Discriminação na nossa era

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Na semana passada ouvi a seguinte notícia: “Um jovem homossexual de 21 anos atirou-se do 11º andar de um prédio”.

            Não é a primeira vez que ouço um anúncio deste tipo, mas desta vez, não me foi possível ficar indiferente a uma notícia tão violenta.

            Como disse o autor Dostoïevski: “Todos os homens são responsáveis, e eu mais que os outros”. Considerando que escrever sobre o assunto é uma forma de responsabilização, decidi fazê-lo debruçando-me sobre a questão da homossexualidade.

            Enquanto psicoterapeuta, a minha contribuição é tentar perceber a pessoa na situação e, em seguida, propor algumas ferramentas úteis e simples para evitar que um jovem sofra tanto, ao ponto de pôr fim à sua vida.

            Neste sentido, pretendo ajudar também a esclarecer qualquer pessoa interessada pelo assunto, como por um exemplo, um familiar ou um amigo.

            A definição etimológica de homossexual é a seguinte:

  • Homo: quer dizer igual, semelhante, do mesmo modo, (em grego antigo, “μός “, homos).
  • Sexual: referente ao sexo, (em latim “Sexu”, quer dizer sexo).

            No dicionário da Porto Editora, a definição de homossexualidade é a “atracção sexual entre indivíduos do mesmo sexo”. A definição no Wikipedia acrescenta que é também “o que sente atracção física, estética e ou emocional para outro ser do mesmo sexo ou género”. Aliás, também menciona que a homossexualidade faz parte da sexualidade humana e que estes comportamentos se encontram igualmente no reino animal nomeadamente nalguns mamíferos.

            A homossexualidade é uma das quatro categorias de orientação sexual: heterossexualidade, bissexualidade, homossexualidade e assexualidade. Dentro da categoria da homossexualidade, existem vários tipos de homossexuais: lésbicas, gays, transexuais, intersexuais.

Ao tentar categorizar os comportamentos de orientação sexual de uma pessoa, estas categorizações podem tornar-se confusas. Pois, o comportamento depende não só da forma de pensar e sentir a vida como também do padrão transmitido pelos pais, pela sociedade e ainda da cultura em que se enquadra. O comportamento pode até alterar ao longo da vida.

            Na tentativa de compreender o comportamento sexual dos humanos, o investigador Kinsey pesquisou e apresentou 2 relatórios relacionados com o comportamento sexual humano; um sobre o homem em 1948, e, outro sobre a mulher em 1953. Estes resultados salientaram que os hábitos sexuais dos americanos eram muito mais liberais do que se imaginava na época.

            Relativamente ao comportamento sexual do homem, os estudos demonstraram que 10% dos homens americanos eram predominantemente homossexuais independentemente dos tipos de profissões e dos níveis sociais.

            Com objectivo de avaliar o comportamento sexual do homem, o Kinsey criou uma escala de avaliação homossexual e heterossexual de 6 níveis. A grande novidade da escala de Kinsey é de ter estimado que a homossexualidade existia num continuum mais do que na separação entre os homossexuais e os heterossexuais. Alias, é desta forma introduzido o conceito da bissexualidade.

Esta escala de avaliação da sexualidade evita a categorização de uma pessoa num grupo específico de orientação sexual, dando a possibilidade de traduzir melhor a realidade, com uma maior variedade de possibilidades de orientação sexual.

            Em 1952, a Associação Americana de Psiquiatria (AAP) considerou a homossexualidade como uma desordem patológica. Os profissionais de medicina e da saúde mental evidenciaram que o facto de ser homossexual não constituía obstáculo nem para trabalhar, nem para estabelecer relações interpessoais, nem para obter uma vida saudável e feliz. Em 1973, a associação (AAP) retirou a homossexualidade do DSM (Manual de Diagnostico e estatística de Doenças Mentais). No entanto, só em 1990, é que a OMS (Organização Mundial da Saúde) retirou a homossexualidade da classificação internacional de doenças. A homossexualidade deixou então de ser considerada como uma doença. O facto de ter sido retirada a homossexualidade do DSM e da lista OMS reforça a ideia de que uma pessoa atraída pelo mesmo sexo não pertence a um grupo diferente dos outros seres humanos.

            No que diz respeito à legislação em Portugal, a homossexualidade foi descriminalizada em 1982. Em 2001, as Uniões de Facto são estendidas a casais de pessoas de mesmo sexo.

            Em 2004, a orientação sexual é incluída na Constituição Portuguesa como um princípio de igualdade. O artigo 240 do novo Código Penal de Setembro de 2007 considera crime qualquer forma de discriminação de orientação sexual.

            Desde Março 2011, depois de muitos anos de violações de Direitos Humanos, as pessoas transexuais têm finalmente direito à escolha da sua identidade sexual.

            Importa referir que ainda no nosso século a persecução da homossexualidade é punida em 80 países e condenada à morte em 9 países.

O livro chamado “Parler de l’homosexualité”, escrito pelo pastor Philippe Auzenet, descreve o comportamento homossexual demonstrando que não existe uma única homossexualidade mas vários tipos de homossexualidades. Porém, o autor ao tentar encontrar as razões que tornaram a pessoa homossexual, como por exemplo a disfunção familiar, acaba por reduzir a pessoa a uma causa e discrimina-a. Logo, a caracterização da causa é tão discriminatória quanto o categorizar das diferentes orientações sexuais.

