte das pessoas responde: “Não sei” ou “Diga-me você que é o médico”.

            O conceito de loucura é tão assustador que o paciente nunca reflectiu de forma ponderada e madura sobre o assunto, mas fundamentalmente, o conceito de loucura vem associado ao receio mais profundo e inaudito de perda de controlo sobre si mesmo, à perspectiva da imprevisibilidade completa do seu próprio comportamento, à incapacidade de continuar a levar uma vida funcional e capaz, à perda da autonomia e à possibilidade de uma dependência progressivamente maior de terceiros.

            Há que desconstruir todos estes receios, um por um, com uma disponibilidade total para ouvir e esclarecer o paciente.

            Frequentemente, são estas as consultas que se revelam mais decisivas no estabelecimento duma relação sólida entre médico e paciente, onde o paciente descobre um “porto seguro” para partilhar os seus maiores medos, poder desconstrui-los e “reconstruir” uma nova imagem de si próprio mais adaptativa, mas, em última análise, será a própria evolução e melhoria clínica que irá desconfirmar todos estes receios.

            Assim, este é um trabalho específico que tem que ser revisitado várias vezes ao longo do tratamento, sem nunca esquecer que os médicos nunca tratam doenças, mas antes pessoas portadoras de uma determinada doença, seja ela qual for.

(*) A estimativa é minha mas não andará longe da verdade. À parte certas viroses e doenças infecciosas controláveis com antibióticos, a esmagadora maioria das doenças humanas é crónica.

 

João Parente – Médico Psiquiatra e Psicoterapeuta

Ansiedade: o que é realmente?

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Hoje, o termo “ansiedade” é largamente usado nas mais variadas circunstâncias da vida diária, frequentemente num contexto diferente do usado em Psiquiatria e Psicoterapia. Mas em que consiste realmente a ansiedade?

A ansiedade é uma emoção desagradável semelhante ao medo mas diferente deste. Quando a ansiedade é forte e intensa torna-se, por vezes, muito difícil de suportar, trazendo uma grande sensação de sofrimento à pessoa – esse sofrimento é psíquico (sensação de medo intenso, terror, desespero), mas pode também ser físico (suores frios, palpitações, dores de barriga, tremores, sensação de desmaio).

A ansiedade é diferente do medo porque o medo é uma emoção natural que nos ajuda a identificar e reagir a uma ameaça ou uma situação perigosa. O medo é, assim, um mecanismo de “protecção” contra uma ameaça a dor física ou emocional e, dessa forma, é uma resposta “saudável”, indispensável à defesa da nossa integridade. Existe sempre uma ameaça identificável da qual nos protegemos quando temos melo, é uma emoção que serve o propósito da preservação da espécie. Já a ansiedade pode ocorrer sem qualquer ameaça externa.

Ansiedade normal ou patológica?

É normal um certo grau de ansiedade no nosso dia a dia, o qual, muitas vezes, é útil para nos estimular a agir.A ansiedade normal funciona como um impulso no sentido de ultrapassar, eliminar ou resolver a situação que é sentida como ameaça. Sob este ponto de vista, a ansiedade, em níveis aceitáveis, melhora o desempenho do indivíduo aumentando as suas capacidades para resolver os assuntos que o trazem ansioso – por isso se diz também que a ansiedade normal é adaptativa.

Por exemplo, uma certa dose de ansiedade antes de um exame faz com que um aluno tenha um melhor rendimento, tornando-o mais atento e menos disperso no seu estudo, a sua capacidade de memorização aumenta, o aluno sente-se mais motivado e suporta mais horas de estudo do que o usual – por isso, a ansiedade é, neste caso, adaptativa, porque “adapta” o estudante (no sentido de que melhora o desempenho deste) à situação que lhe causa ansiedade (neste caso, o exame que se aproxima). Nesta situação, a ansiedade é geralmente sentida e descrita como “nervosismo” e, não sendo causa de sofrimento, é considerada normal, por ser aceitável, justificável e adaptativa.

