É sempre tempo de construir o caminho

caminhos

Tantas vezes fazemos planos para o novo ano, mas na realidade todos os dias são oportunidades de construirmos o nosso caminho, seja prosseguindo o que iniciámos, seja interrompendo, seja mudando o curso, ou simplesmente alterando a velocidade e/ou a direcção.

Fazer caminhadas, prática aconselhável para a nossa saúde e ao alcance de todos, é o que acontece quando numa determinada altura decidimos caminhar num determinado local, durante um determinado tempo. No entanto, duma forma ou de outra, todos nós, sem tomar expressamente a decisão de o fazer, andamos quando nos deslocamos de um lado para o outro, ainda que seja pouco, ainda que seja em locais poluídos, ainda que seja de forma pouco consciente ou escolhida, apenas porque é a forma de nos deslocarmos para fazer isto ou aquilo, mas, por vezes também, sem que daí resultem grandes benefícios para a saúde.

Vemos portanto, que podemos caminhar sem grande consciência de o fazer, ou podemos fazê-lo de um modo mais consciente e voluntário, porque gostamos, ou para nos sentirmos mais saudáveis.

Tomemos agora a nossa vida como um caminho… Como nos diz o poeta António Machado: Não há caminho, o caminho faz-se ao andar.

O caminho é o espaço que separa o nosso nascimento da nossa morte. É o tempo -duração- que medeia entre o primeiro choro e o último suspiro. Mas esse espaço/tempo somos nós que o preenchemos. Os passos serão nossos, o ritmo será nosso e as direcções escolhidas também. Então o caminho é o percurso que formos construindo entre esses dois marcos.

É certo que a liberdade nunca é total (de resto, se o fosse, impediria qualquer compromisso…), é certo também que, para além da herança genética, o ambiente sócio-económico, cultural, educacional e político do país, local, família, tempo em que nascemos, são alguns dos factores determinantes. Há sempre constrangimentos. Todos os temos, maiores ou menores, duma ou de outra ordem. Mas existe sempre, também, espaço para transformação e mudança, espaço de liberdade e crescimento, também estes, factores determinantes.

Quando sentimos esse espaço de liberdade como não suficiente, talvez seja necessário começar por alarga-lo, já que nos sufoca e nos impede de andar.

Contudo, é bom não esquecer, que muitas vezes, somos nós próprios, por variadíssimas razões, a prender-nos, a tolher a nossa própria liberdade, a impedir-nos de caminhar.

Ficamos então a funcionar num espaço/tempo entre nascimento e morte como se esse fosse o nosso próprio percurso, aquele que o destino nos concedeu, não tendo consciência que essa existência sem marca, não tem de ser a nossa vida, sendo apenas o tempo, o acaso e as circunstâncias a desenrolarem-se e a exporem-se perante nós, ficando nós como espectadores que reagem ou não, mas não agem nem sobre si nem sobre o ambiente.

Ao perdermos a oportunidade de transformar a nossa existência/duração e as suas circunstâncias na nossa própria vida, ao não agarramos nessa existência – essa massa informe – para lhe dar forma, limitamo-nos a habitar um espaço e um tempo, sem vontade nem alento, como se alguém, que não nós, pudesse indicar-nos e escolher o nosso caminho melhor do que nós mesmos.

Se qualquer de nós é único, porque haveria de ser o nosso caminho ou o ritmo a que o percorremos, igual ao de um outro?

Como poderá qualquer outro ter a ousadia de saber qual deverá ser o meu caminho?

Por vezes andamos perdidos e confusos. Se aceitarmos esse tempo como necessário e como fazendo parte do nosso caminho, um compasso de espera para tomarmos decisões, poderemos tolerar melhor esses momentos de incerteza. Tão desajustado e perigoso pode ser navegar continuamente contra a corrente, como deixar-nos constantemente ir ao seu sabor. No primeiro caso podemos consumir demasiada energia e não conseguirmos usufruir de tranquilidade, no segundo caso, podemos desaguar onde não queremos, sem nos realizamos, sem nos cumprirmos. Saber escolher alturas e tempos para optar por um ou por outro é fundamental.

Caminhar com saúde mental é construir o caminho sabendo dosear esforço e repouso, sabendo observar, escutar, sentir, reflectir, agir e reagir, sabendo planear, mas também improvisar e aceitar o imprevisto.

