COMO É QUE É MESMO ISTO DE PÔR LIMITES?

limites
Tenho me apercebido com vários pacientes, e mesmo com pessoas da minha vida pessoal, e por vezes eu própria, que a ideia de colocar limites é muito assustadora, traz a ameaça da perda, de magoar o outro a um nível que destrua a relação.
Ainda que os nossos limites possam sim ser incompreendidos pelo outro e por isso fazerem-no sentir-se magoado, e até possam ser prelúdios de um fim se o outro não os souber acolher e respeitar, também é verdade que são os limites, as “regras do jogo”, que nos permitem interagir de uma forma positiva e construtiva, que dá estrutura, segurança, e favorece as relações.
Ao refletir sobre esta dificuldade em colocarmos limites, tem-me surgido que parte dela poderá advir também de uma distorção ou um enviesamento que sinto que fazemos no a quem é que sentimos que os estamos a colocar.
Geralmente o outro sente que lhe estamos a colocar limites a ele, e parece-me que frequentemente compramos esta ideia, quando na realidade estamos, ou deveríamos estar, a colocar limites a nós próprios, o que podendo parecer o mesmo é na realidade bastante diferente e a própria experiência psicológica de o fazer é diferente e em mais do que um sentido.

Quando sinto que estou a colocar limites ao outro sinto que o estou a privar da liberdade dele, quando reconheço que estou a colocar limites a mim próprio percebo que estou a usar da minha liberdade para me proteger ou defender, que é bastante diferente.
Imaginemos uma discussão exaltada e infrutífera com um familiar perante a qual digo “chega, não vou mais alimentar esta discussão hoje”; se achar que estou a colocar um limite ao outro, a minha experiência é tendencialmente bem mais negativa, e a meu ver incorreta, do que se reconhecer que não o estou a impedir a ele mas sim a colocar um limite a mim, sou eu que decido alimentar ou descontinuar a discussão naquele momento.

Apesar de eu ver benefícios no perceber que é a nós, mais do que aos outros, que colocamos, ou deveríamos colocar, limites, este reconhecimento nem sempre é suficientemente motivador; colocarmo-nos limites a nós pode ser tão ou mais difícil do que supostamente os colocarmos aos outros; isto porque temos uma certa tendência para esperar que os outros cooperem e ressentimo-nos quando nos sentimos abusados, advogando que eles deveriam ser mais maduros, mais compreensivos, mais respeitadores, enfim; e esta postura de nos colocarmos limites a nós implica assumirmos que, apesar de podermos ficar magoados ou desiludidos com as atitudes do outro, é nossa responsabilidade acima de tudo tomarmos uma atitude afirmativa e auto-protetora perante os potenciais abusos dele e mantermo-nos fiéis às nossas decisões.

Os limites mais produtivos, ainda que talvez mais difíceis, precisamente pela responsabilidade que acarretam, passam por:

  • Mantermos a consequência que estipulámos para o comportamento desadequado do outro, seja o mau comportamento de um filho, seja uma postura intrusiva ou abusiva de um amigo ou familiar;
  • “Engolirmos” a necessidade de ganhar as discussões lutando ad aeternum para que o outro compreenda o nosso ponto de vista (ele por seu lado também luta para ser entendido, e nesta luta ambos se esforçam por se fazer ouvir e nenhum realmente se disponibiliza para escutar);
  • Mantermo-nos fiéis e respeitarmos as nossas necessidades nas relações que estabelecemos, sejam elas manter uma certa distância quando o outro é demasiado intrusivo, pedirmos explicações quando o outro é pouco claro, repormos a realidade dos factos quando o outro é injusto, e até pôr um fim na interação ou na relação quando o outro repetidamente é desrespeitador, desconsiderante ou tóxico.

Tudo isto aguentando a angústia e o medo que a situação também nos causa a nós (e lá está, essencialmente medo da perda do outro ou do seu amor).

