O que é o EMDR e como ajuda a ultrapassar as experiências traumáticas

EMDR

EMDR – Eye Movement Desensitization and Reprocessing – significa Dessensibilização e Reprocessamento através do Movimento Ocular.

Trata-se de uma técnica baseada nos movimentos oculares bilaterais desenvolvida em 1987 por uma psicóloga chamada Francine Shapiro. Este método procura dessensibilizar experiências traumáticas através da estimulação bilateral do cérebro.

No entanto, esta metodologia não se focaliza unicamente na estimulação do movimento dos olhos. Actua também sobre os sentimentos difíceis, pensamentos, sensações físicas e comportamentos. A estimulação do movimento ocular não é suficiente para assegurar a eficácia da metodologia. Os estudos mostram que a junção destes diferentes elementos é indispensável para uma terapia eficaz.

A força da metodologia do EMDR reside na rapidez com a qual os pacientes se libertam do peso de sensações negativas, que por vezes suportaram durante vários anos.

O EMDR aplica-se essencialmente no Stress Pós-Traumático. Muitas investigações foram já feitas nesse âmbito, nomeadamente com sobreviventes do World Trade Center, com antigos combatentes de guerra por exemplo (Vietnam, Irão, Iraque) vítimas de crimes vários (assaltos violência e abuso sexual etc), pessoas que assistiram a mortes acidentais ou violentas, ou que sofreram acidentes traumáticos.

Um estudo comparativo entre a lembrança de um mau acontecimento e a lembrança do mesmo acontecimento após ter sido utilizado o EMDR mostra que as pessoas recordam as situações negativas de forma menos intensa e menos sofrida após o trabalho desenvolvido através da estimulação bilateral e do movimento ocular (Estudo de novembro de 2013, Blurring of emotional and non-emotional memories by taxing working memory during recall, Cognition and Emotion by Marcel A. van den Hout, Marloes B. Eidhof, Jesse Verboom, Marianne Littel and Iris M. Engelhard).

Uma outra investigação sobre os benefícios imediatos do EMDR na intervenção com vítimas de violência física e após acidentes no local de trabalho mostra que a intervenção com EMDR algumas horas a seguir à situação traumática, ajuda as vítimas a estabilizar reduzindo a excitabilidade, permitindo-lhes sentir-se mais seguras e limitando a intrusão de sintomas e de comportamentos de evitamento (Investigação de Maio 2013, Benefits of immediate EMDR vs. Eclectic Therapy, Intervention for vistims od Physical Violence and Accidents at the Workplace: a pilot Study by Marie-Jo Brennstuhl, Cyril Tarquinio, Lionel Strub, Sebastien Montel, Jenny Ann Rydberg, Zoi Kapoula).

Também têm sido efectuadas investigações sobre o impacto do EMDR noutras problemáticas tais como: fobias, pânico, depressão, dor crônica, entre outros, com resultados promissores.

O método EMDR já é recomendado pela Organização Mundial da Saúde e pela Associação Americana de Psiquiatria. Foi também considerada uma abordagem psicoterapêutica baseada em evidência pela NREPP- National Registry of Evidence-based Programs and Practices.

O EMDR é igualmente uma metodologia que pode ser utilizada por diversos modelos teóricos, pois tanto pode ser utilizada num contexto de psicoterapia cognitivo-comportamental, como em psicanálise, psicoterapia dinâmica, ou em Terapia Gestalt. Esta técnica permite também, por exemplo, respeitar o pudor dos pacientes, pois estes têm a possibilidade de escolher se querem, ou não, verbalizar todos os pormenores do seu trauma.

