Aceitação, uma palavra complexa

Aceitação

Aceitação, uma palavra que merece a nossa atenção nesta época de balanços de final de ano e planos para o Ano Novo.

As várias ciências e disciplinas têm um vocabulário que lhes é próprio. Quando o vocabulário não faz parte da linguagem comum, é mais fácil perceber que estamos perante uma linguagem técnica, mas quando são utilizadas palavras que fazem parte do léxico de todos nós, as interpretações tornam-se mais confusas. Tomemos por exemplo a palavra “positivo”, tantas vezes utilizada na linguagem vulgar, para designar algo de bom, mas cujo significado em ciência é apenas o de: estar presente, existir, poder assinalar-se.

Sabemos o quanto um resultado “positivo” numa análise laboratorial, pode revelar-se negativo para o nosso bem-estar…, mas pode também revelar-se positivo, dependendo de a que é que se refere a “positividade”

Em Psicologia, tal como noutras ciências ou áreas específicas do Saber, encontramos muitas palavras que são utilizadas na linguagem comum, mas que se revestem de um significado mais restrito e específico, ou mesmo diferente no âmbito dessa área.

Actualmente ouvimos cada vez mais a palavra “aceitação”.

 “Aceitarmo-nos a nós próprios”; “aceitarmos os outros” “aceitarmos a vida e as suas vicissitudes” “aceitarmos incondicionalmente os nossos filhos”…

Mas o que significa em termos psicológicos de facto “aceitar”?

“Aceitar” significa simplesmente não negar a existência e encarar com verdade o que é, e o que está, englobando essa realidade.

Aceitação não significa aprovação, consentimento ou resignação a essa mesma realidade, isto é, não implica qualquer tipo de aquiescência, abdicação ou renúncia. Implica, isso sim, aceitar a realidade da existência, de forma a podermos responsabilizar-nos por esse facto, conhecimento, ou constatação.

Aceitação é mesmo o primeiro passo para se poder escolher mudar, ou não, o que está e o que é, quando tal é possível, e pacificarmo-nos quando não o é.

Aceitação é sentir e perceber que os outros são o que são e que não podemos querer que eles sejam como nós desejaríamos que fossem

Aceitação é, neste sentido, o contrário de negação. Ao que é negado não é reconhecida existência, logo não fica ao alcance do nosso pensamento ou acção.

Para que possamos pensar sobre, agir, transformar, incorporar, lutar, pacificar, necessitamos em primeiro lugar de aceitar a existência duma determinada realidade, facto, emoção, pensamento.

É apenas a partir dessa plena aceitação e fruto dela, que podemos conscientemente decidir o que fazer.

Olhemos para a realidade do dia a dia:

Se não aceitarmos que estamos doentes, não faremos nada para nos tratar.

Se não aceitamos que alguém legislou mal, não podemos lutar para que legisle bem,

Se não aceitarmos que os nossos filhos precisam de ajuda especializada, não a procuraremos nem os ajudaremos

Se não aceitarmos que os outros são como são, não podemos amá-los incondicionalmente ou afastarmo-nos e protegermo-nos dos seus abusos.

Se não aceitarmos que vida pode ser injusta, nada faremos para que seja mais justa,

Se não aceitarmos a morte como inevitável, não viveremos a vida plenamente.

O mesmo se passa com a nossa realidade interna:

Quando negamos e evitamos as nossas próprias emoções e pensamentos, estamos a impedir-nos de aceitá-los, logo estamos a impedir-nos de agir sobre eles.

Acontece que todos nós temos tendência para negar e/ou evitar o que é desconfortável e doloroso, mas ao fazê-lo, estamos a negar-nos a possibilidade de qualquer mudança. Ficamos pois, cativos da dor, da zanga, da frustração ou da resignação, que nada tem que ver com aceitação.

Aceitar profundamente o que não pode ser mudado é também um passo para a sabedoria de perceber a diferença entre o que pode e não pode ser mudado

(tal como nos recomenda a Oração da Sabedoria)

Nesta época de planos e esperança num novo ano, talvez possamos começar por escutar e olhar a nossa realidade e abraçá-la aceitando-a pelo que é. Por vezes, esta aceitação é o ponto de chegada de que necessitamos para fazer face a determinadas realidades que não podemos controlar e que estão fora da nossa vontade ou acção. Outras vezes, a aceitação é simplesmente o ponto de partida para podermos alterar, transformar, evoluir.

A aceitação plena é uma libertação e, como tal, permite mais escolhas, tomadas de decisão e um maior grau de satisfação connosco e com a vida.

Cristina Marreiros da Cunha – Psicóloga e Psicoterapeuta

Pensar em mim? Mas posso estar a ser egoísta…

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Reconhecer aquilo que desejamos e satisfazer as nossas vontades nem sempre é uma tarefa fácil, sobretudo porque confundimos Auto-cuidado com Egocentrismo. Se decidirmos que aquilo que nós queremos é sempre secundário àquilo que achamos que os outros querem de nós teremos um projecto de vida pouco ambicioso e marcado por insatisfação constante. Pode até obter-se alguma satisfação momentânea mas esta é mais ligada ao alívio, por exemplo, de um medo (e.g. do outro não gostar de nós) do que propriamente à satisfação prazerosa e tranquila de algo (e.g. sentirmos-nos genuinamente apreciados pelos outros com aquilo que é genuinamente o nosso desejo e a nossa vontade).

Para se conseguir atender ao que se precisa é preciso Auto-cuidado. Este sentimento que nutrimos em relação a nós próprios tem raízes no Amor-próprio e na capacidade de considerar as nossas necessidades quando percebemos que algo em nós está a ser puxado para além dos nossos limites. Assim, tomam-se escolhas que priorizam ou contemplam as nossas necessidades e conseguimos alguma gratificação através de acções que desenvolvemos para mostrar aos outros o desejo da nossa vontade ser contemplada. E isto não é definido por evitar algo mas antes por uma direcção para satisfazer algo… como tal, não é Alívio é Satisfação!

Pode então colocar-se a questão, o que é que distingue o Auto-cuidado do Egocentrismo?

Diria que o que distingue um do outro é a regra de utilização. Na primeira é discriminada e flexível e na segunda é indiscriminada e rigidificada.

No Auto-cuidado balança-se com flexibilidade aquilo que eu preciso com a perspectiva do outro e negoceia-se ou decide-se qual a urgência de se ser satisfatoriamente atendido, por si (e.g. consolando-se) ou pelo outro, sendo isto traduzido na expressão do que se pensa ou sente.

No Egocentrismo a regra de priorização da minha pessoa é cristalizada, fixa e tirana porque acho que devo ser sempre atendido primeiro e em qualquer circunstância. Não existe a capacidade de me mover para a perspectiva do outro e de a cruzar com a minha de forma balançada.

Surpreenda-se que também é Egoísta quando está a agir pensando exclusivamente nos outros, afinal de contas está mesmo é apenas preocupado com algo que quer que os outros pensem ou sintam em relação a si e não genuinamente interessado naquilo que é você próprio e no que são verdadeiramente os outros.

 

Rita dos Santos Duarte – Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta