As emoções “malditas”…

emoc

Um dos passos mais importantes no trabalho terapêutico é a identificação das emoções, perceber o seu papel específico na vida do indivíduo, compreendendo como a sua inibição, evitamento ou expressão desregulada afeta a vida da pessoa.

Se há emoções com que ninguém parece ter preocupações, como é o caso da alegria, há outras que são olhadas com muita desconfiança, como é o caso da tristeza e da zanga. À tristeza, nalgumas situações (morte de alguém próximo, divórcio), é concedida algum tempo para que seja vivida, tentando-se depois que ela desapareça rapidamente, (“tristezas não pagam dívidas”) pois muitos de nós não nos concedemos, nem a nós nem aos outros, o direito de estar triste, nem queremos viver a vulnerabilidade que representa “estar triste” porque “temos que ser fortes” e… produtivos. Nesta armadilha caiem muitos dos que depois acabam verdadeiramente deprimidos, perdendo o sentido da sua própria vida.

Quanto à zanga, essa é vista ainda com piores olhos, como se fosse uma emoção maldita; ora ela afinal não é nem mais nem menos que as outras emoções, ou seja perfeitamente natural e saudável, acompanhada por transformações psicológicas e fisiológicas com objetivos específicos. Se a tristeza nos leva a chorar as perdas, e o medo nos leva a agir no sentido de nos protegermos, a zanga dá-nos a informação de que há limites que estão a ser ultrapassados e que teremos de tomar providências no sentido de repor justiça, é o que nos permite defender quando nos sentimos atacados, ou seja, tal como as outras emoções, tem uma tendência de resposta natural, adaptativa e essencial à sobrevivência.

 Quem não tem consciência das suas emoções ou as intelectualiza, não as pode utilizar como guia. Se ignorarmos a informação que as emoções nos dão, perdemos o contacto com uma parte de nós. Dado que as emoções têm o seu papel, se são ignoradas, acabam por se mascarar e aparecer com mais intensidade ou doutra forma, (emoções secundárias) vestindo outras roupagens, gerando uma confusão de sentimentos e pensamentos desadaptativos.

A zanga que não é ouvida e/ou consciencializada pode crescer e tornar-se violenta, ela pode ir, desde uma leve irritação até à fúria e pode tomar conta de nós a ponto de ficarmos seus reféns e agirmos a partir dela e não a partir do que ela nos comunica, perdendo qualquer hipótese de mediação e de simbolização.

A tristeza, quando sistematicamente não é ouvida e atendida no seu direito de vivência, pode surgir vestida de zanga e rapidamente transformar-se em revolta e violência.

O medo, quando não é autorizado a existir, pode dar o braço à vergonha, e surgirem ambos mascarados de zanga, (como se o medo fosse para os fracos e a zanga para os fortes).

A própria zanga, tantas vezes é maltratada e calada que, também ela se pode esconder por trás duma aparente tristeza e acabar em depressão.

O hipercontrolo, a negação ou o constante impedimento de expressão da zanga, pode também levar a comportamentos do tipo passivo-agressivo e ao cinismo, ressentimento, amargura e hostilidade, trazendo graves problemas ao nível do relacionamento interpessoal e do bem-estar psicológico.

Se percebermos que a zanga é secundária teremos que validar e autorizar a vivência das emoções que atrás dela se esconderam. A zanga pode também ser instrumental, isto é, utilizada para obter do outro, por exemplo através da intimidação, o que se pretende.

Se a zanga for primária, é necessário vivê-la, perceber donde vem e o que nos quer transmitir. Assim que a escutarmos verdadeiramente será mais fácil regulá-la e agir com maior liberdade, podendo escolher o rumo da nossa acção, sem estar sob o seu controlo, e, pelo contrário, controlá-la, deixando-a fluir de acordo com a nossa vontade.

Depois de nos apossarmos da zanga, poderemos decidir com mais consciência, liberdade e noção das consequências o que fazer com a informação que ela nos trouxe. Nesse processo poderá haver ganhos, perdas, responsabilizações, perdão ou não perdão, mas terá de haver sempre aceitação da situação, para que a zanga deixe de ser perturbadora. Podemos então deixá-la partir, uma vez que já cumpriu o seu propósito.

Emoções “malditas” sejam pois bem-vindas. A riqueza de cada um de nós reside na riqueza da paleta com que vemos e pintamos o mundo. Fugir das emoções, sejam elas quais forem, é tornarmo-nos mais pobres, menos humanos e menos conscientes de nós, podendo conduzir a resultados devastadores. Afinal as emoções são, não só uma das formas através da qual lemos o mundo que nos rodeia, como também uma forma de nós próprios comunicarmos. Utilizar as emoções para comunicar pode ser tão reconfortante como assustador, tão poderoso como desastroso. É também nesta mediação entre o que as emoções nos dizem sobre nós e o que nós pretendemos comunicar, entre o que descobrimos e o que mostramos que reside muito do trabalho terapêutico.

 A melhor forma de encontrar ou reencontrar o nosso equilíbrio psicológico é estar atento às pistas que as emoções nos trazem, cada uma por si, sem as confundir, escutando-as, dialogando com elas, de modo a, por um lado libertarmos o nosso sentir, e por outro, regularmos as nossas acções, de modo a podermos ser mais conscientemente livres.

Cristina Marreiros da Cunha – Psicóloga e Psicoterapeuta