Para ser absolutamente honesta tenho que partilhar que não sei se sei escrever sobre isto, é tão subjectivo, tão abstracto, e com potencial para seguir tantos caminhos, que me assusto sempre face à perspectiva de ser demasiado reducionista. Decidi contudo arriscar e partilhar uma das várias possibilidades de olhar para isto da felicidade.
A primeira questão que me surgiu foi O que é que significa ser feliz?
A primeira resposta foi Não faça a mais pequena ideia. Depois, talvez fruto da frustração, questionei-me Será que é relevante? Será que existe tal coisa? Mas como qualquer uma destas respostas deixava o meu intento de escrever sobre a felicidade cair por terra, a brincar com as palavras da própria questão pensei E se o significado de ser feliz for precisamente viver com significado, com sentido?
Não sei como é que isto vos soa, para mim confesso integrou muito bem tudo o que me apela para felicidade.
Ser feliz é viver com sentido, de forma coerente com o que a cada momento se sente, se precisa. É dar significado às coisas e viver de acordo com o significado que têm para nós.
Sorrir quando apetece chorar não faz sentido e não traz felicidade. Só dar quando se precisa também receber pesa, não faz sentido, não traz felicidade. Estar próximo dos outros quando se precisa mesmo é estar só não faz sentido, não traz felicidade…
Ser feliz é sorrir, ou mesmo gargalhar, quando dá vontade. Mas é também chorar quando as lágrimas pedem para sair. Ser feliz é dar quando se pode e se deseja. Mas é também receber quando se precisa. Ser feliz é estar próximo quando se precisa de proximidade. E é afastar-se quando se precisa de isolamento. Ser feliz é abrirmo-nos ao mundo quando tanto nós como o mundo estão disponíveis. E é recolhermo-nos em nós próprios quando precisamos de um tempo para nós, de introspecção.
Para ser feliz não há uma receita porque a felicidade não é um produto final. Ser feliz é um processo, de simplesmente ser como se é, estar onde se está, como se precisa ser e estar a cada momento, sem nos cobrarmos por isso.
Psicologia? Muitas as definições ao longo da história, muitas as ideias do senso comum.. Porque sorri o bebé, porque os filhos se rebelam contra os pais, porque nos lembramos de andar de bicicleta vinte anos após a última experiência, porque cantam os pássaros, porque falam, amam e guerreiam os homens?
Ora, a grande tarefa da Psicologia consiste precisamente em responder a esta última questão: O que fazem os homens e porque o fazem? E tudo isto são comportamentos e a psicologia é a ciência que os estuda a todos.
Partindo do pressuposto que a vida é repleta de comportamentos realizados, bem como de razões para serem feitos, é também importante pensar que existem consequências associadas aos mesmos, frequentemente difíceis de lidar ou gerir. Desta forma, pode ser necessário e pertinente recorrer a um psicólogo em momentos de vida mais complicados, como por exemplo, quando um processo de adaptação não corre como era esperado, quando existem comportamentos desajustados e desenquadrados, quando se é confrontado com situações de perda/rotura, quando se têm que tomar decisões difíceis, com vantagens/desvantagens várias e ambivalentes, ou quando existe sofrimento associado a uma vivência em particular.
Muitas vezes, nessas situações o pensamento inicia num ciclo vicioso do qual é difícil sair e a pessoa é conduzida frequentemente a becos sem saída e a caminhos labirínticos de sofrimento psicológico, desconforto e angústia. O primeiro passo, ou seja, reconhecer e ter consciência da situação em que se está é frequentemente o mais difícil, seguido da necessidade de mudança, como algo fundamental a realizar.
Contudo, também se verificam situações em que não existe aparente sofrimento psicológico, e aí, outras razões podem conduzir a uma consulta ao psicólogo, tais como a procura de auto-conhecimento e de desenvolvimento/crescimento pessoais.
Para além do contexto individual psicoterapêutico, a Psicologia tem também um papel fundamental em tudo o que implique mudança de comportamentos, podendo interligar com outras áreas específicas, na promoção da educação para a saúde e melhoria de hábitos e estilos de vida saudáveis, tão actualmente referidos nos contextos de prevenção de condições de saúde (agudas ou crónicas).
