Reconstruir Significados

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Há um livro que às vezes costumo recomendar em psicoterapia. Trata-se de “O homem em busca de um sentido” escrito por Viktor Frankl e narra as suas vivências no campo de concentração em Auschwitz. Frankl já era um reputado terapeuta antes destes acontecimentos, mas acredito que a sua forma de encarar as perdas que sofreu foi determinante para se tornar num marco incontornável (para mim) no contexto terapêutico.

Frankl afirma, e cito apenas de memória, que uma pessoa é capaz de aguentar quase tudo a partir do momento em que atribui um significado ou sentido a tal vivência. Esta atribuição de significado não desresponsabiliza a pessoa, não a resigna ou torna agente incapaz ou passivo perante as circunstâncias. Precisamente o oposto sucede, pois a partir do momento em que a pessoa assume um significado, torna-se menos paralisada e paralisável, menos assustável e assustada, uma presa menos fácil para as angústias, pequenas e grandes, desta vida.

Dezelic apresentou recentemente (em 2014) diversas fontes para construção e extracção de significado para que, perante situações inicialmente avaliadas como potencialmente trágicas, possamos pavimentar um percurso em direcção ao triunfo face às dificuldades. De forma a facilitar a sua recordação e implementação, agrupou tais fontes no modelo REACH. Assim, cada potencial fonte assume-se também como possível foco de intervenção e promoção de resiliência.

• Responsabilidade (consciência de si e dos outros, responsabilidades para consigo e para com outros, auto-descoberta, etc..)
• Experiencial (relação com os outros, com a natureza, com a arte, fé, etc..)
• Atitudinal (atitudes e concomitantes limitações face a circunstâncias e situações)
• Criativa (dons e talentos transformados e projectos, conquistados e promotores de empenho e acção)
• Histórica (legado dos passados já decorridos, legados dos presentes vividos no agora e legados a construir face aos potenciais futuros)

Este enfoque existencial alberga aspectos do famoso triângulo do significado, conjugando criatividade, experiência e atitude.
Às vezes é preciso exercitarmos um pouco mais um ou mais destes componentes, harmonizarmos, de forma responsável, o que está em desalinho. A terapia pode ser o espaço para tal, e é-o tantas vezes.

Ao terapeuta cumpre, como sempre, a função de, nas sombras, deixar o cliente brilhar. Afinal, é da sua existência, da sua responsabilidade e da sua espiritualidade (sim, assumamos!) que tratamos nestas linhas. E é na forma como o terapeuta e o cliente moldam cada um dos componentes e elementos do processo, no tempo e no conteúdo em que o fazem, que esta se torna uma partilha construída a dois, numa relação irrepetível para cada cliente e para cada terapeuta.

Ana Baptista de Oliveira – psicóloga e psicoterapeuta