A ansiedade passa a ser considerada patológica (ou sintoma de doença) quando atinge graus de intensidade de tal modo elevados que passa a ser causa de sintomas físicos e psíquicos que já traduzem sofrimento significativo e conduzem a comportamentos menos adequados.Usando o mesmo exemplo, se o estudante encarar o exame com excessiva ansiedade, em vez de sentir um “nervosismo estimulante”, vivenciará uma sensação de “medo” ou “terror” que o incapacitarão de se concentrar no estudo. Poderá, ainda, ter sintomas físicos desagradáveis, tais como palpitações (sentir o coração bater com força ou depressa), sensação de falta de ar, tremores nas mãos ou cólicas, entre outros.

Assim, a  ansiedade é patológica – ou sintoma de doença – quando aparece sem causa aparente, sendo sentida como um medo ou apreensão em relação a algo que pode ou não vir a acontecer no futuro ou quando é desproporcionadamente intensa em relação à situação que é aparentemente a causa dessa mesma ansiedade.

Como se manifesta a ansiedade?

A ansiedade manifesta-se por sintomas psíquicos, sintomas físicos (ou somáticos) e alterações do comportamento.

Os sintomas psíquicos manifestam-se por a pessoa ter geralmente grande dificuldade em se concentrar e tomar decisões, podendo apresentar-se agitada, confusa e inquieta. Pode ter uma vaga mas persistente preocupação de que algo de terrível está para acontecer – medo de ficar louco, medo de praticar um acto de descontrolo ou medo de morrer – em última instância, o indivíduo pode estar muito apreensivo e até ser incapaz de especificar a natureza da catástrofe que sente eminente.

Em alguns casos, a ansiedade é vivida como sentimentos agudos de pânico, de tal forma intensos que o indivíduo sente urgência em fugir e escapar a uma situação supostamente ameaçadora que lhe é intolerável.

Já os sintomas físicos ou somáticos podem manifestar-se em qualquer órgão – estes sintomas não estão relacionados com qualquer doença física demonstrável – isto é, as suas origens são mais psicológicas que orgânicas. Resultam da ativação do sistema nervoso e hormonal, sendo libertadas para o sangue hormonas como a adrenalina e a noradrenalina. Podem incluir uma enorme variedade de sinais e queixas, tais como tremores, palpitações, sensação de falta de ar, suar profusamente, mal-estar gástrico e intestinal e sensações de fraqueza e de desmaio. (por exemplo, a pessoa pode sentir palpitações sem ter qualquer doença cardíaca ou dores de estômago sem ter qualquer úlcera ou gastrite).

Muito frequentemente, o doente ansioso apresenta também alterações do comportamento: intenso desassossego, tremores, incapacidade para estar quieto – com movimentos incessantes sem finalidade aparente, como esfregar as mãos, arrepanhar os cabelos ou ficar a andar de um lado para o outro.

É ainda frequente um comportamento de dependência, procurando segurança e compreensão junto de outras pessoas – dado o seu sentimento de incapacidade, solicitam frequentemente os seus familiares e amigos para que o ajudem nas tarefas mais simples, manifestando grande mal estar e inquietação caso essa ajuda seja recusada – vejamos um exemplo deste comportamento de dependência, dado por uma doente: “- Não sou capaz de fazer nada… Só de pensar que tenho que tenho que fazer o almoço ou o jantar fico logo pior… Se não é alguém a ajudar-me não sei como seria… Nem o telefone eu consigo atender… Qualquer coisa me põe mais nervosa…”

O comportamento de dependência, não sendo exclusivo do doente com ansiedade, é bastante frequente no doente ansioso.

Ansiedade: um nome, muitas formas

A ansiedade pode apresentar-se sob diferentes formas, quer sob a forma de ataques de pânico ou fobias, a pensamentos obsessivos e compulsões. Assim, pode apresentar-se sob diferentes “quadros clínicos”, isto é, diferentes conjuntos de sintomas, a que se chamamos de “Perturbações de Ansiedade”.

Passamos a descrever, de um modo sintético algumas destas “perturbações de ansiedade”:

Na Perturbação de Pânico, o individuo apresenta ataques de pânico – estes consistem em acessos súbitos, muito intensos, de ansiedade, acompanhados frequentemente de sintomas físicos, com sensação de falta de ar, palpitações, sentindo o coração a bater muito depressa, tremor das mãos, formigueiros nas mãos ou na face, por vezes vómitos, entre outros.

