
No texto anterior “Sobre a dor – I” viu-se que quando se fala de dor fala-se também de sofrimento e foi explicada a sua definição. A intervenção, nestes casos, integra duas dimensões: física e psíquica, que aqui desenvolvo.
Existem várias metodologias psicológicas de intervir sobre a dor e o sofrimento, de entre elas:
– Ajudar a pessoa a reencontrar as suas estratégias de lidar com a situação, que se perderam com a dor e o sofrimento. Ao aperceber-se das diferenças nos seus comportamentos, a pessoa nota que sofreu uma reconstrução na qual a sua auto-estima e a sua auto-imagem ficaram alteradas. Este processo aumenta a auto-confiança tão necessária nestes casos e é de grande auxílio para o doente.
– Desenvolver a capacidade de gestão dos recursos da pessoa. Importa no processo terapêutico fomentar uma consciência dos recursos pessoais, sendo que a pessoa se apercebe do seu papel na gestão da sua vida. Essa gerência possibilita uma maior responsabilização do seu estado porque a própria pessoa facilita as decisões preferíveis para ela e que a podem fazer sofrer menos. Procurar colaborar com a dor e o sofrimento na vida da pessoa amplia significativamente a qualidade de vida da pessoa.
– Verbalizar a dor. Esta dimensão de intervenção evidencia todos os pensamentos que causam mais sofrimento como por exemplo verbalizando a dramatização desta forma: “nunca irei ter mais uma vida normal”, “nunca vou conseguir aliviar a dor”, “isto mata-me”, “a minha vida está estragada”. A descoberta destes pensamentos permite a pessoa constatar que estes tipos de pensamentos se diferenciam da verdadeira dor.
Sempre aliada à dimensão psicológica aparece a dimensão física, que não pode ser posta de lado. É também através do corpo que a pessoa sente a dor e o sofrimento. O corpo é então o ponto de união entre as duas dimensões e também entre a dor e o sofrimento.
Em geral, a pessoa com dor ou sofrimento não consegue fazer uma leitura correcta do seu corpo e dificilmente escolhe o que naturalmente seria bom para ela. No caso da doença da fibromialgia, o doente tem dores e sente muita fatiga e vive mal a actividade apesar de muitos estudos científicos apontarem que a actividade é muito boa para estes. Inclusive, especificamente a prática regular do yoga é entendida como sendo uma forma suave de melhorar a sua qualidade de vida.
Mas como é que a psicoterapia pode ajudar a aproximar-se do seu corpo?
Dr. Jon Kabat-Zinn escreve no seu livro sobre “A consciência plena” (Mindfulness) que “através do yoga, da relaxação e da meditação aumenta-se a conexão com o nosso corpo. Assim, conhece-se melhor o corpo. Têm-se mais confiança nele e lê-se com mais precisão os sinais que vai dando e daí pode-se harmonizar o nosso corpo.” Assim, este autor mostra que a aprendizagem corporal permite evoluir na realização do equilíbrio entre o corpo e a mente.
Neste momento estou num projecto para a inserção desta dimensão na minha intervenção psicoterapêutica. Esta aprendizagem é-me conhecida e fácil de implementar uma vez que tenho uma longa experiência de artes corporais.
A forma mais apropriada de intervir no corpo é com a aprendizagem da respiração, do relaxamento e da concentração. Os métodos para chegar a estes objectivos são vários. Apenas vou-me cingir aos que considero essenciais:
– A respiração é a ferramenta que permite regular o ritmo respiratório e deste modo reduzir e acalmar a dor e o sofrimento. Conhecer melhor o seu corpo é uma aprendizagem essencial para quem perdeu o contacto com ele. Ao respirar calmamente, a pessoa torna-se consciente e aproxima-se do seu corpo. Automaticamente, o ritmo cardíaco vai se tranquilizando o que causa na pessoa uma diminuição de dor e sofrimento.
– O relaxamento é também um meio pelo qual a pessoa aprende a distinguir a contracção da descontracção. Aliás, uma pessoa com dor tem tendência a contrair todos os músculos mesmo os que não estão afectados pela doença. Essa aprendizagem diferenciada do corpo permite ao doente obter maior descontracção pelo menos nas zonas não magoadas.
– A concentração é também um meio para atenuar a dor. Este aspecto pode ser realizado através de, por exemplo, a consciência do aqui e agora. Este exercício consiste em focalizar a atenção numa zona de dor. Este género de exercício pode ser difícil de realizar porque a pessoa com dor quer fugir desta zona. Acontece que, paradoxalmente, ajuda-a a aceitar a dor, aliviando-a!
