Doença Bipolar: a doença dos humores – Quais os tratamentos disponíveis? É possível prever as crises?

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Parte III

Quais os tratamentos disponíveis ?

 

O tratamento da Doença Bipolar é essencialmente farmacológico e estão indicados, como tratamento de eleição, os estabilizadores do humor.

No tratamento de fase aguda são usados medicamentos que podem, no curto prazo, aliviar os sintomas, tanto do pólo maníaco como do pólo depressivo.

Na fase aguda podem usar-se medicamentos chamados de antipsicóticos. Estes medicamentos são também anti-maníacos, isto é, são medicamentos que combatem sintomas psicóticos quando estes existem, mas também reduzem sintomas do pólo maníaco, ou seja, melhoram rapidamente os estados de euforia, ansiedade, irritabilidade e insónia.

Existem também medicamentos que podem combater os sintomas depressivos, os quais, curiosamente, nem sempre respondem à medicação antidepressiva clássica. É mandatória a introdução de estabilizadores de humor em qualquer tipo e fase de Doença Bipolar que, embora menos eficazes na fase aguda serão de importância primordial na fase de manutenção, em que se pretende evitar, tanto quanto possível, o fenómeno da recorrência, ou seja, as recaídas.

Por vezes existem formas de Doença Bipolar muito graves, que não melhoram com os medicamentos e que, em casos muito seleccionados podem melhorar muito com a terapia por estimulação eléctrica do cérebro, conhecida por Electroconvulsivoterapia. Há inúmeros mitos e preconceitos acerca deste tratamento, como sendo muito violento e até desumano! Trata-se de facto de um tratamento muito seguro, feito com anestesia geral, que tem menos efeitos secundários que o tratamento com medicamentos, e que se pode traduzir numa grande melhoria clínica de pacientes que, de outra forma, não teriam qualquer tratamento eficaz disponível.

Por outro lado, além dos tratamentos médicos acima descritos, pode ser extremamente útil um tratamento psicológico ou Psicoterapia, a qual pode abordar diferentes problemas. Pode ser útil para ajudar a pessoa a quem foi diagnosticada Doença Bipolar a reorganizar a sua vida, a adaptar-se à sua doença e a reconstruir uma vida funcional e produtiva. Por outro lado, muitos pacientes mantêm sintomas depressivos, mais suaves, apesar do tratamento médico adequado, e a Psicoterapia pode ser muito benéfica nestes casos. Pode ainda ajudar os pacientes a desenvolver formas eficazes de gerir o stress e resolver problemas stressantes.

De salientar também a importância de implementar uma estratégia educacional, em que se promove a adesão do paciente ao tratamento médico e se ajuda o paciente a identificar precocemente os sinais de recaída.

É possível prever as crises?

Não é possível prever uma crise de Doença Bipolar. No entanto, sabe-se que existem factores que podem desencadear um episódio de Doença Bipolar, sendo assim possível diminuir o risco duma recaída, com base no conhecimento desses mesmos factores precipitantes. Sabe-se que o abuso de álcool e de certas substâncias ilícitas (vulgo, drogas) pode desencadear quer uma crise depressiva, quer uma crise maníaca. Também acontecimentos de vida stressantes (perda do emprego, luto na família) podem desencadear recaídas depressivas.

Por outro lado, a supressão do sono (voo de longo curso em que não foi possível dormir) e/ou alterações drásticas do ritmo de sono-vigilia podem precipitar episódios maníacos.

Há ainda factores orgânicos que podem favorecer a ocorrência dum episódio maníaco (hipertiroidismo, níveis de ácido úrico aumentados no sangue, traumatismo craniano, deficiência em Vitamina B 12, entre outros). Certos medicamentos ou substâncias podem também desencadear crises depressivas (medicamentos para a hipertensão, para o colesterol, alguns antibióticos, p. ex.) ou episódios maníacos (cafeína, cocaína, estimulantes, álcool, antidepressivos, broncodilatadores, entre outros).

Por fim, um dos desencadeantes mais frequentes de recaídas da Doença Bipolar é o não cumprimento rigoroso da medicação prescrita pelo médico psiquiatra.

Com base no conhecimento destes factores, é possível elaborar um plano de vida mais saudável que permita evitar ou prevenir a ocorrência e/ou influência destes desencadeantes, sendo que a Psicoterapia pode ajudar a pessoa a desenvolver estratégias de redução do stress e aptidões para a solução de problemas stressantes.

No entanto, não sendo possível antecipar ou prever uma crise de Doença Bipolar pode, no entanto, estar-se atento aos primeiros sinais de uma crise: por exemplo, a perda de sono é um dos mais importantes sinais de recaída de Doença Bipolar, tanto num episódio maníaco como num episódio misto, bem como o aparecimento de grande irritabilidade.

Por outro lado, a sensação interna de “aceleração”, de ter os pensamentos a “mil à hora”, o discurso mais acelerado, a menor capacidade de concentração, o iniciar várias tarefas que ficam por terminar, podem também ser sinais precoces de descompensação. Nestes casos, antecipe imediatamente a consulta com o seu médico. Um ajuste na sua medicação pode “abortar” uma crise ou atenuar a sua intensidade.

Se for familiar do paciente, o que pode fazer?

Deve encorajá-lo a recorrer ao médico logo que possível. Por vezes, quer as recaídas depressivas, quer as recaídas maníacas, podem apresentar sintomas que sugerem um corte com a realidade. Frequentemente, os pacientes com sintomas psicóticos perdem a capacidade para compreenderem que estão doentes e podem até recusar assistência médica.

Nestes casos, os familiares devem contactar o médico psiquiatra assistente ou, caso o paciente não tenha já seguimento médico, poderão recorrer ao Serviço de Urgência do hospital da sua residência e pedir para falar com o médico psiquiatra de serviço, que os aconselhará sobre os passos a tomar para conseguir que o paciente receba assistência.

Nos casos mais graves, em que haja uma situação de risco grave para o paciente ou para terceiros, ou recusa em aceitar tratamento médico, pode ser necessário um internamento compulsivo. Nestes casos, pode promover-se o internamento do paciente contra sua vontade, quando este recusa terminantemente qualquer assistência médica.

A família do paciente deve ser incluída neste trabalho de informação e esclarecimento, na medida em que vão ser as primeiras pessoas a poder ajudá-lo quando tiver uma recaída.

Se você tiver um familiar com Doença Bipolar e não souber como ajudar, acompanhe o paciente a uma consulta e, com o consentimento do paciente, coloque as suas questões ao médico.

 

João Parente – Médico Psiquiatra e Psicoterapeuta

Doença Bipolar: a doença dos humores – As causas e os tipos

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Parte II – As causas e os tipos de Doença Bipolar

Os produtos químicos responsáveis por controlar as funções do cérebro são chamados de neurotransmissores, cujos exemplos incluem noradrenalina, serotonina e dopamina, entre outros. A Doença Bipolar resulta do desequilíbrio destes neurotransmissores no cérebro. Um desequilíbrio nos níveis de um ou mais neurotransmissores pode conduzir ao aparecimento dos sintomas da doença bipolar.

Por exemplo, os episódios de mania podem ocorrer quando os níveis de dopamina são demasiado elevados, e episódios de depressão podem ser o resultado de níveis de dopamina muito baixos. Sabe-se, no entanto, que desequilíbrios noutros neurotransmissores (serotonina, GABA, p. ex.) para além da dopamina estão envolvidos na Doença Bipolar.

As causas para este desequilíbrio são genéticas e ambientais. Estudos de doentes bipolares e seus familiares, demonstram que pode existir predisposição genética para a doença bipolar, sendo que a probabilidade de contrair doença bipolar está claramente relacionada com a existência de laços genéticos com indivíduos com doença bipolar. Assim, a probabilidade de vir a desenvolver uma doença bipolar está aumentada se ambos os pais também tiverem esta doença, sendo menor se apenas um dos pais a apresentar, e ainda menor se apenas um irmão estiver afectado.