O EMDR consegue uma aproximação “neuro-emocional” ao activar, através do movimento ocular, o sistema nervoso central conduzindo a uma aparente fase de sono paradoxal (Rapid Eye Movement REM) facilitando a troca entre o sistema límbico e o córtex. Os estudos realizados com auxílio de tomografias de alta precisão sugerem que a experiência traumática é tão forte que altera o funcionamento cerebral. Quando o cérebro é submetido a stress crónico, observa-se a actividade de muitas zonas do cérebro. Depois da terapia com EMDR verifica-se que a actividade cerebral diminui drasticamente, dando por isso espaço e oportunidade à aquisição de novas imagens não traumáticas. Os 2 hemisférios trabalham simultaneamente, não só em termos de passado e presente como em termos de emocional e racional.

O EMDR deve ser aplicado por um profissional certificado para o fazer.

Dra Magali Stobbaerts – Professora de Yoga e Psicoterapeuta

Ansiedade: o que é realmente?

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Hoje, o termo “ansiedade” é largamente usado nas mais variadas circunstâncias da vida diária, frequentemente num contexto diferente do usado em Psiquiatria e Psicoterapia. Mas em que consiste realmente a ansiedade?

A ansiedade é uma emoção desagradável semelhante ao medo mas diferente deste. Quando a ansiedade é forte e intensa torna-se, por vezes, muito difícil de suportar, trazendo uma grande sensação de sofrimento à pessoa – esse sofrimento é psíquico (sensação de medo intenso, terror, desespero), mas pode também ser físico (suores frios, palpitações, dores de barriga, tremores, sensação de desmaio).

A ansiedade é diferente do medo porque o medo é uma emoção natural que nos ajuda a identificar e reagir a uma ameaça ou uma situação perigosa. O medo é, assim, um mecanismo de “protecção” contra uma ameaça a dor física ou emocional e, dessa forma, é uma resposta “saudável”, indispensável à defesa da nossa integridade. Existe sempre uma ameaça identificável da qual nos protegemos quando temos melo, é uma emoção que serve o propósito da preservação da espécie. Já a ansiedade pode ocorrer sem qualquer ameaça externa.

Ansiedade normal ou patológica?

É normal um certo grau de ansiedade no nosso dia a dia, o qual, muitas vezes, é útil para nos estimular a agir.A ansiedade normal funciona como um impulso no sentido de ultrapassar, eliminar ou resolver a situação que é sentida como ameaça. Sob este ponto de vista, a ansiedade, em níveis aceitáveis, melhora o desempenho do indivíduo aumentando as suas capacidades para resolver os assuntos que o trazem ansioso – por isso se diz também que a ansiedade normal é adaptativa.

Por exemplo, uma certa dose de ansiedade antes de um exame faz com que um aluno tenha um melhor rendimento, tornando-o mais atento e menos disperso no seu estudo, a sua capacidade de memorização aumenta, o aluno sente-se mais motivado e suporta mais horas de estudo do que o usual – por isso, a ansiedade é, neste caso, adaptativa, porque “adapta” o estudante (no sentido de que melhora o desempenho deste) à situação que lhe causa ansiedade (neste caso, o exame que se aproxima). Nesta situação, a ansiedade é geralmente sentida e descrita como “nervosismo” e, não sendo causa de sofrimento, é considerada normal, por ser aceitável, justificável e adaptativa.

A ansiedade passa a ser considerada patológica (ou sintoma de doença) quando atinge graus de intensidade de tal modo elevados que passa a ser causa de sintomas físicos e psíquicos que já traduzem sofrimento significativo e conduzem a comportamentos menos adequados.Usando o mesmo exemplo, se o estudante encarar o exame com excessiva ansiedade, em vez de sentir um “nervosismo estimulante”, vivenciará uma sensação de “medo” ou “terror” que o incapacitarão de se concentrar no estudo. Poderá, ainda, ter sintomas físicos desagradáveis, tais como palpitações (sentir o coração bater com força ou depressa), sensação de falta de ar, tremores nas mãos ou cólicas, entre outros.

Assim, a  ansiedade é patológica – ou sintoma de doença – quando aparece sem causa aparente, sendo sentida como um medo ou apreensão em relação a algo que pode ou não vir a acontecer no futuro ou quando é desproporcionadamente intensa em relação à situação que é aparentemente a causa dessa mesma ansiedade.