Porém, para muitos a Psicologia continua a estar associada unicamente às questões da saúde mental (por exemplo: perturbações da ansiedade, da personalidade, dos estados de humor, etc.) e de forma comum pensa-se que as preocupações e problemas mais relacionados com o quotidiano (por exemplo, alterações de emprego, de casa, situações de perda e rupturas relacionais, preocupações com o desempenho escolar e comportamento dos filhos, etc.) podem apenas ser resolvidos porque partilhados com amigos, familiares, colegas… Porém, convém pensar que estes são entes queridos com quem se estabelece um outro tipo de relação (de amizade, de amor, etc.), que não são técnicos especializados e que não podem assumir este “pesado” papel. Assim, estas questões precisam ser encaminhadas para o contexto psicoterapêutico, que pode mesmo evitar que estas se cristalizem em “gavetas internas” para sempre seladas, acabando por ter consequências futuras graves no bem-estar e qualidade de vida gerais, bem como noutras áreas do funcionamento pessoal e no relacionamento com os outros.
Portanto, quando o sofrimento psicológico se instala e os recursos para lidar com o mesmo escasseiam é necessário encontrar apoio especializado, neste caso o psicólogo (ou até um outro técnico de saúde mental) que ouve, compreende, aceita, ajuda a pensar sobre os problemas e acompanha o caminho da mudança.
Mas, apenas procurar ajuda no local certo não basta: a pessoa também tem que ter consciência da necessidade em se implicar, ela própria, no processo, num caminho a dois. O psicólogo não vai por si só resolver os problemas, não vai apresentar soluções mágicas, nem tem “comprimidos” fantásticos para apagar estas “dores”… Esta “caminhada” não é um processo fácil, compreende um longo e às vezes sinuoso caminho a percorrer, mas necessário para o restabelecimento do equilíbrio psicológico.
É também fundamental estabelecer uma boa relação com o psicólogo, sendo este um aspecto crucial a ter em conta para o processo terapêutico ser levado a “bom porto”. A pessoa deve sentir-se num clima de confiança, compreensão e empatia. Se tal não acontecer, é legítimo que experimente e consulte um outro psicólogo.
Portanto, a Psicologia deve ser encarada, cada vez mais, como algo que faz parte dos cuidados globais de saúde a ter consigo próprio, comparável a ter um sintoma físico, por exemplo, uma constipação, e, dirigir-se ao local exacto para a tratar, neste caso o médico especialista. Se é natural ir ao médico e cuidar do corpo quando ele dá sinais físicos de aviso, o que será que impede de, com a mesma naturalidade ir ao psicólogo, quando a mente também envia “sinais de aviso”? Porque será que se evita prestar os mesmos cuidados à nossa saúde psicológica, pensando erroneamente que os problemas acabarão por passar por si mesmo? Preconceitos, ideias pré-concebidas, crenças, estigma?!… Pois, aqui poderá estar o ponto de partida, porque está ao alcance de cada pessoa começar a fazer a diferença para uma melhor saúde psicológica.
E, como se de “constipações” se tratassem, estes “avisos psicológicos”, quando não “curados” podem também acabar por reaparecer mais cedo ou mais tarde, podendo chegar mesmo até, às proporções de uma “pneumonia”…
Passos Importantes
Identifique se existe alguma situação que lhe provoca sofrimento e desconforto psicológicos.
Não avalie a sua reacção pela forma como os outros lidam com essa mesma situação. Não se esqueça que algo que lhe é penoso, pode não o ser para outra pessoa.
Ainda que esteja inseguro e com dúvidas em relação a ir à consulta, dê pelo menos oportunidade a si mesmo para experimentar.
Marque uma 1ª sessão.
