Com frequência sou questionada como comunicar melhor, quando, nas consultas de terapia de casal, a principal queixa é apresentada como “não sabemos comunicar”.
Nestes dias de quarentena que vão correndo, esta é uma capacidade fundamental. O potencial de conflito encerrado num processo comunicacional deficiente é enorme, e nesta situação de proximidade constante está exponenciado.
Comunicar é essencialmente ouvir!
Esta é uma das nossas competências mais subutilizadas . Na realidade, a maioria de nós acha que está a ouvir, quando na realidade está envolvido num diálogo interno que lhe permitirá refutar o que pensa que o outro lhe disse.
Quando não há envolvimento activo no processo de escuta, muita informação não é rececionada (verbal e não verbal) e outra não é retida.
Para nos empenharmos num processo de escuta ativa precisamos utilizar os 5 sentidos. Esta prática não só nos informa sobre o outro, mas também sobre nós mesmos. A atenção ao corpo, a presença no “aqui e agora” permite-nos a construção de um feedback genuíno e que abre o diálogo incentivando uma comunicação positiva.
Assim devemos ter presente o seguinte:
Ouça para além do que é dito
Muitas discussões acontecem por razões que os casais descrevem como “tão pouco importantes que já nem se lembram”. Na realidade, a maioria dos conflitos começa com a “gota de água” que faz transbordar o mal estar de necessidades não satisfeitas. Queixar-me de que o meu companheiro não participa na confeção do jantar, na realidade pode ser uma queixa que poderia ser formulada como “Estive longe de ti todo o dia, queria a tua companhia, sentir que sou especial, que sentiste a minha falta também!” ( sim, a partilha das tarefas também aliviam o cansaço do outro)
Atente à linguagem não verbal
Compreenda e valorize a linguagem corporal do outro e atente na sua.
Muitas vezes o mal estar que sentimos numa conversa, pode ser explicado pela incongruência entre o que é dito e o comportamento, a linguagem corporal.
Quando estamos a falar com alguém que expressa verbalmente a sua preocupação pelo que lhes transmitimos e tem o olhar fixo no telefone, nas redes sociais, o mal estar que esse diálogo nos faz sentir é legitimo. As minhas palavras dizem “Interesso-me, preocupa-me com o que dizes”, o meu comportamento revela o contrário – e isso é irritante.
Tenha atenção à forma como se expressa e ao modo como se comporta no diálogo com o outro.
Time-out
Um diálogo pode estar imbuído de todo o tipo de respostas emocionais, desde a alegria à tristeza passando pela raiva e a zanga.
Quando em conflito, muitas vezes chegamos a um estado de ativação neurofisiológica e emocional que nos impede “manter a cabeça fria” e estar disponível para ouvir o outro.
Aceitem como estratégia o sinal de “time out” como forma de se retirarem da conversa o suficiente (20 minutos costuma ser o tempo adequado) para acalmar e permitir que o seu corpo e as suas emoções regressem a um nível gerível.
Realidade única?
A empatia e a bondade são dois elementos fundamentais para uma boa comunicação. A velha questão “queres ter razão ou ser feliz?” implica um equilíbrio entre a nossa visão e a compreensão do outro e da sua realidade. Ficar preso na busca da verdade absoluta só nos bloqueia. Admitir que existirão sempre 2 versões da realidade permite-nos construir pontes, processos de negociação.
Negociação
A maioria das negociações termina em compromisso de ambas as partes.
Numa boa conversa, ir mais além do “bater bolas” é fundamental.
Perdermo-nos nos pormenores, no ataque ao outro, não nos deixa perceber que muitas vezes ambos queremos o mesmo, mas temos caminhos diferentes para lá chegar.
Assim, procurem partilhar as vossas necessidades para além da queixa, para poderem passar à fase da resolução. Começar por aceitar que não terão uma solução boa, mas uma suficientemente boa para ambos é o primeiro passo para construir um compromisso partilhado.