É fundamental ganhar consciência de que a vida não é nem uma corrida, nem um concurso de perfeição, nem uma competição. É uma construção pessoal única, irrepetível e inigualável. Sempre!

Esse processo de criação do nosso próprio caminho está cheia de aprendizagens, em que os “erros” fazem parte. Medo de errar é medo de viver, é receio de caminhar e, no entanto, a morte não chegará mais tarde por isso, apenas surgirá com um sabor mais amargo, o sabor do vazio de não se ter construído um caminho.

Caminhar é uma descoberta, do próprio, dos outros e da vida, porque, se “não há caminho”, então ele não é mais do que o nosso próprio desenvolvimento e construção, às vezes por tentativa e erro, em que não deve haver receio de retroceder, de cair, de sair magoado, de fazer um desvio, de parar… Enfim, de fazer desse caminhar uma aventura, nuns dias mais ousada, noutros mais previsível e calma, numas alturas com acontecimentos que nos transcendem, noutras, colhendo os frutos do que fomos semeando (conscientemente ou não…), por vezes sozinhos, outras acompanhado, numa viagem que se deseja plena de autorrealização.

Quanto mais realizados nos sentirmos neste caminhar, melhor será a nossa saúde e bem-estar, melhor estaremos connosco e com os outros, mais preparadas estaremos para o final do caminho.

Cristina Marreiros da Cunha – Psicóloga e Psicoterapeuta

Elogio -benefício e dependência-, Auto-estima e Bem-estar

elogio

O elogio pode definir-se como sendo um louvor, ou seja, é a expressão de uma opinião favorável e de apreço por alguma coisa e, ou, por alguém.

O apreço, é um componente do amor e da amizade. Todos nós, enquanto seres sociais e em relação, gostamos de nos sentir apreciados pelos que nos são mais próximos e significativos, pois essa é uma forma de nos sentirmos gostados e amados.

Um indivíduo adulto, em princípio, não deve ter necessidade de ser elogiado por pessoas que não lhe sejam particularmente chegadas, embora possa gostar de sentir o seu trabalho reconhecido, pois isso reforça o seu sentido de competência.

A investigação já mostrou o caminho que conduz as crianças a tornarem-se adultos autónomos, sem necessidade absoluta de reforços externos (o que não significa não ver o seu trabalho dignamente remunerado ou respeitado). A Teoria da auto-determinação de Ryan e Deci, diz-nos que a motivação regulada por factores externos (como, por exemplo, o elogio), será posteriormente introjectada, depois identificada e integrada, isto é, transformar-se-á, progressivamente, numa motivação muito próxima da intrínseca, que não necessita de reforço externo e que nos é natural. Para que este caminho seja possível é necessário que a criança se vá sentindo:

competente (ter confiança nas suas capacidades para conseguir os seus objectivos)

,– autónoma (sentir algum grau de liberdade – adaptada à idade – para tomar as suas decisões sem se sentir pressionada ou recriminada) e

– apoiada (ter relações interpessoais satisfatórias e colaborativas).

Assim, podemos perceber que a ausência de elogios sinceros específicos e bem orientados na infância contribui para a pouca perceção de competência.

Este facto poderá reflectir-se na vida adulta, quer ao nível das tomadas de decisão na vida pessoal e profissional, quer ao nível da dependência do elogio, para ser possível sentir algum valor pessoal. Como se a essência da pessoa tivesse ficado nas mãos de outros a quem atribuímos o poder de a controlar…

Não havendo reconhecimento externo, ou a pessoa aprendeu a funcionar suficientemente bem com os seus padrões e reforços internos, ou seja, independentes do reforço externo que recebe, ou a sua motivação diminui, podendo mesmo conduzir a estados depressivos.

O elogio e a crítica construtiva são guias preciosos de orientação para se perceber o que fazer e como fazer.

Pode ser mais importante uma crítica construtiva, do que um falso elogio. A crítica nunca deve ser humilhante e não deve ser dirigida à pessoa, mas sim ao seu comportamento específico em determinada circunstância. Uma criança nunca deve sentir que o amor por ela está, ou fica posto, em causa “se”… (qualquer coisa que não agrade aos pais).