Por outro lado, no que diz respeito às causas ambientais, os acontecimentos stressantes parecem ter um papel importante no desencadear da Doença Bipolar (p. ex., uma morte na família, perda do emprego, o nascimento duma criança).

Existem diferentes tipos de Doença Bipolar de acordo com a apresentação dos sintomas. Uma característica comum aos diferentes tipo de Doença Bipolar é a existência de um padrão de depressão recorrente, isto é, que se repete no tempo e, muitas vezes, sem que haja um acontecimento de vida a que se possa identificar como desencadeante do episódio depressivo.

Assim, na Doença Bipolar tipo I existe um padrão de depressão major que é recorrente, e também episódios de mania, menos frequentes que os episódios de depressão. Na Doença Bipolar tipo II existe um padrão de depressão major que é recorrente, e ainda, episódios de hipomania, menos frequentes que os episódios de depressão. Em qualquer destes dois tipos de depressão podem ocorrer episódios mistos (acima descritos).

A Ciclotimia é um outro tipo de Doença Bipolar, em que alternam episódios minor de depressão recorrente e episódios de hipomania que, apesar de menos grave que os tipos anteriores de Doença Bipolar, pode ser também incapacitante e gerador de muito sofrimento.

Por fim, é muito importante realçar que existe um tipo de Doença Bipolar, no qual não ocorrem episódios de hipomania ou mania, os quais se apresentam como episódios de depressão recorrentes, muito frequentemente episódios depressivos mistos, em que coexistem sintomas do pólo depressivo e do pólo maníaco, que são muitas vezes erradamente medicados com antidepressivos e em que pode existir um risco significativo de suicídio.

Este tipo de Doença Bipolar não se enquadra no tipo I, nem no tipo II ou na Ciclotimia, e são agrupados numa categoria a que os médicos psiquiatras designam como Doença Bipolar não especificada, por não se enquadrar em nenhum dos tipos mencionados.

 (CONTINUA…)

João Parente – Médico Psiquiatra e Psicoterapeuta

Doença Bipolar: a doença dos humores – Em que consiste e quais os seus sintomas

É uma doença incompreendida, na qual o paciente alterna o seu estado de espírito entre as depressões e um humor exageradamente elevado que o leva cometer excessos e, por vezes, mesmo a perder a noção da realidade. Desde que adequadamente tratada, não é, na maioria dos casos, uma doença incapacitante. Mas é essencial desconstruir mitos e conhecê-la para a saber combater.

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Iniciamos hoje uma série de 4 posts acerca da Doença Bipolar, com a seguinte ordem:

I – Em que consiste e quais os seus sintomas
II – As causas e os tipos de Doença Bipolar
III – Quais os tratamentos disponíveis ? É possivel prever as crises?
IV – Mitos e crenças

Parte I – Em que consiste e quais os seus sintomas

A Doença Bipolar é uma doença do humor caracterizada pela presença de diferentes fases do humor: fase maníaca, fase hipomaníaca, fase depressiva e ainda fases mista.

Durante a fase maníaca, a pessoa pode sentir-se cheia de energia, optimismo, auto-confiança, desinibida, a velocidade do pensamento está acelerada, frequentemente fala muito e depressa, saltando, por vezes, de pensamento em pensamento, como que perdendo o fio à meada, produzindo um discurso confuso ou mesmo incoerente. A memória de curto prazo pode estar afectada, tal como a capacidade de concentração, distraindo-se com uma enorme facilidade.

Pode manifestar ideias de grandiosidade que não têm qualquer fundamento real, pode estar convencido de ser muito rico ou de ter poderes divinos ou sobrenaturais. Pode estar irritável explodindo com pequenos contratempos. De igual forma, por ser muito impulsivo e irritável, é frequente envolver-se em confrontos físicos. Esta fase – a que se chama de fase maníaca – é caracterizada por uma hiperactividade física e mental. O desejo sexual aumenta, a par com desinibição, podendo envolver-se em comportamentos sexuais de risco que normalmente não empreenderia. Pode manifestar ainda uma generosidade excessiva ou descontrolada, havendo o risco de se endividar.

