Quem sou eu quando não faço nada?

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“Sou eu…” mas a dúvida instala-se com o fantasma dos lados temíveis desta afirmação tais como: “Sou preguiçoso(a)”, “sou vergonhoso(a)”, “sou insignificante”, “sou uma desilusão”, “sou diferente”, “sou nada…” ameaçadoras respostas para uma inocente questão.

A dificuldade em parar é um problema encontrado por algumas pessoas e que na grande maioria das vezes nem o entendem enquanto tal na sua vida. Na realidade tem sido ou foi durante anos parte da solução que encontraram para manterem o movimento e evitarem o contacto com aspectos de si que estimam, na grande maioria das vezes, serem maus.

O quebrar deste ciclo é dificultado porque, às vezes, até já se experimentou mas foi-se criticado, originando e reforçando assim a pressa e a aflição de não se parar. Ou, de outro modo, porque se tem muito medo de que exista um vazio no “nada” ou de viver uma antecipada auto-decepção com o experimentar que não sou nada de bom se não me mantiver em movimento.

Mas existe uma clara distinção entre aquilo que se sente/acredita acerca de algo e aquilo que imaginamos sentir ou acreditar.

Quando vivemos a paragem conseguimos perceber a segurança ou a vulnerabilidade que a mesma nos acresce, conseguimos perceber a qualidade do que fazemos para os outros e do que fazemos e precisamos para nós próprios. Mas sobretudo leva-nos a conseguir controlar a nossa paragem enquanto uma autorizada e real escolha e não enquanto uma fuga descontrolada que o perigo subjectivo de parar nos traz.

O conceito de “não fazer nada” também está vulgarmente associado a dois P´s importantes: o de Prazer e o de Perdido(a).

O prazer de não fazer nada não se liga bem, por um lado, com a voraz instrução educacional de esforço contínuo na vida e, por outro, com o “E agora?” que a paragem levanta. O autor Jorge Bucay defende sabiamente que o esforço só serve para prisão de ventre pois nada de verdadeiramente valioso na vida se consegue com esforço (não confundir com trabalho, disciplina e dedicação).

Digamos que é um aprender a “não fazer nada” produtivamente! Aquele em que não fazer é fazer. Aquele que se eliminam os resíduos do movimento contínuo e faz nascer/criar coisas substituindo o guião predestinado do nosso quotidiano e de nós próprios.

Esta vivência pode ser um bónus e não uma perda vazia na medida em que descobrimos potências das nossas pessoas que não têm espaço para aparecer com o medo do “nada” ser um “nada” mau.

Rita dos Santos Duarte – Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta

Pelo seu bem-estar, medite!

meditação

A prática diária de meditação, permite-nos relaxar, observarmo-nos e conectarmo-nos connosco próprios duma forma mais presente, no aqui e agora, com inúmeros benefícios quer na nossa saúde física, quer na nossa saúde mental. Esta prática não é exclusiva dos monges budistas e está ao alcance de todos nós. Basta querer e procurar informação, pois é muito simples e gratuita.

Antes de mais, liberte-se da ideia de que não irá conseguir ou de que é muito difícil e predisponha-se apenas a experimentar, sem pressa e ao seu ritmo.

Existem vários grupos com cursos iniciais de meditação. Quando realizada em casa, é aconselhável escolher um local tranquilo e reduzir a possibilidade de ser interrompido. Poderá usar velas, incenso ou música própria para tornar o local mais acolhedor para si. Também poderá praticar no campo, na praia ou em jardins públicos, desde que se sinta à vontade para tal.

Vista roupa confortável e sente-se num colchão de ginástica ou em almofadas, com os joelhos no chão, os pés em cima das coxas e a coluna direita. Se preferir, poderá sentar-se numa cadeira ou deitar-se. Pode fechar os olhos ou mantê-los abertos.

Comece por 3 minutos no mínimo e vá evoluindo. Hoje em dia, além dos cronómetros existem aplicações para telemóveis que o ajudam com sinais sonoros ou música a controlar e aumentar o seu tempo de meditação. É recomendada a prática diária. Para tal, poderá encará-la como a lavagem dos dentes. Com os benefícios que começará a notar senntir-se-á motivado para praticar cada vez mais.

Existem muitas técnicas possíveis e cada um de nós tem a sua predilecta. Aconselho-o a iniciar pelo relaxamento do seu corpo, depois de estar na posição que escolheu. Relaxe, faça três respirações profundas e concentre-se na sua respiração. Adopte a respiração abdominal imaginando que está a encher um balão na sua barriga quando inspira (4 segundos) e a esvaziá-lo quando expira (8 segundos). Permaneça neste estado de respiração consciente sentindo a ar a entrar pelas narinas e a sair pela boca entreaberta. Se quiser, pode rotular a sua respiração, dizendo mentalmente “dentro” quando inspira e “fora” quando expira. Vá aumentando o número de respirações ao longo do seu treino.