Parece difícil? Talvez porque realmente o seja, mas quando temos a coragem de nos responsabilizarmos e tomarmos as rédeas da nossa vida, colocando-nos os limites que isso implica, tendemos a acabar por nos sentir mais seguros e satisfeitos nas nossas relações, porque contribuímos para elas se tornarem menos caóticas, menos pesadas, mais saudáveis, mais seguras.

Joana Fojo Ferreira – Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta

 

Ansiedade social e medo de falar em público

O que é a ansiedade social?
A ansiedade social é um padrão persistente de desconforto e nervosismo acentuado em contextos sociais; podem ser contextos de interacção, ou contextos de desempenho, como o caso de falar em público.
A emoção comumente associada à ansiedade social é a vergonha, o medo de ser ridículo ou desadequado, e de ser julgado e criticado pelos outros.
A pessoa com ansiedade social tende a ter uma imagem de si como socialmente desadequada ou sem valor, como uma fraude que não merece a atenção ou o reconhecimento dos outros.

De onde vem e como é que é mantida a ansiedade social?
Esta sensibilidade extrema à crítica e a ser visto como desadequado ou impostor, advém tipicamente de na infância ter recebido mensagens críticas de estar a ser vergonhoso ou não estar a ser suficientemente bom; mensagens estas que podem ter sido mais explícitas ou mais implícitas.
A pessoa cria portanto um modelo de si como alguém defeituoso ou inferior e esta imagem prolonga-se pela sua vida e é frequentemente reforçada pela própria pessoa sem que ela se aperceba disso. O que geralmente acontece é que, para lidar com esta ansiedade, desenvolve estratégias que aliviam a curto-prazo, mas que alimentam a imagem negativa de si a médio-longo prazo.
Por exemplo, a pessoa tende a preocupar-se excessivamente com o seu desempenho, no sentido de evitar falhas que possam ser julgadas pelos outros, e neste processo perde o contacto com a sua experiência no momento e o conteúdo do que quer apresentar, no caso de uma comunicação em público, e passa a observar-se de fora, a focar-se na imagem que estará a passar aos outros. Isto naturalmente desconcentra-a da tarefa em si e pode inclusivamente prejudicá-la, reforçando a ideia de que se é incompetente ou inferior.
Outro exemplo é o processo de evitamento: face ao medo de falar em público, evita fazê-lo, mas ao evitá-lo perde a possibilidade de desconfirmar a sua crença negativa de si e reforça a ideia de que não é suficientemente competente.
Ainda um outro, a pessoa com ansiedade social tende a tentar passar a melhor imagem possível de si, com a ideia de que qualquer falha, por pequena que seja, vai ser alvo de crítica e humilhação; mas ao não expor os seus lados mais frágeis e vulneráveis fica sempre com a sensação de estar a ser uma fraude, e à custa disso tem dificuldade em acreditar e integrar o feedback positivo dos outros, sentindo que eles só têm uma boa imagem de si porque não a conhecem verdadeiramente.

Como é que se quebra o ciclo de ansiedade social?
Sucintamente há dois focos, há o foco dos comportamentos que contribuem para manter a ansiedade social, e há o foco das experiências precoces, na infância, que contribuíram para esta vergonha excessiva e esta imagem de si como defeituoso e inferior.
Para o primeiro foco, é preciso desafiar estes comportamentos: refocar na tarefa em vez de se estar a focar exageradamente em si, combater o evitamento e expor-se de facto às situações temidas, e aprender a vulnerabilizar-se perante os outros, percebendo que todos temos defeitos e não nos tornamos obrigatoriamente alvo de crítica e ridicularização por eles.
Para o segundo foco, o trabalho é muito de descobrir internamente o que o tornou tão vulnerável à crítica e à ridicularização, que experiências contribuíram para esta imagem tão negativa de si, no sentido de poder desfazer esta imagem e contribuir para um maior à vontade e maior satisfação nas interacções e desempenhos sociais.