Se o meu cansaço na relação se traduz na queixa de falta de iniciativa do outro para programar uma saída a dois, e o meu parceiro se queixa da minha falta de iniciativa para partilhar o sofá nas noites de semana, provavelmente ajuda assumir que o problema é o reconhecimento da necessidade da companhia do outro e da iniciativa de cada um para o demonstrar. Então encontrar um compromisso que permita satisfazer as necessidades especificas de cada um (ficar em casa, sair para jantar), dar-nos-á uma boa probabilidade de chegar a uma solução mutuamente satisfatória.
Não existem relações perfeitas.
Como alguém dizia, “Casais felizes não são os que não discutem, mas aqueles que sabem resolver uma discussão”.
As configurações familiares no início deste milénio são muito variadas e complexas. O casamento transforma- se em casamentos e muitas crianças experimentam duas vivências familiares distintas: a casa da mãe e a casa do pai.
As configurações familiares no final deste milénio são muito varia¬das e complexas. Ao longo de uma vida é cada vez mais frequente “o casamento” transformar-se em “casamentos”. A família tradicional transforma-se noutra de contornos maleáveis e dinâmicos. As crianças podem experimentar duas vivências familiares distintas, a casa da mãe e a casa do pai. E os filhos da nova união poderão ter irmãos residentes e irmãos de fim- de-semana… E todos acabam por desempenhar uma multiplicidade de papéis que algumas vezes não desejaram, ou sobre os quais possuem pouca informação.
Período crítico. A fase de transição, da ruptura de uma célula familiar à organização da nova estrutura, é um período crítico, em que a definição das novas rotinas quotidianas, da gestão das emoções e dos medos e de encontrar o lugar de cada um na família se traduzem num esforço relacional e emocional que fragiliza todos os intervenientes. É neste período crítico que o nível de insegurança emocional se acentua, como é de esperar nos processos de mudança. E as crianças são, infeliz¬mente, os alvos preferenciais dos medos e angústias desencadeados pelas modificações profundas no seu universo socioafectivo.
Mas é sobre os adultos que gosta¬ria de reflectir, pois a sua actuação pode ser determinante para que esta mudança resulte bem para as crianças, marcando a diferença entre uma “saudadezinha do papá” ao adormecer, que se cura com um telefonema tranquilizante, ou o medo do abandono e do conflito entre os pais que vão minando a tranquilidade dos mais novos. A verdade é que a qualidade da actuação dos adultos depende muito da forma como gerem os seus próprios receios e fantasmas.
E se o novo companheiro não gosta das minhas crianças? Mui¬tas vezes esta inquietação surge quando o convívio entre o novo parceiro e as crianças se intensifica, nomeadamente quando começam a coabitar. A expectativa dos adultos em relação à intensidade dos laços afectivos é, por vezes, desadequada e origina respostas muito reactivas aos contratempos e ajustes que inevitavelmente surgem. Os afectos também se constroem e para isso é preciso tempo.
Definir papéis. As mudanças abruptas são as mais violentas. Se já existem laços de convívio,se já pudemos observar a criança a interagir com o novo companheiro e gostámos do que vimos, talvez não haja motivo para grande inquietação. O planeamento é uma estratégia óptima para reduzir a incerteza e os mal-entendidos. Uma vez tomada a decisão de viverem todos juntos, é importante que o novo casal se sente para conversar, definindo o papel de cada um, o exercício da autoridade e do poder, as regras, as tarefas, os limites a respeitar do espaço individual. Principalmente, como agir em matérias susceptíveis de serem fonte de desentendimentos — oportunidade que os mais novos geralmente aproveitam para “dividir para reinar” e obter coisas que de outra forma não teriam. Idealmente, e em sintonia com as idades das crianças, deveríamos ser capazes de dialogar com elas e torná-las parte integrante deste processo.
