Luzes, câmara, luzes e … mudança!

luzes, camara

Quantas vezes já deu por si a pensar que a sua vida dava um filme?
Não necessariamente um filme de humor nem uma comédia, e também não teria de ser uma tragédia, mas um filme claramente surreal, cheio de peripécias que, por vezes, dispensaria de bom grado.
Se foram muitas estas vezes em que tudo lhe parece acontecer, talvez seja altura de tentar perceber quem anda a escrever os papéis que lhe tem cabido interpretar. E, aproveitando o ensejo, tentar perceber o que o leva a continuar a desempenhar esses papéis em vez de experimentar novos desafios na arte da representação (ou, na verdade, de viver a vida!).

Muitas vezes encontramo-nos presos a um determinado estilo de papéis que, num determinado momento da nossa história, nos foi pedido (ou até exigido) que representássemos. Fomos aquele herói improvável que avançou de forma destemida apesar das contrariedades. Ou fomos a personagem ingénua que confiou cegamente na capacidade de protecção dos outros e no fim se encontrou a braços com uma reviravolta (não tão) surpreendente. Também nos pode acontecer sermos apontados como o déspota tirano, ou até o vilão que, bem lá no fundo, até tem sentimentos, mas a quem ninguém dá a devida atenção e a oportunidade de se redimir.
Até aqui, tudo bem. O problema, como acontece tantas vezes nas versões de Hollywood, é que um determinado actor ou actriz, quando desempenha um papel demasiado bem, acaba quase sempre por ser procurado novamente para continuar a representar esse tipo de papéis. Em quase exclusividade. Lá está, exactamente como em Hollywood, sem grandes hipóteses de poder surpreender o público com novas competências e personagens.

Somos, desde pequenos, estimulados e incentivados a desempenhar um determinado tipo de papel ao longo das variadas relações que estabelecemos. Assim, vamos exercitando as nossas capacidades e competências sobretudo num espectro relativamente estruturado de guiões. Acabamos por nos tornar especialistas num tipo de papel, que é como quem diz, num emaranhado de padrões de relacionamento com os outros e connosco que acaba por ser repetido, mesmo que não entendamos o porquê.
Num desenvolvimento saudável e potenciador, a vida acaba por nos expor a determinadas situações que nos desafiam a fazer diferente do que já tínhamos feito até então. Compete-nos a arte de aprendermos a flexibilizar e de sermos melhores protagonistas em cada guião diferenciado com que temos de lidar. Por vezes temos de ser vilões, outras vezes a figura em apuros, outras vezes o super-herói. E algumas vezes, temos de perceber que o filme em que nos encontramos não é sequer para ser protagonizado por nós e que o nosso papel será apenas uma tímida interpretação secundária. Ou mesmo uma ligeira e fugaz figuração.

Mas quando não conseguimos quebrar este padrão, expomo-nos a situações que nos podem trazer sofrimento, ao tentarmos repetir sempre o mesmo papel. Por vezes, representar o mesmo papel quando toda a narrativa mudou, torna-se desadequado e quem mais sofre é quem insiste em desempenhar um papel que agora é desnecessário e até possivelmente inconveniente. E é neste momento que a tomada de consciência deste “guião de vida” do qual nos fizemos reféns se torna importante. É importante reconhecer este padrão, este “papel-tipo” em que a pessoa se coloca, para poder sequer ousar experimentar fazer e ser diferente. Na verdade, a maior parte das vezes, a pessoa está tão habituada a este papel-tipo que o veste quase como uma segunda pele e sem sequer se aperceber que é bem mais do que a personagem que tantas vezes interpreta.
Por isso, representar outros papéis é algo que envolve uma determinação e um esforço que a pessoa tipicamente não esta a espera. Parece ser tão mais fácil regressar a esta personagem de outrora, mesmo que ela traga sofrimento.
Recordando Shakespeare, o mundo é um palco e a vida é uma peça sem ensaios. Permito-me acrescentar que o processo terapêutico pode ser o mais próximo possível do ensaio geral que a vida nos possibilita.

Um passo seguinte, ousado, mais exigente, ocorre quando nos libertamos destes papéis e passamos a ter autonomia e liberdade para reescrevemos os nossos filmes e nos apoderarmos da forma como conduzimos esta vida em que participamos. Tornamo-nos argumentistas. Produtores. Realizadores. Com direito a fracassos e a sucessos. Por vezes aplausos, outras, silêncio. Algumas, aplausos merecidos, outros fingidos, alguns silêncios estranhos, outros reconfortantes.

De facto, os grandes artistas são aqueles que conseguem adaptar-se ao registo de cada obra na qual participam, quer a representar, a escrever, produzir e até a realizar.
Sejamos os melhores produtores, argumentistas e protagonistas desta nossa peça. Porque é nossa. Única. E contínua…

Ana Baptista de Oliveira – Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta

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