Como se manifesta a ansiedade?

A ansiedade manifesta-se por sintomas psíquicos, sintomas físicos (ou somáticos) e alterações do comportamento.

Os sintomas psíquicos manifestam-se por a pessoa ter geralmente grande dificuldade em se concentrar e tomar decisões, podendo apresentar-se agitada, confusa e inquieta. Pode ter uma vaga mas persistente preocupação de que algo de terrível está para acontecer – medo de ficar louco, medo de praticar um acto de descontrolo ou medo de morrer – em última instância, o indivíduo pode estar muito apreensivo e até ser incapaz de especificar a natureza da catástrofe que sente eminente.

Em alguns casos, a ansiedade é vivida como sentimentos agudos de pânico, de tal forma intensos que o indivíduo sente urgência em fugir e escapar a uma situação supostamente ameaçadora que lhe é intolerável.

Já os sintomas físicos ou somáticos podem manifestar-se em qualquer órgão – estes sintomas não estão relacionados com qualquer doença física demonstrável – isto é, as suas origens são mais psicológicas que orgânicas. Resultam da ativação do sistema nervoso e hormonal, sendo libertadas para o sangue hormonas como a adrenalina e a noradrenalina. Podem incluir uma enorme variedade de sinais e queixas, tais como tremores, palpitações, sensação de falta de ar, suar profusamente, mal-estar gástrico e intestinal e sensações de fraqueza e de desmaio. (por exemplo, a pessoa pode sentir palpitações sem ter qualquer doença cardíaca ou dores de estômago sem ter qualquer úlcera ou gastrite).

Muito frequentemente, o doente ansioso apresenta também alterações do comportamento: intenso desassossego, tremores, incapacidade para estar quieto – com movimentos incessantes sem finalidade aparente, como esfregar as mãos, arrepanhar os cabelos ou ficar a andar de um lado para o outro.

É ainda frequente um comportamento de dependência, procurando segurança e compreensão junto de outras pessoas – dado o seu sentimento de incapacidade, solicitam frequentemente os seus familiares e amigos para que o ajudem nas tarefas mais simples, manifestando grande mal estar e inquietação caso essa ajuda seja recusada – vejamos um exemplo deste comportamento de dependência, dado por uma doente: “- Não sou capaz de fazer nada… Só de pensar que tenho que tenho que fazer o almoço ou o jantar fico logo pior… Se não é alguém a ajudar-me não sei como seria… Nem o telefone eu consigo atender… Qualquer coisa me põe mais nervosa…”

O comportamento de dependência, não sendo exclusivo do doente com ansiedade, é bastante frequente no doente ansioso.

Ansiedade: um nome, muitas formas

A ansiedade pode apresentar-se sob diferentes formas, quer sob a forma de ataques de pânico ou fobias, a pensamentos obsessivos e compulsões. Assim, pode apresentar-se sob diferentes “quadros clínicos”, isto é, diferentes conjuntos de sintomas, a que se chamamos de “Perturbações de Ansiedade”.

Passamos a descrever, de um modo sintético algumas destas “perturbações de ansiedade”:

Na Perturbação de Pânico, o individuo apresenta ataques de pânico – estes consistem em acessos súbitos, muito intensos, de ansiedade, acompanhados frequentemente de sintomas físicos, com sensação de falta de ar, palpitações, sentindo o coração a bater muito depressa, tremor das mãos, formigueiros nas mãos ou na face, por vezes vómitos, entre outros.

Caracteristicamente, o indivíduo refere uma situação de sofrimento muito intenso, com ansiedade extrema e, frequentemente, com perda de controlo sobre o seu comportamento. Estes ataques são vividos com um intenso medo de morrer ou de enlouquecer e frequentemente, a pessoa pode não ter noção do que se está a passar com ela e convencer-se de que está a ter um ataque cardíaco ou uma doença súbita grave.

