Histórias de (in)verosimilhança: O maior cego é mesmo aquele que não quer ver?

A Anormalidade já não é o que era – II

Histórias de (in)verosimilhança: O maior cego é mesmo aquele que não quer ver?

A reflexão de hoje surge após ter lido a seguinte notícia publicada em Outubro passado (ver links abaixo):

Concretizou sonho de se tornar cega

Woman who dreamed about being blind had DRAIN CLEANER poured in her eyes by a sympathetic psychologist to fulfil her lifelong wish – and now she’s never been happier

eye

Será que é “normal” o que para quase todos os seres humanos é absolutamente incompreensível?

Um dos aspectos que torna a experiência humana compreensível à generalidade dos seres humanos é a verosimilhança.

É fácil de empatizar com alguém que acabou de ter uma experiência de luto, com alguém que desenvolve uma ansiedade fóbica à condução após um acidente de viação, com alguém que faz um surto psicótico após uma situação de stress intenso ou mesmo com um anti-social que viveu a infância num ambiente desestruturado e violento.

É a verosimilhança destas experiências que nos permite empatizar com as pessoas que as vivenciaram.

Mas como “calçar os sapatos” de alguém de deseja cegar para encontrar conforto?

Como empatizar com o inverosímil?

O que seria mais adequado fazer face a este desejo de cegar?

Tentar convencer esta pessoa que o seu desejo de se privar da visão é uma anormalidade que precisa de tratamento?

Mesmo que todo o seu ser vibre de dor enquanto não for efectivamente privada de ver?

E quem define este desejo de privação como uma anormalidade?

Não conseguindo “calçar os sapatos de quem deseja cegar” conseguiremos empatizar com a dor de quem sofre por conseguir ver (a ponto de desejar cegar)?

Durante muitos anos a homossexualidade era considerada uma doença, um desvio aberrante, e hoje aberrante é aquele que discrimina pela orientação sexual.

Para podermos evoluir, acabámos por nos focar na verosimilhança da dor que advinha da discriminação, incompreensão e indiferença.

Será que foi também esse o foco do terapeuta neste caso?

Qual a (in)verosimilhança que se segue? A eutanásia activa? O suicídio assistido?

De facto, este tema deixou-me com mais interrogações que respostas e não creio sequer que caiba apenas à Medicina ou à Psicologia a resposta a estas perguntas.

Mas fica a inquietação (provocatória):

Se você fosse o terapeuta, como decidiria?

João Parente – Médico Psiquiatra e Psicoterapeuta