Naturalmente que este trabalho não é fácil sozinho, caso sinta que a ansiedade social prejudica seriamente a sua vida pessoal ou profissional e a sua satisfação com os seus relacionamentos e interacções, invista num trabalho psicológico que o possa ajudar a recuperar ou a descobrir uma forma mais tranquila e satisfatória de estar consigo próprio e com os outros.

Joana Fojo Ferreira – Psicóloga e Psicoterapeuta

Contra Argumentos Não Há Factos

Sim, é verdade, a versão original é “contra factos não há argumentos”; no entanto, a nossa mente é tão poderosa que, por lógico que seja pensar que contra factos não há argumentos, os argumentos que a nossa mente cria tendem a ser difíceis de combater por mais factos que lhe peçamos para considerar.

Se não vejamos, quantas vezes fazemos interpretações das motivações dos outros, por exemplo de não gostarem verdadeiramente de nós, para quando eles explicam o motivo da ausência ou da indisponibilidade, nós acharmos mesmo assim que estão só a ser simpáticos e por mais que neguem no fundo não gostam de nós. Ou por exemplo, quando surge um boato sobre alguém, mesmo que venha a ser desmentido, ficamos sempre com a pulga atrás da orelha e tendemos a ter dificuldade em verdadeiramente voltar a confiar. E ainda outras vezes, no que toca a nós próprios, criamos ideias sobre quem somos e como funcionamos, e quando nos indicam uma característica diferente que vêem em nós, tendemos a defender-nos e ter dificuldade em nos revermos na característica que nos estão a atribuir.

O que é que se passa aqui: entre várias razões possíveis para esta dificuldade da mente em desconfirmar ideias pré-concebidas, uma é que temos uma história de desenvolvimento que molda a visão que temos do mundo e das coisas, e que influencia a interpretação que fazemos dos factos. Nós não somos tábuas rasas que se limitam a receber estímulos do exterior e a responder em conformidade e apenas ao estímulo específico, as nossas experiências passadas, as nossas ideias e opiniões, as nossas inseguranças, as nossas peculiaridades, contribuem para fazermos associações de coisas e ideias, de forma que, quando estamos a responder a um estímulo, não estamos apenas a responder a esse estímulo mas a toda uma rede de associações a ele, sejam elas ligações mais próximas ou mais distais, façam elas mais ou menos sentido face ao estímulo específico apresentado.

Qual é o antídoto para este mal que nos assola: em primeiro lugar é importante clarificar que não há uma receita única nem nenhuma só por si suficientemente eficaz, no entanto, há alguns cuidados que podemos ter que poderão favorecer cairmos menos vezes neste erro.
É importante procurarmos manter um espírito de abertura à informação que recebemos do exterior, e permitirmo-nos verdadeiramente questionar possibilidades alternativas às nossas percepções, aos nossos “argumentos”, ainda que questionando, naturalmente, as motivações e os argumentos dos outros também. E por outro lado, é importante não desconsiderar a importância de “dormir sobre o assunto”, disponibilizarmo-nos para voltar a pensar sobre a questão mais tarde, menos a quente, menos defensivos, com as ideias mais claras e a mente mais aberta.

No fundo é importante estarmos abertos a (re)construirmo-nos ou (re)descobrirmo-nos a cada momento, cientes que isso não muda a nossa essência e o nosso valor, mas pelo contrário permite tornarmo-nos mais conscientes e mais coerentes connosco próprios.

Doutora Joana Fojo Ferreira – Psicóloga e Psicoterapeuta 

 

Sobre a Autonomia

Recentemente li o livro A traição do Eu: O medo da autonomia no homem e na mulher de Arno Gruen, e apercebi-me como de facto tendemos a gerir as nossas vidas de acordo com uma ideia de autonomia incongruente com o que ela realmente implica.

