Curas distorcidas

                      Esta é uma reflexão acerca do que se faz para se evitar o inevitável.                               – O quê? Pergunta o leitor.

                      Fazer o que nos tempos actuais a sociedade ensina para evitar a dor.                  De entre as receitas que prometem curar e/ou controlar o que não se quer, tal              como, ficar deprimido, ter ansiedade, ficar “em baixo”, doente, ou ser infeliz; elegi:             Fazer meditação, ter pensamentos positivos, e ser uma boa pessoa.

Estas são receitas que algumas pessoas trazem para a terapia e que, paradoxalmente, estão associadas a confusão, frustração e ansiedade. Carlos Drummond de Andrade já nos tinha dito que “A dor é inevitável. O sofrimento é opcional.” E sabemos o quanto isto nos dá trabalho. O ponto de partida costuma ser “fazer por se evitar”, mas DEVERIA ser “fazer para se lidar”.

Fazer meditação é amplamente divulgado como ferramenta essencial de cura mas para ser eficaz requer uma relação entre corpo, coração e cabeça. A meditação funciona quando somos capazes de direccionar a atenção para uma parte dolorosa, abri-la e, posteriormente, criar uma nova consciência acerca de nós com esta experiência. Para isto é preciso estar totalmente (corpo+coração+cabeça) presente no momento e receber a auto-compaixão associada do momento de sofrimento recordado. Se não conseguir usar a informação do corpo para a traduzir e enquadrar com a cabeça será uma experiência incompleta de cura. Também pode acontecer que não saiba distinguir o que são as suas emoções e o que é a sua pessoa. Por exemplo, escutar partes internas críticas e de julgamento é, com frequência, a primeira adversidade que se encontra quando se começa a meditar. Às vezes, a primeira e última, porque o resultado de encontrar-se com um lado julgador sem ter o seu lado autêntico presente será mais ou menos como ser atirado aos lobos sem protecção. Provavelmente não vai querer repetir a experiência e talvez até queira mesmo passar a evitá-la porque tornou em medo, confusão e divisão uma experiência que se pretendia ser de alívio, clareza e de reunificação.

Os pensamentos positivos têm a capacidade de nos dinamizar, aumentar a nossa confiança e prontificar para a acção. Podem ser poções mágicas de realização porque tocam no acreditar que é possível. Relembrando Osho, os pensamentos positivos ganham poder quando se colocam no mesmo patamar que os negativos e não quando os renegam e se faz de conta que não existem. Não podem ser usados para ler estados emocionais desagradáveis; por exemplo, se acorda de manhã e não se sente animado não poderá pensar que se sente animado. Conseguir aceitar a forma como se sente e deixar correr o dia pode ser uma boa opção. Ou seja, tolerar a incerteza de como será o passar do dia quando não acorda animado pode ser surpreendentemente positivo. Se distorcer e negar a sua verdadeira realidade (do momento) estará a ser desonesto consigo e, se o fizer por sistema, poderá perder a  oportunidade de ficar disponível para encontrar o que o torna verdadeiramente animado. Contar mentiras a si próprio, acerca de si próprio, contribuirá apenas para se desligar do sentimento de si e desviar-se do seu projecto de cura.

Diria que ser uma “boa pessoa” é um princípio orientador de conduta associado ao que está certo e é bom nas pessoas. A desorientação surge quando as pessoas não sabem o quanto boa tem que ser para ser considerada uma boa pessoa e perdem-se, por exemplo, a fazer coisas pelos outros ou a evitar dores inevitáveis. Colocam sistematicamente os outros à sua frente porque ganham a aceitação (intermitente) que não têm em relação a si mesmas e, com isto, não sabem separar-se do que é informar os outros daquilo que lhes causa dor, do que é a satisfação associada à afirmação da sua defesa, do que é ter prazer em infligir dor ao outro. Uma boa pessoa tem a clareza da posição que ocupa em relação aos outros e ao mundo. Pode sentir, pensar e agir contra a vontade dos outros e continua a ser boa pessoa porque isto só significa que é diferente do outro e que está a defender valores como respeito, confiança, amizade, compaixão, gratidão, etc. Uma boa pessoa por instrução racional e sem consciência dos seus próprios valores estará muito desviada do seu auto-conhecimento e do que nos torna realmente bons. Deixar de ser boa pessoa porque já não serve as necessidades do outro é, no mínimo, perverso e não representa nenhum tipo de cura, nem pessoal, nem, e muito menos, para a humanidade.

Sabemos que é importante criar a oportunidade de nos separarmos de partes dolorosas para funcionarmos no dia-a-dia mas também que a verdadeira libertação acontece quando as curamos. Curar não é esquecer a dor, é integrar em nós de forma mais harmoniosa aquilo que nos dói. A melhor terapia usa a consciência para curar o coração (Kornfield, 2012) e isto implica alívio do medo de se ligar a si e aos outros com a benesse de conseguir transformar experiências dolorosas. A conexão estabelecida numa relação terapêutica ensina-lhe como a dor contém verdades que abrem o seu coração à alegria e à vida. É que do outro lado da dor está a força e a confiança, e, acredite, não vai querer perder esta parte. Porque depois de dizermos adeus aos demónios, precisamos aprender a viver com os nossos anjos, chama-se a isto capacidade para uma vida plena (Russel, 2015).

Rita dos Santos Duarte – Psicoterapeuta