Se tudo é sempre bom e elogiado ou se tudo é sempre mau e nunca elogiado, a criança não tem guias externos que possa ir interiorizando ao logo do seu desenvolvimento.

O elogio deve ser específico a determinada tarefa ou comportamento, contribuindo, assim, para que a criança se aperceba do que é capaz (percepção de auto-eficácia) e sirva, também, como guia motivador do caminho a seguir.

Quando elogiamos alguém, devemos ser genuínos, não bajuladores ou manipuladores, focando-nos no que queremos elogiar. Os elogios devem dirigir-se ao empenho, envolvimento, método, bem-estar, auto-satisfação, etc.

A criança deve ser elogiada sobretudo no sentido de se sentir bem com o que faz, devendo ser realçado: o empenho com que se dedicou à tarefa, a satisfação que sentiu ao fazê-la ou ao terminá-la, o tempo que lhe dedicou, ou as descobertas que fez no percurso. Porque, se o resultado não foi bom, não vale a pena dizer que foi. Contudo, se o empenho foi grande, se o trabalho foi bem planeado, ou feito com dedicação, então essa deve ser a parte a merecer o elogio.

Isto não é o que algumas escolas obcecadas com rankings, ou empresas, querem ouvir, mas o importante para o bem-estar psicológico do indivíduo é o processo e não o resultado.

Quando se elogiam os resultados e não os processos, estamos a transmitir um sinal de que o importante é chegar lá e não como chegar lá. (Daí à batota e à corrupção vai um passo). Além disso, não estaremos a contribuir para o saborear dos processos, nem para a sua introjecção, dificultando assim, a integração da motivação, e contribuindo para que se mantenha a necessidade de reforço externo. Ao premiar resultados, que podem ter pouco a ver com o trabalho e a realidade específica da criança, podemos estar a definir metas absolutas, que para alguns serão inatingíveis, o que fará com que se desmotivem, à partida, para qualquer trabalho que, sabem, nunca irá chegar aos resultados que são esperados, e os únicos que, aparentemente, merecem ser elogiados. A criança, em vez de aprender a tirar satisfação do que faz e dos seus próprios progressos, aprende que há um lugar inatingível onde ela nunca chegará, podendo sentir-se responsável pela desilusão dos seus pais que não se podem orgulhar dela. Fica assim esquecido, o valor fundamental da auto-realização, continuando-se a fomentar a dependência da “cenoura” (reforço externo) para se ter a sensação de sucesso.

Este tipo de ênfase conduz, na maior parte das vezes a adultos que, sendo bons ou mesmo muito bons no que fazem, (e teoricamente bem sucedidos) encerram em si, uma enorme sensação de vazio, de ansiedade generalizada e de desconhecimento de si próprios, vivendo quase permanentemente em desassossego e com uma auto-estima baixa, apesar dos “sucessos”.

A baixa auto-estima está sobretudo associada a uma expressão deficiente dos afectos, ou seja, a um amor que é percebido pela criança como sendo condicional e relacionado com os seus feitos, resultados ou comportamentos.

As crianças com baixa auto-estima não se sentem amadas pelo que são, mas pelo que fazem

A baixa auto-estima está associada a dois estilos educativos, nomeadamente ao estilo autoritário com altos graus de exigência combinado com pouca demonstração de afecto e ao estilo permissivo, ou seja, sem regras e afectivamente desligado. No primeiro caso, os elogios são muito raros, pois a criança necessita de atingir os altos padrões exigidos pelos pais, e ainda assim, o elogio pode vir com um “mas”, como é o caso de frases como: «Estiveste bem, mas não fizeste mais do que a tua obrigação», ou «Nada mal, mas podias ter feito ainda melhor». É assim passada a ideia de que nunca nada é suficiente para se merecer um elogio (sem “mas”), ou para se estar à altura das expectativas dos pais/cuidadores. No segundo caso, pode haver elogios, só que estes são arbitrários, sem critério, o mesmo podendo acontecer com as críticas que podem “chover”, aleatoriamente, pois não há uma real atenção à criança nem às suas necessidades. Elogios e críticas surgem assim ligados à boa ou má disposição dos pais, e não a qualquer tentativa de guiar a criança com coerência.