Devemos deixar sempre claro para o outro o lugar que as crianças ocupam na sua vida e o quanto são importantes para si. Se o novo companheiro também tiver filhos, entenderá do que estamos a falar. Mas terá igualmente necessidades, inquietações e expectativas relativamente aos seus próprios filhos. Um processo de negociação intensa torna-se quase obrigatório, nomeadamente enquanto predomina o encantamento do enamoramento, que poderá facilitar a conversa destes assuntos.
Conquista afectiva. Ser tolerante perante uma situação que é nova para todos, onde ainda se ensaiam papéis e é natural que o outro não seja perfeito, pode ser meio caminho andado para o sucesso. Para isso temos de esquecer a tendência generalizada entre muitos casais de fazer comparações com o “ex”, porque, apesar de desempenhar funções parentais, o novo companheiro não é, de facto, o pai ou a mãe das crianças.
A madrasta má e o vilão também têm medos. O grande medo é ser considerado como um intruso que será rejeitado. Como tornar-se, então, parte integrante da família? E se a criança não o aceita? Qual o impacto que isto vai ter na relação de casal? Estas inquietações contribuem para uma atitude hipervigilante, que, por sua vez, pode condicionar condutas muito reactivas em resposta a comportamentos infantis de oposição ou hostilidade. Estes comportamentos da criança são de esperar em qual¬quer família — ainda mais numa estrutura familiar em mudança, na qual a criança ainda se sente insegura e até ameaçada — e podem ser interpretados numa perspectiva catastrófica em que é certo que “o miúdo vai-me odiar para sempre!”. Provavelmente a criança está apenas a testar limites, ou a tentar perceber o que fazer com este tipo que, quer ela, quer eventualmente outros adultos significativos no seu universo socioafectivo, responsabilizam por tomar o lugar do pai.
Conquistar estas crianças a qual¬quer preço não é uma boa estratégia. A sedução “em esforço” não consegue ser sustentada por mui¬to tempo e das duas, uma: a criança sente-a como falsa e rejeita-a ou torna-se manipuladora em resposta à sua própria tentativa de manipulação. Se encararmos logo à partida a relação com naturalidade e com respeito, respeito por nós próprios, pela criança e pelos sentimentos que necessitam de tempo para amadurecer, então esta¬remos a lançar as bases saudáveis para um bom relacionamento.
Direito de errar. O encontro dos sentimentos de medo da criança com as ansiedades e receios dos adultos tem que ser gerido pelo adulto. Somos nós que temos a capacidade de reflexão objectiva, que somos capazes de descentrar das nossas emoções, de sermos tolerantes e de transmitir segurança, de agir reflectidamente, com bom senso, ajustando as nossas expectativas e desejos às limitações e exigências da realidade, de auto-regular o nosso comportamento e, finalmente, exercer o poder. E como tudo isto não é fácil, temos também direito às fragilidades que habitam em to¬dos nós e temos direito a errar! Não podemos é esperar que seja a criança a ter uma atitude característica de um adulto, mesmo que estejamos a falar de adolescentes.
O papel do pai ou mãe é funda¬mental para criar harmonia na nova família. São o seu comportamento e as suas atitudes que vão fornecer pistas às crianças do lugar do novo elemento na família, da sua importância, do que é e não é permitido. E é do diálogo entre o casal que nas¬cem soluções criativas para as dificuldades que forem surgindo. O grande truque talvez se¬ja transformar potenciais conflitos e agressões em problemas que necessitam de resoluções concretas. Porque este é o seu projecto e é pelo casal que a família existe.
Bebés. Levar um bebé para casa do novo companheiro é uma situação que desencadeia medos profundos, tanto mais graves se estiverem associados a separações conflituosas. Sentimentos de perda, rejeição e ciúme relativos à ruptura do casal podem ser projectados nos filhos e no acto de os cuidar e partilhar.