Segundo o autor, “a autonomia é o estado de integração em que uma pessoa se encontra em plena concordância com os seus sentimentos e as suas necessidades. (…) Da autonomia faz parte a capacidade de ter um Eu alicerçado no acesso a sentimentos e necessidades genuínos.” (págs. 17 e 18).
Paradoxalmente, geralmente associamos a pessoa autónoma à pessoa independente, controlada, bem adaptada socialmente, por muito que esta pessoa possa não reconhecer qualquer sentimento de tristeza, zanga, medo, ou qualquer necessidade de proximidade, de conforto.

Ao colocarmos este peso na ideia de autonomia, colocamo-nos necessariamente em conflito entre um Eu ideal (supostamente autónomo porque independente e controlado), favorecido pela sociedade ocidental actual, e o Eu real (genuinamente autónomo, mas não reconhecido socialmente como tal), que por vezes tem dores, que tem fragilidades, que precisa de proximidade e de conforto. Estranhamente, este é o Eu socialmente rotulado como fraco e dependente.
Assim, quando puxamos o suposto lado da autonomia (portanto o independente e controlado), reprimimos a possibilidade de satisfação no contacto com a nossa realidade interna e a possibilidade de conforto na interdependência (no equilíbrio entre a proximidade e o isolamento). Criamos a fantasia que ou somos “autónomos” e fortes ou somos dependentes e fracos, sem percebermos que proximidade e autonomia não são incompatíveis, eu não preciso de me isolar para ser autónomo e posso retirar conforto na proximidade sem me tornar dependente.

É muito importante percebermos que a nossa saúde mental não passa por nos adaptarmos às expectativas dos outros negligenciando-nos a nós próprios; a nossa saúde mental passa por encontrarmos, mantendo-nos próximos aos outros, um espaço para reconhecermos e cuidarmos das nossas emoções e necessidades.

Joana Fojo Ferreira – Psicóloga e Psicoterapeuta

SOBRE A ANSIEDADE

ansiedade

Go to the heart of danger for there you will find safety

[Vai ao coração/âmago do perigo, lá encontrarás segurança]

Provérbio Chinês

Proponho uma reflexão sobre o que são e de onde vêm as perturbações da ansiedade.
A ansiedade é matreira: dirige a nossa atenção para as nossas sensações corporais ou para estímulos externos percepcionados como perigosos, para esconder o significado implícito deste medo exagerado. A pessoa ansiosa como que foge de si própria, desenvolve estratégias de evitamento que se materializam nos sintomas de ansiedade e, neste esforço de evitar o contacto com as suas feridas psicológicas, vai reforçando mais e mais a sua percepção negativa de si.

Como é que se desenvolve uma perturbação da ansiedade?
Cada vez mais se reconhece que as perturbações da ansiedade têm origem em experiências de vida dolorosas: experiências traumáticas, traições por outros significativos, respostas ineficazes a acontecimentos de vida, entre outros. Estas experiências criam feridas do self, percepções negativas de si, como incapaz de lidar com os desafios da vida, e estas feridas são tão poderosas, estão tão presentes na vida das pessoas (embora de uma forma implícita, não consciente), que as tornam hipersensíveis a qualquer situação no presente que se assemelhe de alguma forma a estas memórias dolorosas, que active a ferida. No esforço de prevenir a exposição a estas feridas, desenvolvem-se estratégias de protecção desadequadas, que são os sintomas mais visíveis da ansiedade.

Como é que se quebra este ciclo de sintomatologia ansiosa?
Apesar destes comportamentos de protecção desadequados trazerem algum alívio imediato por impedirem o contacto com as feridas, tendem a agravar o sofrimento por reforçarem a perspectiva negativa de si, como incapaz, desadequado, vulnerável…
Apesar do sofrimento imediato que acarreta entrar em contacto com as nossas feridas psicológicas e com as memórias dolorosas que lhes deram origem, é este contacto, no seio de uma relação terapêutica segura e apoiante, que permitirá atender a elementos adaptativos que não foram anteriormente processados e recuperar uma imagem de si mais positiva, capaz de mobilizar recursos para lidar de forma eficaz com os desafios da vida.

Confie no provérbio chinês, é no âmago do perigo que encontrará a segurança.