Nas Fobias, duma forma simplificada, existe a “canalização” da ansiedade para determinados objectos, situações ou pessoas, que o indivíduo reconhece conscientemente não representarem um verdadeiro perigo. Por exemplo, algumas pessoas podem ter um medo tão grande de lugares fechados (claustrofobia), que se recusam a andar de elevador, mesmo sabendo que esse medo é irracional. Assim, uma fobia envolve um medo inapropriado de uma situação específica, temor que o indivíduo reconhece como sendo excessivo ou irracional. O contacto com o objecto ou situação causadores do medo ou a antevisão desse contacto podem produzir sintomas de ansiedade de intensidade variável (palpitações, suores profusos, tremores, náuseas, etc.) que pode ir até à crise de pânico. Como consequência, o indivíduo adopta comportamentos de forma a evitar a situação fóbica ou vive essas situações com intensa ansiedade.

Durante algum tempo foi habitual nos círculos psiquiátricos designar as fobias por termos técnicos derivados do latim ou do grego, como por exemplo: acrofobia (medo de lugares altos), claustrofobia (medo de lugares fechados ou espaços pequenos), aracnofobia (medo de aranhas) ou zoofobia (medo de animais). Virtualmente, qualquer objecto ou situação pode estar envolvido num caso de fobia.

Já a Fobia social consiste no temor persistente a uma ou mais situações em que a pessoa está exposta à possível avaliação dos outros e tem medo de fazer algo cujas consequências possam ser embaraçosas ou humilhantes. Exemplos: Incapacidade para falar em público, engasgar-se ao comer na presença de outras pessoas, incapacidade de urinar em urinóis públicos, tremor ao escrever sob observação de terceiros, receio de dizer coisas que considere estúpidas ou de não saber responder aos requisitos das situações sociais.

Na Perturbação Obsessivo-Compulsiva os sintomas dominantes consistem em obsessões e compulsões, as quais são fonte de sofrimento importante para o indivíduo. As obsessões consistem na intrusão persistente de ideias, pensamentos ou impulsos não desejados, que o paciente não consegue fazer parar; as compulsões correspondem à sensação de necessidade de cometer determinado acto, não desejado, ou mesmo à concretização desse acto, de forma repetitiva ou de maneira estereotipada, como resposta a uma obsessão. Obsessões e compulsões sobrepõem-se de forma tão frequente que, para fins práticos, se consideram associadas na Perturbação Obsessivo-Compulsiva.

Na Perturbação de stress pós traumático, a pessoa viveu um acontecimento não habitual para as experiências humanas que causaria sofrimento intenso a qualquer pessoa (por exemplo, séria ameaça à própria vida ou de entes queridos, destruição inesperada da habitação ou da comunidade, ver outra pessoa gravemente ferida ou morta na sequência de acidente ou de violência física). O indivíduo revive a experiência traumática persistentemente, com intensa ansiedade, podendo ter pesadelos recorrentes acerca da situação traumática. Esta é uma das perturbações de ansiedade mais conhecidas do grande público, por já ter sido várias vezes retratada no cinema, particularmente em filmes sobre temas de guerra, mas virtualmente qualquer situação traumática lhe pode estar associada (como acidentes de viação, violações, situações traumáticas em contexto de desastres naturais).

É preciso que se note que existe hoje tratamento eficaz para as perturbações de ansiedade, sendo que o tratamento pode ser farmacológico e/ou psicológico. De forma muito simplificada, o tratamento farmacológico pretende corrigir os desequilíbrios neuroquímicos que estão na base da ansiedade, enquanto o tratamento psicológico ou psicoterapia pretende ajudar o indivíduo a analisar o funcionamento psíquico, e a identificar e corrigir os aspectos psíquicos – pensamentos, emoções, crenças disfuncionais – que possam estar na origem da ansiedade.

João Parente – Médico Psiquiatra e Psicoterapeuta