Há frequentemente insónia, com redução drástica da necessidade de dormir, podendo a pessoa dormir apenas 2 a 3 horas por noite.

No entanto, podem existir fases de hipomania, nas quais estes sintomas se apresentam de forma mais atenuada, com sensação de grande energia interior, pensamento mais rápido mas sem desorganização, com hiperactividade, redução da necessidade de dormir, aumento da produtividade. A pessoa poderá ainda apresentar-se mais alegre, mais expansiva e optimista.

Estas fases podem passar despercebidas aos familiares e amigos como fases dum humor anormalmente elevado, porque não há compromisso na capacidade de desempenhar o seu trabalho. Muito pelo contrário, nestas fases, a impressão de terceiros é que a pessoa, habitualmente deprimida, está numa “fase boa” ou, no máximo, “um pouco mais acelerada”.

Na fase depressiva apresenta-se triste, desmotivado, manifesta um grande cansaço, com perda da iniciativa, perda do desejo sexual, perda do interesse por si próprio e pelos outros, podendo negligenciar os cuidados pessoais e isolar-se do mundo. Pode verbalizar baixa auto-estima e sentimentos de desespero, podendo até tentar o suicídio.

A depressão pode ser major, se for muito incapacitante, com compromisso da capacidade do individuo em cumprir as suas tarefas profissionais, gerando perda de autonomia e dependência progressivamente maior de terceiros (frequentemente até para as actividades elementares da vida diária) ou, ainda, quando a depressão se revela grave pela existência persistente de ideias de suicídio. Pode ainda a pessoa apresentar sintomas psicóticos, ou seja, sintomas que revelam um corte com a realidade, apresentando crenças ou convicções que não correspondem à realidade, como por exemplo, acreditar que está na falência, que está enfermo duma doença física grave e fatal ou a convicção de ser o responsável por todos os males do mundo. Pode ainda ter alucinações auditivo-verbais, ouvir vozes sem que consiga identificar a origem destas, que o insultam, recriminam ou desmoralizam.

A depressão minor distingue-se por ser um quadro menos grave, sem uma repercussão tão grave na vida do paciente como a depressão major. Frequentes vezes, o indivíduo não sente haver necessidade de interromper a sua actividade profissional e nunca aparecem sintomas psicóticos.

São ainda muito frequentes, nas pessoas com doença bipolar, as fases mistas, em que se misturam, ao mesmo tempo, sintomas das fases maníaca e depressiva, em que a pessoa pode manifestar tristeza, chorando facilmente, mas também inquietação marcada (com uma sensação de nervoso muidinho que a impede de descansar), ansiedade muito acentuada (podendo até ter ataques de pânico), irritabilidade marcada com explosividade (podendo zangar-se com amigos e família sem grandes motivos válidos) e insónia.

(CONTINUA…)

João Parente – Médico Psiquiatra e Psicoterapeuta

Doença Bipolar – Desmistificando certos mitos

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“- Você tem uma doença bipolar e vamos ver como se vai dar com esta nova medicação.” – disse-lhe.

          A doente encarou-me como se eu lhe tivesse pronunciado uma sentença de morte.

            – Eu tenho “essa” doença?

            – Sim – respondi.

            – Mas isso é para o resto da vida, não é?!

            – Sim. É para o resto da vida.

            – Quer dizer que vou ficar dependente destes medicamentos até morrer?

            – Não vai ficar dependente de nada. Estamos a falar de medicamentos e não de cocaína ou heroína.

            – Isso quer dizer que sou “louca”?

            – Não! Claro que não!

            – Mas posso ficar louca? Pode-me dar um “amok”? Um acto de loucura?

            Estas são perguntas muito frequentes dos meus pacientes quando lhes é diagnosticada uma doença bipolar.

            E este pequeno diálogo, tantas vezes repetido em várias consultas, expressa os inúmeros e legítimos receios dos pacientes em relação à sua doença e que, na grande maioria das vezes, são infundados.