Joana Fojo Ferreira – Psicóloga e Psicoterapeuta

Que Atitude tem Perante a Vida?

atitude perante vida
Estão três pessoas a pôr tijolos e passa um homem que pergunta a cada uma:
“O que é que está a fazer?”.
A primeira responde:
“Estou a assentar tijolo”.
 A segunda responde:
“Estou a montar uma parede”.
A terceira responde:
“Estou a construir uma catedral”.
Quando olha para a sua vida o que é que vê? No que é que está a investir?
Facilmente caímos no erro de achar que a vida é o que é e que não temos qualquer poder sobre ela, mas será de facto assim?

Na história inicial, três pessoas, de um ponto de vista externo, partilham a mesma realidade, estão a pôr tijolos, mas de um ponto de vista interno, cada uma tem diferentes perspectivas do que está a fazer, dá um significado diferente ao seu trabalho, o que sugere uma postura diferente perante a vida.
A primeira parece olhar o mundo de um ângulo muito estreito, focada na tarefa mas com pouca visão da imagem maior, do objectivo, do propósito. Há momentos em que este modo é importante, focarmo-nos no aqui e agora, sem passado nem futuro, a estar simplesmente; mas é arriscado estarmos sempre aqui; perdendo o objectivo maior, a visão macro, corremos o risco de desmotivar, perder o rumo, perder o sentido da vida.
A segunda já parece ter aumentado um bocadinho o ângulo, já tem esta perspectiva maior, já há um propósito, um objectivo; a esta o que parece faltar é a visão mais sonhadora, mais idealista; há uma ideia dos objectivos intermédios mas faltam os objectivos maiores, os projectos de vida.
A terceira parece ter o ângulo mais abrangente; há um projecto de vida no qual está a investir, para o qual está a trabalhar. Há também um potencial risco nesta postura; se ficarmos só pelo objectivo último, sem investir nas capacidades e ferramentas que precisamos para o alcançar, corremos o risco de nunca o realizar. Não parece contudo ser o caso aqui, há um sonho mas há também o pô-lo em prática e começar a construí-lo do princípio.

Clarificadas estas três formas de estar e olhar para a vida, urge questionar:
Primeiro, onde é que eu me coloco? E segundo, o que é que eu quero fazer da minha vida? Quero assentar tijolo, montar uma parede ou construir uma catedral?

Perda ou Transformação?

Na minha prática clínica tenho-me deparado com uma grande dificuldade dos meus pacientes em expressarem desacordo, mágoa, ressentimento, ou agirem de formas contrárias àquilo que sentem que são as expectativas ou desejos de outros significativos.
Ao explorar o que é que receiam que aconteça se se expressarem de forma congruente com o que estão a sentir, surge frequentemente o medo de perder o outro, que o outro não suporte a crítica ou o desacordo e que haja uma ruptura na relação.
Um trabalho útil com estes pacientes é treinar a assertividade, explorando formas de nos afirmarmos perante estes outros significativos de uma forma cuidadosa que melindre o outro o menos possível; mas a realidade é que estes pacientes não deixam de ter algum fundamento no seu receio, frequentemente os primeiros movimentos de auto-afirmação são de facto mal recebidos do outro lado.

A reflexão que vos venho propor é até que ponto é que esta reacção menos positiva do outro implica necessariamente perda ou, pelo contrário, potencia transformação da relação.
Não sejamos utópicos, se introduzo uma dinâmica nova na relação (por exemplo expressar mágoa por a minha opinião não ter sido levada em conta numa decisão com implicações para os dois), não posso esperar que o outro mantenha a mesma postura, ele terá que digerir a novidade e precisaremos os dois de um período de ajustamento à nova dinâmica, ou de um período de negociação de uma terceira dinâmica, construída em conjunto, que responda de forma mais equilibrada às necessidades de ambos. Ou seja, preciso dar espaço ao outro para que ele me devolva o ponto de vista dele sobre a situação que desencadeou o problema, como é que ele lida com esta mudança no sistema que eu estou a propor, e que condições é que ele precisaria ter satisfeitas para conseguir de forma mais tranquila responder à minha necessidade (por exemplo, o outro poderia devolver que não se tinha apercebido que eu tinha uma opinião diferente, mas que de facto era importante para ele que eu estivesse confortável com a decisão e precisaria por isso que eu passasse a expressar as minhas opiniões com mais clareza para ele perceber que há ali uma opinião contrária que precisa ser levada em conta).

