A descoberta do “mindfulness” pelo mundo psi – Considerações finais
Assim, o mindfulness pode ser encarado como um instrumento
à disposição de qualquer orientação psicoterapêutica.
Mas no sentido mais puro, mindfulness é um objectivo a alcançar e não um meio para atingir um fim.
No sentido último, mindfulness é tudo menos terapia, já que a terapia trata a mente com o objectivo de a adequar, enquanto instrumento, ao seu portador – adequar a mente para que este possa, com o devido treino – psicoterapia – torná-lo um instrumento valioso e adequado para que a sua vivência do mundo e de si próprio aconteça sem sofrimento desnecessário ou, havendo sofrimento, haja adquirido as competências psicológicas para o vivenciar de forma adaptativa.
No sentido budista, mindfulness é um instrumento de desidentificação com toda e qualquer vivência, interna ou externa.
Assim, a meditação budista – centrada no mindfulness – serve para a descoberta de si próprio e para a superação da identificação das vivências do Ser com o mundo externo ou interno, já que é enquanto o Ser vive convencido da realidade e substância do seu ego, identificado e iludido – é nessa ignorância de Si próprio – que reside todo o sofrimento.
Um dia um Mestre Zen foi em visita ao mosteiro de outro Mestre Zen.
Chovia muito e depois de chegar ao Mosteiro foi recebido pelo seu homónimo com esta questão:
“- Quando você chegou ao Mosteiro chovia muito?”
“-Sim, chovia bastante.”
“-Arrumou as suas sandálias e o seu guarda-chuva quando chegou?”
“-Sim, arrumei.”
“-E arrumou o guarda-chuva do lado esquerdo ou do lado direito das sandálias?”
O Mestre que havia acabado de chegar não soube responder e reza a história que ficou mais dez anos a aprender com o Mestre que o acolheu e lhe fez aquela pergunta desconcertante.
Este é um koan Zen que ouvi pela primeira vez numa aula de meditação na União Budista e a interpretação que me ocorreu é o quão pouco nós habitamos no Aqui e no Agora, o quanto passamos a maior parte do nosso tempo vigil com uma limitada consciência da nossa vivência no presente.
Frequentemente oiço dizer (e oiço-me dizer): “O tempo voa.” “Ainda ontem fiz (isto ou aquilo que aconteceu há 20 anos)”; “Parece que foi ontem (há 10 ou 20 anos) que aquilo aconteceu”.
Se é verdade que a vivência do tempo é tremendamente relativa, também é um facto que a sensação de “desperdício” é tanto mais significativa quando ganhamos consciência que vivemos a nossa vida longe do Aqui e do Agora, porque quanto mais longe do Aqui e do Agora menos intensa e habitada à a experiência humana.
Por outro lado, quando se vive com intensidade uma determinada experiência pode também acontecer esta noção de ausência de vivência temporal. Se estivermos absortos num determinado espectáculo e a viver intensamente todas as incidências do mesmo por vezes temos a percepção que o tempo “passou num ápice”.
O que aconteceria se nos dispuséssemos a aprender a viver a maior parte da nossa vida intensamente? A habitar conscientemente cada pequeno momento? A viver cada segundo com a sofreguidão de quem vai morrer amanhã?
Será que a nossa história seria a mesma?
O que seria que nos disporíamos a escrever?