Um dos objectivos da educação – e da psicoterapia, enquanto reexperienciação e reparação de processos danosos – será tornar o adulto capaz de ser juiz de si próprio, logo, capaz de se conhecer e saber avaliar o seu trabalho, e sentir quando está plenamente satisfeito com o que fez, ou não. Esta regulação entre a auto-satisfação e a tolerância à auto-insatisfação é essencial para a nossa sensação de Realização Pessoal e de Bem-estar Psicológico

A auto-satisfação terá tendência a proporcionar tranquilidade, enquanto a auto-insatisfação poderá funcionar como motivação para a aprendizagem.

Se nos reportarmos ao Modelo de Complementaridade Paradigmática (MCP) de António Branco Vasco, um, dos sete pares de necessidades psicológicas, é precisamente: Tranquilidade —- Actualização/exploração. Outro dos pares é: Auto-estima —- Auto-crítica.

Será fácil perceber a importância do elogio e da crítica construtiva durante a infância, para a boa regulação destas duas necessidades, de polaridades opostas, mas dialeticamente complementares; por um lado, a capacidade para a pessoa se sentir satisfeita consigo própria (auto-estima) e por outro lado, a capacidade para identificar, tolerar e aprender com insatisfações pessoais (auto-crítica).

De acordo com o autor do MCP, é, precisamente, o processo contínuo de negociação e balanceamento das duas polaridades que permite o Bem-estar Psicológico.

Cristina Marreiros da Cunha – Psicóloga e Psicoterapeuta

 

A Resiliência da Fragilidade

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How fragile we are” assim diz a música do Sting que canta e relembra a fragilidade do ser humano quando as estrelas ficam zangadas. Mas, curiosamente, conhecendo os lugares pouco luminosos para onde estas estrelas nos levam também conhecemos um outros, aqueles em que se testa o quanto aguentámos a zanga estrelícia e esses fortalecem-nos, relembrando a máxima “O que não nos mata, torna-nos mais fortes”. E forte não é sempre erguido. É antes umas vezes erguido outras caído o que importa é saber que podemos cair e que, nalgum momento, também nos conseguiremos erguer.

A proposta é de que conhecendo a fragilidade (a nossa, dos outros e a da própria vida) tem-se OPORTUNIDADE para também conhecer a RESILIÊNCIA. Este é um conceito complexo mas que, essencialmente, pretende definir a capacidade das pessoas lidarem com problemas, superar obstáculos e/ou resistir à adversidade de situações (traumas, stress, etc.) sem entrar em ruptura psicológica. Ou seja, mantendo-se próximo do que era o seu estado anterior à situação, não ficando preso na dor da experiência.

Parece-me que a viver a vulnerabilidade humana resulta de uma percepção/avaliação de se estar em risco numa situação e, perante isto, assumirmos que a única hipótese é encaixarmo-nos na nossa fragilidade com os nossos sentimentos, corpo, coração e alma. Vivemo-la e descobrimos os cambiantes da sua dor. Chorar, gritar, desesperar, zangar são acções válidas e necessárias na fragilidade porque a partir delas conhecemos aspectos como o alívio, o apoio, a tranquilidade, a esperança e até o amor. Estas dimensões passam a ser conhecidas porque admitimos que tudo é autorizado a ser vivido na situação fragilizante e porque esta permissão torna mais claro o que é e não é de valor na vida.

Para se ser resiliente temos que conhecer e abraçar, por momentos, o nosso risco, desprotecção e depois ir descobrindo, conhecendo e abraçando o que o atenua ou afasta. Um grande bónus disto é o crescimento pessoal que acontece. Afinal, existe um movimento adaptativo de MUDANÇA no ser humano que tem como orientação o que é agradável e vivo por oposição ao que é desagradável e árido. Este movimento implica TEMPO real (dias, meses, anos) e está presente em todos nós talvez sob o desígnio de instinto de melhor sobrevivência.

Os momentos em que nos sentimos sozinhos, tristes ou desprotegidos fazem parte da condição humana mas a forma como os agarramos e os integramos é que faz com que sejamos mais ou menos resilientes atribuindo piores ou melhores argumentos à vida, tal como diz a música:

Tomorrow’s rain will wash the stains away

But something in our minds will always stay

Perhaps this final act was meant

To clinch a lifetime’s argument

  Rita dos Santos Duarte – Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta