Mitos e Realidades nas Relações de Casal

Mitos e real rel a 2

Há já alguns anos, Albert Ellis, colocou uma questão interessante: Porque haveria de ser o casamento, uma relação ideal? Lembrava ele então que essa relação é constituída pelas duas pessoas que mais partilham o tempo, que mais se expõem uma à outra, que mais mostram o seu lado negativo uma à outra e entre as quais o fingimento é mais difícil.

            Partindo destes factos, é fácil perceber que a relação a dois é simultaneamente uma relação potencialmente geradora de conflitos e potencialmente geradora de um alto grau de intimidade, aceitação e partilha. Assim sendo, teoricamente, se reduzirmos o potencial para a existência de conflito, juntamente com o aumento de estratégias para a sua resolução e se ao mesmo tempo aumentarmos o potencial de intimidade, aceitação e partilha, poderemos considerar-nos no bom caminho para uma relação estável de bem-estar a dois.

            Como nos diz John Gottman, existem dois tipos de problemas: os que têm solução e os que não têm solução. Tentar evitar o conflito não resolvendo os primeiros, ou entrar em conflito constante por causa dos segundos, é sem dúvida contribuir para uma relação problemática e desgastante.

            No caso dos problemas com solução, (Natal-casa dos pais ou dos sogros? Dinheiro-obras ou carro novo? Filhos-escola pública ou privada? Etc.) o diálogo, a exposição da visão pessoal de cada um, e a compreensão do ponto de vista do outro, são aspectos essenciais para encontrar uma solução, que, podendo não ser a preferida, pode ser bem aceite por ambos. Nos chamados problemas sem solução (religião/clube/partido, projecto de vida pessoal, incompatibilidades várias) o caminho passa por definir se a questão é fundamental ou não para a continuação da relação (como pode ser o caso, por exemplo, quando um deseja ter filhos e o outro não) ou, se é uma questão não fundamental em que será necessário identificar esperanças, aspirações, desejos e sentimentos, negociando a acção, aceitando a diferença e concordando em discordar.

            Acontece, porém, que não estamos a resolver conflitos com um sócio, com um colega de trabalho, nem com um amigo, estamos a resolver (ou não) conflitos com a pessoa que escolhemos para partilhar a nossa vida, a pessoa em quem mais confiamos e a quem mais estamos ligados afectivamente, e isto, por paradoxal que possa parecer, pode dificultar, e não facilitar, a resolução, pois o envolvimento emocional é muito grande.

            Leslie Greenberg e Sue Johnson mostram-nos como em todo este processo, as emoções de cada um, a forma como se interrelacionam com as do outro e o tipo de ciclos (funcionais ou disfuncionais) que criam, são a chave quer para o sucesso quer para o insucesso da discussão.

            Cada membro do casal traz consigo as experiências aprendidas na família de origem, quadro essencial para perceber as representações e interiorizações diferentes que cada um pode fazer sobre um mesmo acontecimento ou situação. John Bowlby e Mary Ainsworth chamaram a atenção para o tipo de vinculação -segura/insegura (ansiosa ou evitante) – que cada um estabeleceu com os seus pais ou cuidadores na infância e para a importância central que este desempenha (por imitação ou por oposição, consciente ou inconsciente), não só na escolha do parceiro, como também no modo como o casal comunica e se relaciona.

            Ambos possuem uma bagagem muito pessoal e com alta carga emocional, cabe a cada um percebê-la e, até certo ponto, tentar perceber a do outro, de modo a que não se sinta “atacado”, nem se deixe “atacar”, por problemas que pertencem à vivência/experiência precoce do outro, mas ao mesmo tempo consigam alargar a sua própria experiência emocional através da experiência do outro. Talvez a forma mais simultaneamente aberta, em tom de dádiva, e envolvente, em tom de aconchego, de chegar ao parceiro, seja tentar sentir as suas experiências precoces – lá onde você não esteve e não viveu. Para tal, é necessária uma partilha mútua de vivências e sentimentos, o que, por um lado implica confiança e aceitação de vulnerabilidade, e por outro lado, possibilita o desenvolvimento pessoal, a reparação e o fortalecimento de ciclos funcionais de ligação e comunicação que contribuem para a aproximação e crescimento do casal.

            Ao longo de anos de investigação sobre casais e sobre o que funciona e não funciona nos seus relacionamentos, foram sendo encontradas algumas constantes nas relações felizes e alguns mitos que contribuem para relações infelizes. Há mitos de épocas distantes ainda presentes, embora por vezes de forma menos consciente, que continuam a causar dano; outros são mais actuais e muitas vezes divulgados como soluções, quando mais não são do que agravantes.