Tenha consciência que este é um caminho a dois, que implica compromisso e envolvimento do próprio no seu processo terapêutico…
«Estou num hall circular rodeado de portas. Numa delas lê-se: Departamento de ESTATÍSTICA. Entro. Vejo linhas e gráficos, distribuições de indivíduos, a maior parte representada pela mesma cor, e uns quantos por cores diferentes, a maioria não é de raça branca, a maioria está mal alimentada e em extrema pobreza, a maioria tem muitas crianças que morrem. Estará a maioria da população aqui representada? A maioria será o “normal”? Isto será o “equilíbrio”?Sinto um nó no estômago,não aguento estar mais aqui.
De novo no hall, dirijo-me para outra porta. Nesta está escrito: Departamento de MEDICINA. Entro num espaço vazio, não consigo agarrar nada, parece uma câmara de despressurização, o mundo da ausência… Claro! Ambiente esterilizado, ausência de doença. Será isto a normalidade? Avanço mais um pouco e vejo duas setas, uma para a direita indica: Patologia –presença de doença ou sintomas, vou dar uma espreitadela… Parece que cheguei a uma “farmoteca”, (ou a uma “bibliofarma” –como preferirem) alinham-se prateleiras e mais prateleiras com livros e caixas, tudo numa invejável organização, e ainda mapas com taxonomias e fichas dicotómicas.. Reparo numa espécie de guarda-vento: Terapêuticas Estruturais; não resisto a espreitar pelo vidro: dum lado alinham-se instrumentos cirúrgicos, do outro uma panóplia de tubos de ensaio e canalizações de vidro com neurotransmissores a subir e a descer. Ao fundo da sala outro guarda- vento diz Gabinete de Genética. Volto ao local onde estavam as duas setas, a que apontava para o lado esquerdo dizia: Saúde. Ummm… Saúde – “Estado completo de bem-estar físico mental e social” – Será que podemos considerar que normalidade, equilíbrio e saúde (mental) são sinónimos? Curioso, aqui há outro acesso ao Gabinete de Genética e ainda um guichet onde se lê: Política Educativa e Socio-Económica.
Enquanto penso neste assunto, saio do… hospital (era o que parecia) e regresso ao hall circular, transponho outra porta, Departamento da CULTURA. À minha frente está um quadro onde leio: “Visitei uma terra onde as pessoas punham paus com cerdas na boca e faziam sons estranhos com a garganta como se estivessem a espantar espíritos, depois cuspiam uma espuma e quando acabavam pareciam estar felizes” Que povo e que ritual excêntrico seria este? Reparo numas letras mais pequenas e curvo-me para ler: “Excerto da descrição dum aborígene do comportamento -lavar os dentes – “. Na minha mente surgem pequenos “post-it(s)”: “preconceito”, “avaliação descontextualizada”, e ainda um outro: “Será o conceito de normalidade transcultural”? Só fará sentido se for!
Mais uma vez estou no hall, olho à procura de outra entrada, ali está. Nesta porta bem esculpida e trabalhada está escrito: Departamento de PROCESSOS PSICOLÓGICOS. Parece que entrei num coliseu. Uma série de equilibristas treinam, num ambiente quase circense. Não percebo qual é a pista desta porta, mas deve ter alguma…esta viagem deve ter um padrão. Penso…. Nome da porta: Departamento de Processos psicológicos… olho em volta e há várias outras portas iluminadas por entre as bancadas, posso ler junto do foco de luz o nome de algumas: Cognitivos, afetivos (vinculação), Inconscientes, de Aprendizagem, de Desenvolvimento, Estruturais… aãã? Processos estruturais? Esta porta parece-me deslocada…, talvez não, poderão os processos ser independentes da estrutura? Talvez esta porta dê também acesso à sala de genética do hospital, afinal olhando a patologia como um ponto de desembarque de causas próximas e remotas, de diátese e de stress… de vulnerabilidade e resiliência…um processo contínuo de interação entre bioquímico e ambiental, externo e interno… Para! Volta a concentra-te no que vês na arena central! Observo: As pessoas caem, tentam o reequilíbrio, umas vezes quase paradas outras vezes andando ou socorrendo-se de um parceiro ou de uma vara, e quando