            Costumo responder que a esmagadora maioria das doenças humanas são doenças crónicas, ou seja, “para o resto da vida”, desde a diabetes, hipertensão, alergias, miopia, artrites, artroses, úlcera péptica e por aí adiante – costumo dizer-lhes que 98 % (*) de todas as doenças humanas são crónicas e incuráveis, à excepção de algumas doenças infecciosas e, mesmo assim, não todas – as infecções por HIV, hepatite C e, por vezes, hepatite B também são incuráveis.

            Por outro lado, há que desmistificar a ideia de “dependência dos medicamentos”.

            De facto, os medicamentos habitualmente usados no controlo da Doença Bipolar, não induzem dependência química porque não são aditivos.

            Se é verdade que existem forma de doença bipolar muito graves e incapacitantes, estas não são a regra. Os medicamentos na doença bipolar permitem, na maior parte dos casos, restituir ao paciente a sua qualidade de vida e funcionalidade: “Não se trata de você não conseguir viver sem tomar medicamentos. Trata-se de viver com maior qualidade de vida.”

             Por fim, tantas vezes, entre outras interrogações, vem a “pergunta da loucura”:

            “Será que sou louca? Poderei ficar louca? Pode dar-me um “amok” e cometer um acto de loucura?”

            Chegados aqui, entramos também no território nebuloso do estigma – mais do que não querer ter uma doença bipolar, o que mais assusta o paciente é a possibilidade de ser “louco”.

            Geralmente, devolvo a pergunta com outra pergunta:

            – O que significa para si “ser louco”?

            E, não surpreendentemente, a maior parte das pessoas responde: “Não sei” ou “Diga-me você que é o médico”.

            O conceito de loucura é tão assustador que o paciente nunca reflectiu de forma ponderada e madura sobre o assunto, mas fundamentalmente, o conceito de loucura vem associado ao receio mais profundo e inaudito de perda de controlo sobre si mesmo, à perspectiva da imprevisibilidade completa do seu próprio comportamento, à incapacidade de continuar a levar uma vida funcional e capaz, à perda da autonomia e à possibilidade de uma dependência progressivamente maior de terceiros.

            Há que desconstruir todos estes receios, um por um, com uma disponibilidade total para ouvir e esclarecer o paciente.

            Frequentemente, são estas as consultas que se revelam mais decisivas no estabelecimento duma relação sólida entre médico e paciente, onde o paciente descobre um “porto seguro” para partilhar os seus maiores medos, poder desconstrui-los e “reconstruir” uma nova imagem de si próprio mais adaptativa, mas, em última análise, será a própria evolução e melhoria clínica que irá desconfirmar todos estes receios.

            Assim, este é um trabalho específico que tem que ser revisitado várias vezes ao longo do tratamento, sem nunca esquecer que os médicos nunca tratam doenças, mas antes pessoas portadoras de uma determinada doença, seja ela qual for.

(*) A estimativa é minha mas não andará longe da verdade. À parte certas viroses e doenças infecciosas controláveis com antibióticos, a esmagadora maioria das doenças humanas é crónica.

 

João Parente – Médico Psiquiatra e Psicoterapeuta

Doença Bipolar: a doença dos humores – Em que consiste e quais os seus sintomas

É uma doença incompreendida, na qual o paciente alterna o seu estado de espírito entre as depressões e um humor exageradamente elevado que o leva cometer excessos e, por vezes, mesmo a perder a noção da realidade. Desde que adequadamente tratada, não é, na maioria dos casos, uma doença incapacitante. Mas é essencial desconstruir mitos e conhecê-la para a saber combater.

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Iniciamos hoje uma série de 4 posts acerca da Doença Bipolar, com a seguinte ordem:

I – Em que consiste e quais os seus sintomas
II – As causas e os tipos de Doença Bipolar
III – Quais os tratamentos disponíveis ? É possível prever as crises?
IV – Mitos, crenças e receios 

Parte I – Em que consiste e quais os seus sintomas

A Doença Bipolar é uma doença do humor caracterizada pela presença de diferentes fases do humor: fase maníaca, fase hipomaníaca, fase depressiva e ainda fases mista.