Alguns dos mitos mais nocivos para uma relação a dois:

  • O casamento traz a felicidade e preenche todos os meus sonhos
  • Os membros do casal não devem ter interesses ou amizades individuais
  • Uma relação extraconjugal salva o casamento ou estimula-o
  • Uma relação extraconjugal destrói um casamento
  • Os bons maridos fazem reparações em casa e/ou as boas mulheres tratam da comida e da roupa
  • A ambição de um vem antes da carreira do outro
  • Os verdadeiros amantes conhecem-se automaticamente um ao outro e sabem o que o outro está a pensar, mesmo sem falarem
  • Os bons esposos devem satisfazer todas as necessidades do parceiro
  • A competição entre o casal acrescenta encanto ao casamento
  • O casal deve ser uma sociedade de 50%+50%
  • Os casais felizes não discutem
  • Os casais não devem revelar assuntos pessoais a terceiros
  • Um é melhor do que o outro, ama mais, luta mais pela relação
  • Um casamento infeliz é preferível a um lar desfeito
  • Se o seu parceiro quer terminar a relação, lute por ela
  • Ter um filho melhorará o casamento

Alguns pontos comuns às relações mais satisfatórias

  •  Envolvem-se com prazer na construção da vida a dois
  •  Não dizem Sim, quando na verdade querem dizer Não
  •  Evitam criticar e culpabilizar o outro, mas expõem claramente o  que estão a sentir
  •  Cooperam, em vez de competir, tentando chegar a soluções  satisfatórias para ambos
  •  Exprimem opiniões e deixam-se também influenciar pelo    parceiro
  •  Tomam consciência das suas emoções e sentimentos e  procuram compreender as do parceiro, não responsabilizando o  outro, pelo que só ao próprio diz respeito
  •  Evitam que uma zanga se torne mais do que isso, voltando-se  um para o outro em vez de ficarem de costas voltadas
  •  Evitam a mentira. Quando sentem necessidade de mentir,  perguntam-se porquê, e resolvem. A mentira conduz à  desconfiança
  •  Encorajam o outro a alcançar os seus objectivos pessoais e      potencializam o que cada um tem de melhor
  •  Criam e desfrutam momentos a dois partilhando algumas tarefas e actividades de prazer
  •  Sabem esquecer e perdoar
  •  Reconhecem e aceitam os seus defeitos e vulnerabilidades assim como os do parceiro
  •  Valorizam os pontos fortes do parceiro
  •  Partilham significados e piadas privadas e cultivam o sentido de humor
  •  Interessam-se pelo dia a dia e pelo trabalho do outro e trocam ideias e experiências
  • Alimentam o afecto e a admiração, (por exemplo, trocam mensagens amorosas)

            Para que ambos se sintam bem na relação é fundamental que cada um se sinta bem consigo. A forma mais inteira de poder amar e ser amado dum modo saudável e gratificante, é que cada um saiba aceitar-se, respeitar-se e amar-se, tendo consciência de si e de quem é.

            Ambos terão necessidade de se sentir aceites, autorizados, e alvos de apreço, atenção e afecto; ambos necessitam de se sentir simultaneamente livres e comprometidos. No entanto, estas necessidades nem sempre estão presentes em ambos os parceiros com o mesmo nível de intensidade e podem variar ao longo do tempo, embora não necessariamente ao mesmo tempo e da mesma forma (o que para um é demais, pode ser para o outro apenas o suficiente, o que numa altura é essencial, noutras é dispensável). É necessário olhar para as necessidades que cada um sente em cada momento, saber comunicá-las e, quando possível, conciliá-las, ou, aceitar – sem ressentimento – prescindir; quando tal não é possível, deixar que o outro as satisfaça de outra forma; afinal, amar é isso mesmo, é aceitar a diferença e deixar ser.

Cristina Marreiros da Cunha – Psicóloga e Psicoterapeuta

3 thoughts on “Mitos e Realidades nas Relações de Casal

  1. Bom seria se no minimo um terço da população segui-se o que aqui se lê…problema…é que se verifica precisamente o inverso. Se houvesse maneira de fazer chegar este video à maioria da população… é possivel que muito boa gente, após a sua leitura, para-se para pensar, para meditar um pouco… ]

  2. Tudo muito bem pensado e inteligentemente exposto. Mas se permite vou deixar aqui umas dicas de popular sensatez para ajudar o pensamento e a meditação sobre o espinhoso assunto da convivência e sobrevivência conjugais..
    “Casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão”. “Entre marido e mulher ninguém meta a colher” “Agua mole em pedra dura, tanto dá até que fura”, “Pau teso não tem alma” (esta dizia o meu falecido pai),” Meia, sem pé ou murcha ou laré” (Esta dizia a minha avó Ofélia que também já morreu), “Quem tem filhos tem cadilhos” mas olhe que quem os não tem…cadilhos tem.!!!” O amôr quer-se é bem batidinho com natas e morangos a enfeitar” Esta é minha.
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