finalmente conseguem, sorriem…Sim, é isso, a normalidade enquanto processo interactivo entre o indivíduo e o meio, numa tentativa constante de equilíbrio. Uma normalidade que não é um dado adquirido, é conquistada ao longo do tempo e é conseguida num diálogo entre mudança e estabilidade, desequilíbrio e equilíbrio. Será então normalidade a possibilidade de dançar entre equilíbrio e desequilíbrio gerando bem-estar?. A facilidade em encontrar esse ponto estaria na estrutura, (diátese) a habilidade para manter, perder e readquirir esse ponto, estaria nos condicionamentos do meio (stress) e nos processos…
Ansiosamente regresso ao hall, há ainda mais portas, estou cansada, mas quero entrar numa que me pareceu de sonho. Onde era? Que dizia? Cá está ela: Departamento Utópico. Entro. Num dos cantos está uma fonte com água límpida onde, para além da minha imagem reflectida, cintilam moedas. Devo estar na fonte dos desejos. Desejos de felicidade. Vejo o reflexo na água que nunca se agarra, o brilho quimérico das moedas… e no entanto esta é a mais bela sala que visitei, parece uma galeria de arte com sonoridades celestiais…a sala do almejar… e contudo… há algo que falta. Será a felicidade uma utopia? Deito uma moeda na fonte e a minha imagem reflectida na água movimenta-se. É isso, movimento! A única sala em que havia Vida era a anterior, a sala do Departamento de Processos Psicológicos. Parece-me ainda ouvir o eco “dança geradora de bem-estar”,
Regresso ao hall. O sol, espraiando-se no vitral da abóbada da Torre das Portas aquece-me, quase me cega e… acordo»
II
OLHAR VIGIL
Olhemos então para a “normalidade” tentando defini-la pela positiva e enquanto conceito que deve ser transcultural, incluir aspectos estruturais (ser)(traços) e processuais (motivacionais, estar a ser, ir sendo) (dimensões), dinâmica (ir sendo com, e transformando-se a partir de, num processo de transferência,), dialéctica (em movimento constante com avanços e recuos, equilíbrios e desequilíbrios), desenvolvimentista (características sociais, educativas relacionais, auto conhecimento, etapas e fases) incluir o que o próprio sente, reflecte e observa sobre si e os outros, e o que os outros observam, sentem e reflectem sobre ele.
A desordem não está no desequilíbrio ocasional, que faz parte do processo dinâmico dialético que é a vida, mas apenas em traços extremos, inadaptativos, inflexíveis e/ou causando sofrimento, que impedem o reencontro com o equilíbrio.
Talvez possamos dizer que a noção de normalidade, enquanto torre vertical, deve ser entendida, como mero constructo teórico, utópico, uma vez que, as várias funções (ou necessidades/identidade/ níveis/traços – dependendo dos autores -) não necessitam de um equilíbrio vertical (tal como a Torre de Pisa), nem estático, mas tão só de um equilíbrio, que mantenha intercepções (pontos de equilíbrio) de vários (factores, funções, dimensões etc.,) ou seja sem desregulações ou disrupções do processo de desenvolvimento individual e inter-relacional.
A normalidade estará então na possibilidade e capacidade de (re)encontrar (ir encontrando) um ponto (sucessivos pontos) de equilíbrio gerador(es) de bem-estar, capaz(es) de satisfazer as necessidades do próprio concomitantemente com as necessidades do meio ao longo das várias fases da vida.
Todos nós temos a riqueza e a raridade da Torre de Pisa, variamos no grau de inclinação, no lado, na exposição solar, na ornamentação, no estilo, etc. Esse facto, dá-nos a nossa individualidade. O nosso bem-estar reside na capacidade de convivermos com essa individualidade de forma saudável, mais do que na tentativa desesperada de “sermos direitos”, de “sermos como os outros”, ou de “sermos como um (qualquer utópico) modelo”. O nosso bem-estar reside também na capacidade de evitarmos o desmoronamento, reconhecendo os exageros prolongados e a rigidez, que poderão estar a impedir o reequilíbrio. Saber viver connosco e com os outros, eis a dança mais desafiante e fantástica da vida.