Durante a fase maníaca, a pessoa pode sentir-se cheia de energia, optimismo, auto-confiança, desinibida, a velocidade do pensamento está acelerada, frequentemente fala muito e depressa, saltando, por vezes, de pensamento em pensamento, como que perdendo o fio à meada, produzindo um discurso confuso ou mesmo incoerente. A memória de curto prazo pode estar afectada, tal como a capacidade de concentração, distraindo-se com uma enorme facilidade.

Pode manifestar ideias de grandiosidade que não têm qualquer fundamento real, pode estar convencido de ser muito rico ou de ter poderes divinos ou sobrenaturais. Pode estar irritável explodindo com pequenos contratempos. De igual forma, por ser muito impulsivo e irritável, é frequente envolver-se em confrontos físicos. Esta fase – a que se chama de fase maníaca – é caracterizada por uma hiperactividade física e mental. O desejo sexual aumenta, a par com desinibição, podendo envolver-se em comportamentos sexuais de risco que normalmente não empreenderia. Pode manifestar ainda uma generosidade excessiva ou descontrolada, havendo o risco de se endividar.

Há frequentemente insónia, com redução drástica da necessidade de dormir, podendo a pessoa dormir apenas 2 a 3 horas por noite.

No entanto, podem existir fases de hipomania, nas quais estes sintomas se apresentam de forma mais atenuada, com sensação de grande energia interior, pensamento mais rápido mas sem desorganização, com hiperactividade, redução da necessidade de dormir, aumento da produtividade. A pessoa poderá ainda apresentar-se mais alegre, mais expansiva e optimista.

Estas fases podem passar despercebidas aos familiares e amigos como fases dum humor anormalmente elevado, porque não há compromisso na capacidade de desempenhar o seu trabalho. Muito pelo contrário, nestas fases, a impressão de terceiros é que a pessoa, habitualmente deprimida, está numa “fase boa” ou, no máximo, “um pouco mais acelerada”.

Na fase depressiva apresenta-se triste, desmotivado, manifesta um grande cansaço, com perda da iniciativa, perda do desejo sexual, perda do interesse por si próprio e pelos outros, podendo negligenciar os cuidados pessoais e isolar-se do mundo. Pode verbalizar baixa auto-estima e sentimentos de desespero, podendo até tentar o suicídio.

A depressão pode ser major, se for muito incapacitante, com compromisso da capacidade do individuo em cumprir as suas tarefas profissionais, gerando perda de autonomia e dependência progressivamente maior de terceiros (frequentemente até para as actividades elementares da vida diária) ou, ainda, quando a depressão se revela grave pela existência persistente de ideias de suicídio. Pode ainda a pessoa apresentar sintomas psicóticos, ou seja, sintomas que revelam um corte com a realidade, apresentando crenças ou convicções que não correspondem à realidade, como por exemplo, acreditar que está na falência, que está enfermo duma doença física grave e fatal ou a convicção de ser o responsável por todos os males do mundo. Pode ainda ter alucinações auditivo-verbais, ouvir vozes sem que consiga identificar a origem destas, que o insultam, recriminam ou desmoralizam.

A depressão minor distingue-se por ser um quadro menos grave, sem uma repercussão tão grave na vida do paciente como a depressão major. Frequentes vezes, o indivíduo não sente haver necessidade de interromper a sua actividade profissional e nunca aparecem sintomas psicóticos.

São ainda muito frequentes, nas pessoas com doença bipolar, as fases mistas, em que se misturam, ao mesmo tempo, sintomas das fases maníaca e depressiva, em que a pessoa pode manifestar tristeza, chorando facilmente, mas também inquietação marcada (com uma sensação de nervoso muidinho que a impede de descansar), ansiedade muito acentuada (podendo até ter ataques de pânico), irritabilidade marcada com explosividade (podendo zangar-se com amigos e família sem grandes motivos válidos) e insónia.

(CONTINUA…)

João Parente – Médico Psiquiatra e Psicoterapeuta