A frustração ou sentimentos de impotência e abandono, comuns nas primeiras etapas do luto da relação, geram a necessidade de agredir aquele que “traiu” o projecto de vida a dois. Esta necessidade leva a que se “instrumentalizem” as crianças e que se façam muitas asneiras. Uma das tentações mais irresistíveis costuma ser criar aversão ao “rival” e ao novo lar. Ou enfatizar o distanciamento do outro pai como uma troca, um abandono, salientado as desvantagens de estar no “outro lado”.
Este tipo de estratégia tem normalmente dois resultados: a curto prazo a criança parece aderir e há uma recusa em estar com a “concorrência”; ou, a médio/longo prazo, se a postura do “outro lado” for de tolerância e amor, o feitiço vira¬-se contra o feiticeiro. Há perda de relação e desvalorização de quem implementou esta estratégia. Entretanto, muito provavelmente, viveram-se momentos dolorosos, alimentaram-se conflitos, criou-se desarmonia e sofrimento, pois atiçou-se o lume do caldeirão dos medos, dos adultos e crianças.
Contudo, devemos lembrar que ninguém pode ocupar o seu lugar no coração do nosso bebé, sermos o seu porto de abrigo. Ajudá-lo a enfrentar estes per-cursos com tranquilidade, não o sujeitando à violência das escolhas impossíveis, é fundamental, pois ele ama e necessita dos dois, mesmo que os dois já não sejam um.
Medos. Para neutralizar a angústia de não o termos sob a nossa asa protectora, devêmo-nos lembrar de que quando escolhemos ou aceitámos ter um filho com aquele companheiro, com o qual podemos estar mui¬to zangados, demos-lhe um voto de confiança como pai/mãe. Devêmo-nos lembrar que o outro tem recursos que lhe permitiram tratar do filho conjunto, e este precisa muito de estar com o pai/mãe em condições naturais, em paz.
Nos pais que deixaram de viver com as crianças a tempo inteiro costuma observar-se uma tendência para espaçar os momentos de convívio com elas. Parece uma reacção paradoxal, pois estamos a falar de pessoas responsáveis e amantes dos seus filhos. Mais uma vez, o medo tem um papel dominante na origem deste comportamento. O medo de não sermos competentes neste novo cenário, o medo da per¬da de afecto, o medo da dor no momento da separação acciona mecanismos de defesa psicológicos, dos quais fazem parte a fuga. Ainda que fugindo ao confronto directo com a situação, o medo não desaparece, continua lá, como que adormecido. De facto, conseguimos uma espécie de “alívio” imediato, mas a escassez de convívio continuado com os filhos acaba por trazer mais sofrimento e perda para nós e para eles.
O contacto com as nossas crianças tem um efeito psicologicamente equilibrador. Ao vencer as primeiras etapas mais difíceis, a criança reafirmará o afecto e a necessidade que tem de nós, confirmando o que sempre soubemos: que, para ela, nós somos insubstituíveis.
Dicas para os pais:
• Devemos ser previsíveis. Devemos evitar a todo o custo faltar aos encontros prometidos. Por, vezes as expectativas criadas são muito elevadas porque o pai ou a mãe vão estar presentes e os filhos precisam de saber que podem continuar a contar com os pais
• Se não pudermos de todo comparecer ao encontro devemos telefonar e explicar-lhe directamente a razão. Mas estas devem ser situações de excepção. É também importante deixar claro quando vai acontecer o próximo encontro.
• Sempre que se despedirem, devemos referir “até sexta-feira!”, para que a criança tenha uma referência concreta
• Utilizar linguagem positiva leva-nos no reencontro, em vez de nos mostrarmos tristes porque tivemos muitas saudades da criança, transmitir-lhe a alegria que sentimos por estarem juntos
• O importante é interagir naturalmente. Não é preciso estar continuamente a fazer programas fantásticos, que muitas vezes obrigam a esforços financeiros e psicológicos que “contaminam” os estados de espírito, deixando-nos ansiosos e criando na criança o sentimento de que tem que se divertir.
Usufruam do momento!