Caracteristicamente, o indivíduo refere uma situação de sofrimento muito intenso, com ansiedade extrema e, frequentemente, com perda de controlo sobre o seu comportamento. Estes ataques são vividos com um intenso medo de morrer ou de enlouquecer e frequentemente, a pessoa pode não ter noção do que se está a passar com ela e convencer-se de que está a ter um ataque cardíaco ou uma doença súbita grave.

Nas Fobias, duma forma simplificada, existe a “canalização” da ansiedade para determinados objectos, situações ou pessoas, que o indivíduo reconhece conscientemente não representarem um verdadeiro perigo. Por exemplo, algumas pessoas podem ter um medo tão grande de lugares fechados (claustrofobia), que se recusam a andar de elevador, mesmo sabendo que esse medo é irracional. Assim, uma fobia envolve um medo inapropriado de uma situação específica, temor que o indivíduo reconhece como sendo excessivo ou irracional. O contacto com o objecto ou situação causadores do medo ou a antevisão desse contacto podem produzir sintomas de ansiedade de intensidade variável (palpitações, suores profusos, tremores, náuseas, etc.) que pode ir até à crise de pânico. Como consequência, o indivíduo adopta comportamentos de forma a evitar a situação fóbica ou vive essas situações com intensa ansiedade.

Durante algum tempo foi habitual nos círculos psiquiátricos designar as fobias por termos técnicos derivados do latim ou do grego, como por exemplo: acrofobia (medo de lugares altos), claustrofobia (medo de lugares fechados ou espaços pequenos), aracnofobia (medo de aranhas) ou zoofobia (medo de animais). Virtualmente, qualquer objecto ou situação pode estar envolvido num caso de fobia.

Já a Fobia social consiste no temor persistente a uma ou mais situações em que a pessoa está exposta à possível avaliação dos outros e tem medo de fazer algo cujas consequências possam ser embaraçosas ou humilhantes. Exemplos: Incapacidade para falar em público, engasgar-se ao comer na presença de outras pessoas, incapacidade de urinar em urinóis públicos, tremor ao escrever sob observação de terceiros, receio de dizer coisas que considere estúpidas ou de não saber responder aos requisitos das situações sociais.

Na Perturbação Obsessivo-Compulsiva os sintomas dominantes consistem em obsessões e compulsões, as quais são fonte de sofrimento importante para o indivíduo. As obsessões consistem na intrusão persistente de ideias, pensamentos ou impulsos não desejados, que o paciente não consegue fazer parar; as compulsões correspondem à sensação de necessidade de cometer determinado acto, não desejado, ou mesmo à concretização desse acto, de forma repetitiva ou de maneira estereotipada, como resposta a uma obsessão. Obsessões e compulsões sobrepõem-se de forma tão frequente que, para fins práticos, se consideram associadas na Perturbação Obsessivo-Compulsiva.

Na Perturbação de stress pós traumático, a pessoa viveu um acontecimento não habitual para as experiências humanas que causaria sofrimento intenso a qualquer pessoa (por exemplo, séria ameaça à própria vida ou de entes queridos, destruição inesperada da habitação ou da comunidade, ver outra pessoa gravemente ferida ou morta na sequência de acidente ou de violência física). O indivíduo revive a experiência traumática persistentemente, com intensa ansiedade, podendo ter pesadelos recorrentes acerca da situação traumática. Esta é uma das perturbações de ansiedade mais conhecidas do grande público, por já ter sido várias vezes retratada no cinema, particularmente em filmes sobre temas de guerra, mas virtualmente qualquer situação traumática lhe pode estar associada (como acidentes de viação, violações, situações traumáticas em contexto de desastres naturais).

É preciso que se note que existe hoje tratamento eficaz para as perturbações de ansiedade, sendo que o tratamento pode ser farmacológico e/ou psicológico. De forma muito simplificada, o tratamento farmacológico pretende corrigir os desequilíbrios neuroquímicos que estão na base da ansiedade, enquanto o tratamento psicológico ou psicoterapia pretende ajudar o indivíduo a analisar o funcionamento psíquico, e a identificar e corrigir os aspectos psíquicos – pensamentos, emoções, crenças disfuncionais – que possam estar na origem da ansiedade.

João Parente – Médico Psiquiatra e Psicoterapeuta