E pensarão: “mas comigo isto não funciona assim, o outro não vai reagir tão bem”. Talvez tenham razão, é provável que a primeira reacção seja de defesa e de desagrado pelo comentário, mas lá está o tal período de ajustamento e de negociação, em que o treino de assertividade referido inicialmente tem um papel importante no mantermo-nos afirmativos das nossas necessidades e direitos por um lado, e ao mesmo tempo abertos a perceber o ponto de vista do outro, que elementos é que estão a dificultar a compreensão da mensagem de ambos os lados, e como é que podemos atingir um equilíbrio entre aquilo de que cada um não abre mão e no que estamos disponíveis para ceder.

Joana Fojo Ferreira – Psicóloga e Psicoterapeuta

Expressão de emoções e necessidades em casal

casais
Amamo-nos muito mas não funciona, não nos conseguimos entender!”

As relações íntimas de casal são uma área particularmente importante das nossas vidas, mas apesar de as desejarmos muito e de tendermos a sentir-nos incompletos, não totalmente realizados, sem elas, a realidade é que gerir a relação não é fácil e mesmo havendo amor, nem sempre a relação flui, às vezes parece não funcionar.

O que é que acontece? Apesar de numa relação termos à partida um objectivo comum, alimentar a relação, mantê-la viva e saudável, não deixa de ser verdade que temos duas pessoas na equação, muitas vezes com registos de funcionamento diferentes, cujo contraste pode criar choque e este choque prolongado no tempo cria padrões de interacção desadequados com uma escalada de frustração, agressividade e/ou afastamento.

Quando dentro destes ciclos desadequados de interacção, as dificuldades são duas:

  • Primeiro é muitas vezes difícil para cada elemento do casal aceder ao que está a sentir, começa-se a funcionar em modo automático, em que atacamos o outro e nos defendemos dos ataques do outro, sem conseguir parar para pensar o que é que está a acontecer comigo, dentro de mim, o que é que eu estou a sentir que faz com que eu aja desta forma agressiva ou, pelo contrário, demasiado distanciada?
  • Segundo é muito difícil partilhar de forma adequada o que se está a sentir e o que precisaríamos do outro, da relação, e tendemos a ser críticos e culpabilizantes do outro, apontar-lhe o dedo, crê-lo intencionalmente agressivo ou negligente, mais do que verdadeiramente expressarmos as nossas vulnerabilidades, as nossas angústias, as nossas emoções, as nossas necessidades.

No sentido de tentar quebrar estes ciclos e de tanto aceder como expressar emoções e necessidades em casal, sugiro o seguinte exercício[1]:
Numa folha de papel desenhe uma tabela como a seguinte:

E comece a preencher.
Como? Deixo um exemplo: Quando tu chegas tarde (situação), eu sinto-me zangada (reacção emocional) e reajo criticando-te (reacção comportamental). Isto esconde a minhaansiedade e sentimento de rejeição (emoção de base). O que eu preciso realmente é sentir que sou importante para ti (necessidade geral), e portanto preciso quetu me ligues a avisar que vais chegar mais tarde (necessidade específica).

Desta forma, a nossa activação emocional tende a baixar e a receptividade do outro à nossa necessidade tende a aumentar. É como se encontrássemos aqui um ponto de equilíbrio em que conseguimos comunicar um com outro, cria-se um espaço para ouvir e ser ouvido.

[1] do livro Emotion-focused couples therapy: The dynamics of emotion, love, and power de Greenberg e Goldman (2008)