A maioria dos estudos realizados neste domínio tenta categorizar as pessoas segundo as suas orientações sexuais. O problema da discriminação por grupos leva a que uma pessoa não se sinta não integrada e consequentemente rejeitada, além de traduzir dificilmente a realidade vivida.

            Contudo, a autora Marina Castaneda que escreveu um livro, “Comprendre l’homosexualité”, salienta sobre a identidade homossexual que o mais importante não é a pessoa se definir como homossexual ou heterossexual, mas antes deixar que a pessoa se identifique como ela própria o sente e pense. Essa abordagem acentua que a pessoa tem que se encontrar e identificar em função dela mesma independentemente das suas orientações.

            A escala de Kinsey proporciona uma solução por evitar a discriminação uma vez que não existe um limite que separa um grupo de outro.

            No sentido de intervir por forma a evitar a discriminação é fundamental que uma pessoa que possua uma atracção por alguém do mesmo sexo, não se sinta diferente dos outros, sobretudo quando se fala na adolescência que é a fase em que a integração nos grupos se torna elementar para a construção da identidade do futuro adulto. O “coming out”, ou seja, deixar de esconder a sua orientação sexual na época da adolescência, é uma fase muito vulnerável para a pessoa porque está fragilizada com a eventual hostilidade de colegas especialmente em meios escolares, ou ainda, com o medo da reacção dos pais.

            A vulnerabilidade da pessoa pode rapidamente transformar-se em depressão e até pode levar a comportamentos de risco como o uso de substâncias ilícitas. A notícia mostra quanto o risco pode ser elevado para uma pessoa que se sente discriminada. Muitas organizações homossexuais, lésbicas, bissexuais, transexuais e intersexuais afirmam que o risco de suicídio é muito mais elevado para pessoas com orientações sexuais não heterossexuais por estas serem mais usualmente rejeitadas.

            O presidente dos Estado Unidos de América, Barack Obama apoia uma campanha contra o bullying e fez um discurso em 2010, relativo a perseguição de jovens homossexuais nas escolas. Neste discurso diz, “não estás sozinho, não fizestes nada de mal, não mereces ser mal tratado e tens o mundo inteiro à tua espera, cheio de possibilidades”.

O discurso do presidente Obama transmite a ideia de que qualquer jovem tem o direito de pensar e sentir livremente, não devendo ser a sexualidade uma razão para se ser ou se sentir rejeitado. Ao mesmo tempo, realça a importância de se sentir integrado na sociedade. É uma mensagem de esperança com compreensão da situação por um lado e, por outro lado, um sentido de não discriminação. Desta forma, apoia os jovens que se sentem diferentes, rejeitados e abandonados. A forma de abordar a problemática, que foi mostrando compreensão, é uma maneira de prevenir o sofrimento.

O psicoterapeuta humanista, Carl Rogers, (1902-1987) – autor da terapia centrada na pessoa – destaca que o papel do psicoterapeuta é de ajudar a pessoa a encontrar o seu caminho. Para este efeito, ele valoriza a cooperação no processo psicoterapêutico cujo objectivo é tornar a pessoa ela mesma, libertando-se deste modo de sofrimento. Este método é também eficaz em qualquer tipo de relacionamento: na educação entre professor e aluno, no trabalho, na família, nas relações interpessoais.

No âmbito de facilitar o relacionamento de ajuda, o psicoterapeuta intervém segundo 3 dimensões que são definidas por Carl Rogers da seguinte maneira: a consideração positiva incondicional, a empatia e a congruência.

  • A consideração positiva incondicional é aceitar a pessoa tal como ela é no aqui e agora. É igualmente exprimir uma apreciação positiva sobre ela. Desta forma, a pessoa sente-se um ser humano como os outros o que lhe traz afecto e, igulamente, incentivo para continuar.
  •  A empatia consiste na capacidade de se colocar no lugar do outro, utilizando a reformulação ou a repetição dos elementos chaves da situação.
  • A congruência refere-se a coerência interna do próprio psicoterapeuta no sentido do outro sentir a autenticidade e sinceridade de outra pessoa.

Ao usar estas 3 dimensões de cooperação, qualquer pessoa pode aliviar alguém em sofrimento.

Igualmente é importante intervir junto destas pessoas, desenvolvendo uma relação de confiança para facilitar que a pessoa se abra e que se encontre.

É extremamente importante que as pessoas mais próximas, tais como pais e amigos, não neguem, nem rejeitem os sentimentos e pensamentos da pessoa, que normalmente já se sente rejeitada e discriminada. Desta forma contribuem para um sentimento de reconhecimento da pessoa, desenvolvem a auto-confiança e evitam o aumento do sofrimento da pessoa.

Convém também intervir no sentimento de vergonha que a pessoa sente pelo mau estar da sua identidade. O apoio é no sentido de transformá-lo num sentimento de orgulho. Ao libertar-se do sentimento de vergonha, a pessoa cresce com um sentimento de auto-confiança e desta forma afasta-se do sentimento de discriminação.

            O objectivo principal é o de conseguir aceitar-se a si próprio tal como se é, viver a vida amorosa e sexual de forma saudável.

            A frase de Neitzsche “Torne-se em quem você é” é o objectivo principal da ajuda para os jovens que se sentem discriminados.

Magali Stobbaerts – Psicóloga Clínica  e Psicoterapeuta