É neste sentido que considero que a intervenção psicoterapêutica ajuda na tentativa de libertação da dor e do sofrimento. A psicoterapia auxilia mesmo a aliviar a dor procedendo desta forma à sua libertação. Igualmente, a intervenção ao nível corporal ajuda a pessoa a utilizar as ferramentas de maneira favorecer a esta diminuição da dor.
Importa realçar que a dor e o sofrimento fazem parte da condição humana e que ninguém está a salvo dessa experiência. Num artigo escrito em 2008 na revista de filosofia francesa online, sobre “A dor e o sofrimento”, um filósofo anónimo escreve que “existe um vínculo entre a dor e o sofrimento: “o sofrimento de viver e a dor de existir”. Essa descrição reforça o quanto a dor e o sofrimento por um lado estão intimamente dependentes um do outro e por outro lado estão ambos ligados à condição humana.
Se o ser humano tem que passar por essa experiência desagradável, o que pode ele fazer para a atenuar?
O meu conhecimento no Yoga transmitiu-me respostas quanto a esta noção de condição humana.
O Yoga é conhecido por todos como sendo uma prática corporal. No entanto, o Yoga faz parte de uma das linhas de pensamento da filosofia clássica Indiana. Destas diferentes linhas de pensamento, as “darshana”, refiro-me particularmente à escola de Patanjali, presumível autor do tratado dos Yoga-Sûtras, obra esta que foi escrita em sânscrito entre os séculos III ao V da Era Comum. Esta obra é considerada como uma das mais importantes do Yoga clássico.
Desta obra, vou mencionar a filosofia dos “klesas”, sofrimento em sânscrito. Segundo Vyasa e Samkhya-Karita (S.K.1), o sofrimento é separado segundo a sua origem em três categorias: aquele que provem da própria pessoa, “adhyatmika”, aquele que provem dos outros, “adhibhautika”, e aquele que provem de calamidades naturais, “adhidaivika”.
A primeira causa de sofrimento que provem da própria pessoa, “adhyatmika”, é aquele a que o Yoga se refere. Dentro das duas outras origens de sofrimento está também incluído o sofrimento de si mesmo. Neste sentido, a origem interior é a fonte principal do sofrimento tanto para a psicologia como para o Yoga.
A definição das “klesas” por Jean Papin no seu livro, “La voie du Yoga”, é traduzida como “as aflições, os sofrimentos que afligem a consciência e a condicionam”. As “klesas” são causas de sofrimento, ou mesmo, formas de pensamentos. A repetição destas leva então ao sofrimento.
As causas de sofrimento, “klesas”, apresentadas por Patanjali são divididas em cinco tipos: ego, “asmita”; medo de morrer, “abhinivesha”; aversão, “dvesha”; apego, “raga”; ignorância, “avidhya”.
A ignorância, “avidhya”, é a causa de sofrimento mais subtil e é nela que se originam as quatro outras. Esta é definida por Tara Michäel como “a presença de noções falsas e contrárias a realidade”. É acreditar que se sabe quando se está errado. É confundir uma coisa com seu oposto.
Na obra os Yoga-Sûtras de Patanjali, descrevam-se pormenorizadamente as diferentes causas e depois fornecem-se os meios tanto físicos como psicológicos para acabar com o sofrimento.
O processo das “klesas”, é similar ao processo utilizado na intervenção psicológica da dor e do sofrimento, como foi referido ao evidenciar os pensamentos que afectam o estado da pessoa e o facto destes estarem desviados da verdade. A tomada de consciência dos mecanismos do sofrimento permite à pessoa atenuá-los e até mudá-los.
É igualmente fundamental na intervenção psicoterapêutica, juntar a aprendizagem do conhecimento corporal na diminuição da dor e do sofrimento, como previamente explicado através da respiração, relaxação e concentração.
Procurar eliminar a ignorância, “avidhya”, através da tomada de consciência é um meio para se libertar deste sofrimento e ajuda a caminhar para a liberdade absoluta e para a serenidade. O discernimento, “viveka”, é desenvolver a faculdade de ver com clareza, sem ambiguidade e de forma constante. Ao atingir o discernimento, acaba-se com o sofrimento. A prática do yoga é uma forma de aplicar no nosso quotidiano estes conceitos.
Concluindo, na intervenção psicoterapêutica é capital abranger tanto a parte física como a parte psíquica. Ao aliar a componente da prática física poder-se-á potenciar a libertação da dor e do sofrimento.
Devemos então “aprender a viver de dentro, a sempre agir de dentro…” (in Sri Aurobindo, Cartas sobre o Yoga Vol. 4, p.248) para, ao atingir o autoconhecimento, acabar-se com o sofrimento.
Magali Stobbaerts