Após uma semana de meditação com respiração abdominal (que idealmente, com o treino já lhe é automática), acrescente a seguinte técnica: inicie a sua respiração abdominal e observe os seus pensamentos, emoções ou dados sensoriais (odores, ruídos, imagens, etc) sem os parar. Eles aparecem, mas deixe-os ir, não se julgue nem os agarre. Se permanecerem mais tempo, não se preocupe, deixe-os ir. Permaneça assim o tempo da sua meditação e sinta-se mindful.

Vá, não hesite, medite!

Catarina Barra Vaz – Psicoterapeuta e neuropsicóloga

Doença Bipolar – Desmistificando certos mitos

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“- Você tem uma doença bipolar e vamos ver como se vai dar com esta nova medicação.” – disse-lhe.

          A doente encarou-me como se eu lhe tivesse pronunciado uma sentença de morte.

            – Eu tenho “essa” doença?

            – Sim – respondi.

            – Mas isso é para o resto da vida, não é?!

            – Sim. É para o resto da vida.

            – Quer dizer que vou ficar dependente destes medicamentos até morrer?

            – Não vai ficar dependente de nada. Estamos a falar de medicamentos e não de cocaína ou heroína.

            – Isso quer dizer que sou “louca”?

            – Não! Claro que não!

            – Mas posso ficar louca? Pode-me dar um “amok”? Um acto de loucura?

            Estas são perguntas muito frequentes dos meus pacientes quando lhes é diagnosticada uma doença bipolar.

            E este pequeno diálogo, tantas vezes repetido em várias consultas, expressa os inúmeros e legítimos receios dos pacientes em relação à sua doença e que, na grande maioria das vezes, são infundados.

            Costumo responder que a esmagadora maioria das doenças humanas são doenças crónicas, ou seja, “para o resto da vida”, desde a diabetes, hipertensão, alergias, miopia, artrites, artroses, úlcera péptica e por aí adiante – costumo dizer-lhes que 98 % (*) de todas as doenças humanas são crónicas e incuráveis, à excepção de algumas doenças infecciosas e, mesmo assim, não todas – as infecções por HIV, hepatite C e, por vezes, hepatite B também são incuráveis.

            Por outro lado, há que desmistificar a ideia de “dependência dos medicamentos”.

            De facto, os medicamentos habitualmente usados no controlo da Doença Bipolar, não induzem dependência química porque não são aditivos.

            Se é verdade que existem forma de doença bipolar muito graves e incapacitantes, estas não são a regra. Os medicamentos na doença bipolar permitem, na maior parte dos casos, restituir ao paciente a sua qualidade de vida e funcionalidade: “Não se trata de você não conseguir viver sem tomar medicamentos. Trata-se de viver com maior qualidade de vida.”

             Por fim, tantas vezes, entre outras interrogações, vem a “pergunta da loucura”:

            “Será que sou louca? Poderei ficar louca? Pode dar-me um “amok” e cometer um acto de loucura?”

            Chegados aqui, entramos também no território nebuloso do estigma – mais do que não querer ter uma doença bipolar, o que mais assusta o paciente é a possibilidade de ser “louco”.

            Geralmente, devolvo a pergunta com outra pergunta:

            – O que significa para si “ser louco”?

            E, não surpreendentemente, a maior parte das pessoas responde: “Não sei” ou “Diga-me você que é o médico”.

            O conceito de loucura é tão assustador que o paciente nunca reflectiu de forma ponderada e madura sobre o assunto, mas fundamentalmente, o conceito de loucura vem associado ao receio mais profundo e inaudito de perda de controlo sobre si mesmo, à perspectiva da imprevisibilidade completa do seu próprio comportamento, à incapacidade de continuar a levar uma vida funcional e capaz, à perda da autonomia e à possibilidade de uma dependência progressivamente maior de terceiros.

            Há que desconstruir todos estes receios, um por um, com uma disponibilidade total para ouvir e esclarecer o paciente.

            Frequentemente, são estas as consultas que se revelam mais decisivas no estabelecimento duma relação sólida entre médico e paciente, onde o paciente descobre um “porto seguro” para partilhar os seus maiores medos, poder desconstrui-los e “reconstruir” uma nova imagem de si próprio mais adaptativa, mas, em última análise, será a própria evolução e melhoria clínica que irá desconfirmar todos estes receios.

            Assim, este é um trabalho específico que tem que ser revisitado várias vezes ao longo do tratamento, sem nunca esquecer que os médicos nunca tratam doenças, mas antes pessoas portadoras de uma determinada doença, seja ela qual for.

(*) A estimativa é minha mas não andará longe da verdade. À parte certas viroses e doenças infecciosas controláveis com antibióticos, a esmagadora maioria das doenças humanas é crónica.

 

João Parente – Médico Psiquiatra e Psicoterapeuta